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ANÁLISE DO LÍQUIDO ASCÍTICO

 

INTRODUÇÃO - CONCEITO DE PARACENTESE

 

A paracentese abdominal é um procedimento clínico que pode ser realizado à beira leito, no qual se faz uma punção abdominal para que se atinja a cavidade peritoneal e o líquido ascético seja removido. A paracentese diagnóstica consiste na retirada de pequeno volume do fluido para análise laboratorial. Devemos saber também que esse procedimento também pode ser realizado para fim terapêutico, ou seja, para alívio, tema que é abordado em outro post do nosso site PARACENTESE

 

QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PARACENTESE DIAGNÓSTICA?

Vamos citar algumas indicações específicas para a avaliação do líquido ascítico através da paracentese diagnóstica:

– Avaliação de uma ascite nova;

– Avaliação do líquido ascítico em pacientes com ascite previamente diagnosticada, porém que interne em regime hospitalar, independente da causa da internação;

– Investigação de um paciente ascítico com sinais de piora clínica como, por exemplo, febre, dor abdominal ou abdome tenso, encefalopatia hepática, leucocitose, piora da função renal e/ou acidose metabólica.

Alguns estudos demonstram que realizar a paracentese diagnóstica em tempo hábil, assim como na admissão hospitalar, reduz a mortalidade dos pacientes com ascite e cirrose.

 

QUAL O MOMENTO IDEAL PARA A REALIZAÇÃO DA PARACENTESE?

A punção do abdome deve ser realizada precocemente, ainda mais se a suspeita principal for de peritonite bacteriana espontânea (devemos estar atentos para os pacientes com história de febre e dor abdominal).

punção análise do líquido ascítico é indicada todos os pacientes com ascite de etiologia indefinida, a menos que existam contraindicações: 

 

CONTRAINDICAÇÕES À PARACENTESE

 

Em geral, a indicação correta da paracentese suplementa os riscos intrínsecos ao procedimento. O mesmo permite a análise do líquido e ajuda a determinar as suas causas. No entanto, algumas contraindicações relativas estão presentes:

– Pacientes com sinais de coagulação intravascular disseminada;

– Distensão intestinal importante (a menos que o procedimento seja guiado por exames de imagem);

– Cicatrizes cirúrgicas no local de punção (nesses casos, devemos guiar o procedimento por exame de imagem como ultrassonografia ou mudar a posição do procedimento);

– Distúrbios primários da coagulação.

 

DÚVIDA COMUM - PACIENTES COM INR AUMENTADO OU PLAQUETOPENIA? O EXAME ESTÁ CONTRAINDICADO?

Essas situações descritas, apesar de muitas vezes preocupantes, não são contraindicações à realização da paracentese, e a maioria dos pacientes não necessitam de transfusão de plasma fresco ou concentrado de plaquetas para que o exame seja realizado.

Para se ter noção, aproximadamente 70% dos pacientes com ascite possuem um INR aumentado, porém, mesmo assim, o risco de sangramento secundário à realização da paracentese é muito baixo.

 

Contraindicações à paracentese

Paciente não cooperativo

Infecção de parede abdominal

Gestação

Coagulopatia grave

Distensão grave de alças intestinais

 

Diagnóstico diferencial

diagnóstico diferencial das possíveis etiologias começa por uma anamnese e exame físico bem feitos:

  1. Tem fatores de risco/ sinais clínicos de doença hepática? 
  2. Tem história pregressa ou sinais clínicos de Tuberculose, doenças autoimunes, insuficiência cardíaca ou neoplasias? 
  3. Faz diálise?

 

Principais causas de ascite

Cirrose hepática

Neoplasias malignas

Insuficiência cardíaca

Tuberculose

Diálise

Doença pancreática

ESTUDO DO LÍQUIDO ASCITICO

Primeiramente, o que deve ser pedido:

Albumina; Celularidade; Proteínas totais e frações; Cultura;Glicose; DHL; Triglicérides; Amilase; Bilirrubinas; Citologia Oncótica.

COMO INTERPRETÁ-LO?

A análise básica do fluido ascítico, em geral, consegue responder isso! Os fatores avaliados são a aparência do líquido (se é sanguinolento, citrino, purulento); o gradiente de albumina soro-ascite (GASA); a celularidade; concentração total de proteínas.

Outros testes adicionais podem ser solicitados para a confirmação dos diagnósticos suspeitados: cultura; concentração de glicose; Gram; concentração de lactato desidrogenase; amilae; triglicerídeos; citologia; atividade da adenosina deaminase (ADA); pesquisas para tuberculose; entre outros.

A análise inicial:

. Aparência: a avaliação inicial da aparência do líquido pode nos ajudar nos diagnósticos diferenciais, destacando-se:

– Líquido claro ou citrino: sugere ascite não complicada, em geral amarelo citrino, muito visualizada em pacientes cirróticos, não infectados;

– Turva: comumente visualizada naquelas provenientes de líquidos ascéticos infectados;

– Opalescente: de forma rara, o líquido pode possuir essa característica, sugerindo altos níveis de triglicerídeos. Pode ser visualizado mesmo nos pacientes cirróticos sem complicações do líquido, sem muita importância clínica;

– “Leitoso”: geralmente possui um nível de triglicerídeo que ultrapassa a dosagem sérica (ex.: > 200 mg/dL e, algumas vezes, > 1000 mg/dL. Podemos chamar também de “ascite quilosa” ou “quiloascite”. A principal causa para esse tipo de aparência ascítica são as neoplasias malignas;

– Rósea ou sanguinolenta: a maioria dos líquidos com essa aparência são provenientes de acidente de punção, quando há perfuração de algum pequeno vaso localizado no tecido subcutâneo do paciente.

O principal diagnóstico diferencial para essa aparência é malignidade.

– Marrom: pacientes com icterícia importante podem possuir um líquido ascítico “amarronzado”. Outra causa são situações em que haja perfuração das vias biliares.

 

O GASA (gradiente de albumina soro-ascite):

GASA é o gradiente de albumina soro-ascite que representa a diferença entre a concentração da albumina sérica e do líquido ascítico. É facilmente calculado pela subtração da concentração de albumina sérica pela concentração de albumina do líquido ascítico (ou seja, albumina sérica – albumina ascítica).

 

GASA = Albumina sérica – Albumina do líquido ascítico

 

Esse gradiente é muito eficiente na avaliação do líquido quanto à sua etiologia ser hipertensão portal. Um gradiente maior ou igual 1,1 g/dL sugere como causa a hipertensão portal (acurácia de aproximadamente 97%).

Por outro lado, um gradiente menor que 1,1 indica outras possíveis causas, sem hipertensão portal envolvida.

Um GASA maior ou igual a 1,1 não é específico para cirrose, podendo existir em qualquer outra causa de hipertensão portal (hepatite alcóolica, insuficiência cardíaca, síndrome de Budd-Chiari, trombose de veia porta, fibrose portal idiopática). Interessante que quando à Concentração total de proteínas., assim como outros fluidos (ex.: derrame pleural), a ascite também pode ser classificada em exsudato (proteína maior ou igual 2,5-3,0 g/dL) e transudato (se os valores forem menores que os citados). No entanto, especificamente no caso da ascite, o GASA possui mais valor do que a concentração total de proteínas.

 

 

A partir do GASA, vamos dividir a análise do líquido ascítico em dois grandes grupos: ascite com GASA aumentado (≥ 1,1 g/dl) e ascite com GASA diminuído (<1,1 g/dl),

  1. Ascite com GASA aumentado (≥ 1,1 g/dl): dentro desse grupo estão incluídas as causas de hipertensão portal (Cirrose, hepatite alcóolica, metástases hepáticas, fibrose portal idiopática e trombose da veia porta), Síndrome de Budd- Chiari e Insuficiência Cardíaca.

Síndrome de Budd-Chiari

GASA ≥ 1,1 g/dl

Proteínas > 2,5 g/dl

Doppler de artérias supra-hepáticas

Insuficiência Cardíaca

GASA ≥ 1,1 g/dl

Proteínas > 2,5 g/dl

BNP aumentado

Um GASA mais baixo pode ser encontrado em situações como: carcinomatose peritoneal, tuberculose peritoneal, pancreatite, serosite, síndrome nefrótica. Além disso, um GASA ≥ 1,1 g/dl precisa me fazer pensar em peritonite bacteriana espontânea (PBE) e peritonite bacteriana secundária (PBS). 

Fluoxgrama explicando como fazer a diferenciação da PBE e da PBS através da análise do líquido ascítico

2. Ascite com GASA diminuído (<1,1 g/dl):  Carcinomatose peritoneal, Tuberculose peritoneal, Pancreatite, Serosite e Síndrome Nefrótica.

Além desses dois grandes grupos, temos outras condições com características típicas:

  1. Perfuração Biliar: Aumento da bilirrubina no líquido ascítico;
  2. Peritonite associada a diálise peritoneal: > 100 céls./mm³ com predomínio de neutrófilos e cultura positiva.
  3. Ascite quilosa:  Triglicérides > 200 mg/dl.
  4. Ascite hemorrágica: Contagem de hemácias > 50.000/mm³.

 

Celularidade:

A celularidade, com seus diferenciais, é um exame importantíssimo na avaliação do líquido ascítico, e deve ser solicitada em todas as amostras do mesmo.

E por que a importância? Algumas características sugerem a presença de infecção, e podemos reduzir a mortalidade quando a detecção é precoce e seu tratamento é iniciado logo que possível.

O uso de antibiótico deve ser considerado em qualquer paciente em que a contagem de neutrófilos é maior ou igual a 250/mm3.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE - Para a correção de ajuste, em casos de acidentes de punção, deve-se descontar 1 leucócito a cada 750 células vermelhas no líquido. Um neutrófilo deve ser descontado a cada 250 células vermelhas detectadas. 

 

DIFERENCIAÇÃO ENTRE TIPOS DE  PERITONITES 

A medida da proteína total, nível de glicose e lactato desidrogenase (LDH) na ascite auxiliam nessa distinção.

Em pacientes em que a contagem de neutrófilos no líquidos ascítico seja maior ou igual 250 células/mm3, em associação com dois dos próximos três critérios, a hipótese de perfuração de alça deve ser cogitada:

– Proteína total > 1 g/dL;

– Glicose < 50 mg/dL;

– LDH acima do limite superior do LDH sérico

E QUAL A IMPORTÂNCIA DOS OUTROS PARÂMETROS DO LÍQUIDO ASCÍTICO?

Com indicações específicas, outros exames devem/podem ser solicitados para contribuir e facilitar o diagnóstico diferencial.

Cultura: deve ser solicitada naqueles pacientes ascíticos que dão entrada no hospital com febre dor abdominal, piora da função renal, acidose metabólica e/ou confusão mental.

Glicose: em geral, os níveis de glicose são semelhantes à glicose sérica, a menos que a glicose esteja sendo consumida na cavidade peritoneal por leucócitos ou bactérias. Células neoplásicas malignas também consomem glicose. Portanto, situações como essas podem cursar com glicose baixa no líquido ascítico.

LDH: geralmente aumentado em situações de infecção, perfuração de alça ou tumor.

Gram: deve ser cogitado na suspeita de ascites infectadas.

Amilase: aumentada nos casos de pancreatite e perfuração de alça.

A quantidade de parâmetros que podemos solicitar no líquido ascítico é muito vasta, assim como no sangue.

Isso deve variar de acordo com a suspeita clínica para cada paciente, podendo nos fornecer dados valiosos no diagnóstico diferencial e na investigação inicial da etiologia de uma ascite desconhecida ou na piora clínica já diagnosticado com esse tipo de acometimento.

Com essa base de dados, você já saberá como prosseguir a investigação básica desse perfil de paciente.

 

 

COMPLICAÇÕES INERENTES AO PROCEDIMENTO.

– “Escape de líquido ascítico”: essa é a complicação mais comum. No entanto, é mais presente quando o exame é realizado para alívio ou fins terapêuticos. Há perda do líquido para fora dos dispositivos utilizados, quando a técnica não é a mais adequada;

– Sangramento: o sangramento proveniente de alguma artéria ou veia é algo grave, com possível óbito do paciente. Apesar do risco inerente ao procedimento ser baixo, ele é aumentado nos pacientes com doenças primárias da coagulação e também naqueles com insuficiência renal;

– Perfuração de alças: ocorre em aproximadamente 6 a cada 1000 procedimentos. Felizmente, raramente evolui para peritonite;

– Infecção: é uma complicação rara, a menos que haja perfuração de alças como causa subjacente.

FONTES 

https://www.medway.com.br/conteudos/analise-do-liquido-ascitico-e-diagnosticos-diferenciais-pelo-gasa/

https://blog.jaleko.com.br/a-paracentese-e-a-analise-do-liquido-ascitico/

https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/2049/ascite__avaliacao_diagnostica.htm