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EXAME DO LÍQUOR

A análise laboratorial do líquor permite a obtenção de informações importantes que permitirão definir diagnósticos e condutas terapêuticas. Sua análise consiste essencialmente na avaliação bioquímica, citológica e microbiológica.

1.Análise Bioquímica

1.1 Proteinorraquia

Os valores considerados normais para coleta lombar estão listados abaixo

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Principalmente em recém-nascidos prematuros ou a termo existe grande variação na literatura quanto aos valores considerados normais. Assim, para adequada interpretação do resultado do LCR, essa informação deve ser analisada junto com os outro parâmetros.

 

Trauma de coleta

A concentração de proteína do LCR pode aumentar  quando houver  trauma na coleta. Isso ocorre por causa da  maior concentração de proteínas no plasma, além de um aumento da liberação de proteínas a partir de lise de hemácias do sangue.

Em crianças com punção lombar traumática, a concentração de proteína do líquor pode ser corrigida subtraindo-se  1 mg /dL para cada 1.000 hemácias/microL.

Se coletado via ventricular, o valor normal de proteínas no líquor em crianças >28 dias é  ≤25 mg/dL.

Os níveis aumentados de proteínas podem ser causados por:

  • aumento na permeabilidade da barreira hematoencefálica;
  • diminuição da reabsorção pelos vilos aracnoides;
  • obstrução mecânica do fluxo do LCR;
  • aumento na síntese de imunoglobulina intratecal.

As principais patologias responsáveis por hiperproteinorraquia são: meningoencefalites, tumores do SNC, neuropatia periférica diabética, bloqueio espinhal por tumor de medula, hemorragia subaracnóidea e hérnia de disco.

Por outro lado, as principais patologias responsáveis por hipoproteinorraquia são: hipertensão intracraniana, leucemias, hipoproteinemia (proteína sérica inferior a 4 g/dL) e hipertireoidismo.

teste de Pandy é um teste semiquantitativo no qual o fenol reage com proteínas, principalmente as globulinas. Assim, ele é positivo quando há aumento da proteinorraquia. A contaminação do líquor com sangue pode acarretar falso-positivo.

 

1.2.  Glicose

A concentração da glicose no LCR depende da glicemia e do seu metabolismo no cérebro. Classicamente, a glicorraquia é cerca de 2/3 da glicemia. Devido aos mecanismos de passagem da glicose do plasma para o LCR, a glicorraquia, num dado momento, relaciona-se a glicemia de 4 horas antes.

Valores considerados normais de glicorraquia pela faixa etária

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Vieses no Recém-nascido

O valor da glicorraquia também é muito variável nos recém-nascidos com ou sem meningite, assim seu valor não deve ser interpretado de forma isolada. A relação entre a glicorraquia e a glicemia não é útil em recém-nascidos com doença grave (a glicose sérica pode ser aumentada após o estresse ou a administração de glicose intravenosa antes do momento da avaliação)

Nas crianças maiores de 28 dias de vida, assim como nos adultos, os valores normalmente se encontram entre 50 e 80 mg/dL, cerca de 60% dos valores plasmáticos.

 

Hiperglicorraquia

O aumento da concentração de glicose no LCR está relacionado à hiperglicemia.

 A hiperglicorraquia, por sua vez, não possui significado clínico.

 

Hipoglicorraquia

Já a hipoglicoraquia ocorre em situações onde haja aumento de consumo (glicólise) pelo SNC ou alterações nos mecanismos de passagem da glicose do soro para o LCR.

 Nas meningites agudas, por exemplo, a hipoglicorraquia observada deve-se à glicólise que ocorre pela intensa atividade das células polimorfonucleares. Alguns casos de meningocefalite viral levam a níveis baixos de glicorraquia, porém em um grau mais discreto.

Na hemorragia subaracnóidea, por outro lado, existe um transtorno na entrada de glicose do plasma para o sistema LCR.

Encontramos também como causas de hipoglicorraquia: sarcoidose, carcinomatose meníngea e hemorragia subaracnóidea.

 

 

1.3.  Lactato

Os níveis de lactato no LCR não dependem de sua concentração sanguínea. O aumento da sua concentração liquórica está relacionado ao aumento do metabolismo anaeróbio da glicose e à acidose tecidual e, atualmente, tem sido utilizado no diagnóstico diferencial entre os processos infecciosos bacterianos e virais.

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Geralmente o lactato liquórico encontra-se elevado nas meningites bacterianas e fúngicas, no infarto cerebral agudo, na hemorragia cerebral e na encefalopatia herpética. Existem, entretanto, poucos estudos em crianças e adultos que comprovem sua utilidade na prática diária.

 

1.3 Clororraquia

Os níveis liquóricos de cloreto variam de 690 a 780 mg/dl ou de 120 a 135 mmol/L (=mEq/L). As variações da taxa de cloretos do LCR estão em íntima relação com os distúrbios de osmolaridade extracelular, que podem ser causados por vômitos, sudorese e por outras perturbações do equilíbrio hidrogênico-iônico.

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São alguns exemplos de causas de:

Hiperclororraquia: meningites virais ou bacterianas, algumas doenças neurológicas e alterações renais.

Hipoclororraquia: meningite tuberculosa.

 

2. Análise Citológica

2.1 Coloração

A coloração do líquor depende do número de células presentes.

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2.2 Celularidade

A celularidade normal do LCR varia na literatura, mas os valores mais aceitos são considerados abaixo 

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Viés no acidente de punção

Quando ocorre acidente de punção, há limitação na interpretação do exame. Quando o LCR não é francamente hemorrágico, subtraímos 1 leucócito para cada 500-1.000 hemácias/microL. No entanto, nenhuma fórmula para “corrigir” a contagem de leucócitos no LCR pode ser utilizada com confiança total e excluir meningite quando o líquor é acidentado. As crianças com líquor hemorrágico alterado devem ser tratadas presumidamente para meningite bacteriana e deve-se aguardar o resultado da cultura do LCR para confirmação. Muitas vezes esquecidas, as hemoculturas podem, em até 80-90% dos casos, evidenciar a bactéria responsável pela meningite.

Nas meningites bacterianas, o clássico é o aumento de celularidade, geralmente >1.000 leucócitos/mm3 com o predomínio de células polimorfonucleares (neutrófilos). Porém, nas fases iniciais da meningite viral (12-48 horas), podemos encontrar esse achado, principalmente se houver pleocitose baixa acompanhada de proteinorraquia pouco elevada e glicorraquia normal. Nesse caso, uma recoleta de LCR após 8-24 horas pode mostrar a viragem da celularidade para predomínio linfomonocitário.

No recém nascido, 15% das meningites bacterianas ocorrem após bacteremia. Nesta faixa etária os sinais e sintomas mais comuns são: irritabilidade (60%), letargia, hipoatividade, tremores, espasmos e convulsões (20-50%). O achado de fontanela abaulada (25% e rigidez de nuca (15%) são raros no momento da apresentação inicial da meningite neonatal

Eosinofilos no LCR

Algumas patologias como neurocisticercose, esquistossomose, toxoplasmose, amebíase, coccidioidomicose, toxocaríase e equinococose podem acometer o sistema nervoso central, ocasionando aumento de eosinófilos no LCR. Outras situações que levam a hipereosinofilia no LCR são as meningites eosinofílicas idiopáticas, as hemorragias subaracnóideas e as mielografias. Três parasitas (Angiostrongylus cantonensisBaylisascaris procyonis e Gnathostoma spinigerum), que tem o homem como hospedeiro incidental, são descritos também como causa de meningite eosinofílica.

3. Análise Bacteriológica

3.1 Bacterioscopia pelo Gram

A coloração de Gram é o método de coloração utilizado para diferenciar espécies bacterianas em dois grupos: o das Gram positivas e o das Gram negativas. A coloração ou não das bactérias ocorre devido a composição e propriedades químicas e físicas das paredes celulares. Esse dado nos sugere qual bactéria pode estar ocasionando a infecção.

positividade da bacterioscopia pode variar de acordo com o agente etiológico:

  • 90% Streptococcus pneumoniae
  • 86% Haemophilus influenzae tipo B
  • 75% Neisseria meningitidis

*Quando o exame é realizado por profissionais bem treinados, a sensibilidade pode chegar a 60-90% e a especificidade próxima de 100%.

 IR PARA LIQUOR NA MENINGITE (Página que discute sobre a análise nas meningites)

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Existem outras técnicas de coloração como Ziehl-Neelsen (detecção de bacilos álcool-ácido resistentes – BAAR) que são utilizadas para bactérias que coram mal com o Gram, por exemplo a Mycobacterium tuberculosis.

As etiologias mais frequentes de meningoencefalites pela faixa etária e/ou situação clínica estão listada abaixo 

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Situações especiais:

  • Derivação ventriculoperitoneal: S. epidermidis, S. aureus, P. aeruginosa, enterobactérias e Enterococcus sp.
  • Fístula liquórica: S. pneumoniae e H. influenzae.