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Úlcera genital - Manejo

Considerações iniciais

 A ulceração é a perda completa da cobertura epidérmica com invasão para a derme subjacente. Já a erosão é a perda parcial da epiderme sem penetração da derme, distinguidas pelo exame físico.  Já as úlceras genitais infecciosas representam síndrome clínica produzida por agentes infecciosos sexualmente transmissíveis e que se manifestam como lesões ulcerativas erosivas, precedidas ou não por pústulas e/ou vesículas, acompanhadas ou não de dor, ardor, prurido, drenagem de material mucopurulento, sangramento e linfadenopatia regional. 

 

Causas

Os agentes etiológicos infecciosos mais comuns nas úlceras genitais são: 

  • T. pallidum (sífilis primária e secundária); 
  • HSV-1 e HSV-2 (herpes perioral e genital, respectivamente); 
  • H. ducreyi (cancro mole);
  •  C. trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3 (linfogranuloma venéreo); 
  • K. granulomatis (donovanose). 

 

Esses agentes podem ser encontrados isoladamente ou em associação em uma mesma lesão. A presença de úlcera genital está associada a elevado risco de transmissão e aquisição do HIV e tem sido descrita como a principal causa para a difusão do vírus nas populações de maior vulnerabilidade; portanto, o diagnóstico e tratamento imediato dessas lesões constitui uma medida de prevenção e controle da epidemia de HIV.

 

Como tratar?

Nos casos em que a úlcera genital for claramente diagnosticada como uma IST, o paciente deve ser assistido adequadamente, segundo o fluxograma para o manejo de úlcera genital. 

Considerando a importância para a saúde pública, em caso de dúvida sobre a hipótese diagnóstica e na ausência de laboratório, o tratamento da úlcera genital como IST deve ser privilegiado

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Fluxograma. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral Às pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) — Ministério da Saúde, Brasília — DF — 2020.

 

Sifilis

Primária

  • Também conhecida como “cancro duro”, ocorre após o contato sexual com o indivíduo infectado.
  • Período de incubação: 10 a 90 dias (média de três semanas).

Úlcera, geralmente única, que ocorre no local de entrada da bactéria (pênis, vagina, boca, ânus), indolor, com base endurecida e fundo limpo. O estágio de úlcera pode durar de 2 a 6 semanas, desaparecendo espontaneamente, independente do tratamento.

 

Secundária

  • Surge entre 3 semanas e 6 meses após a infecção.
  • Os sintomas podem desaparecer em poucas semanas espontaneamente.
  • Erupções cutâneas em forma de máculas e/ou pápulas;
  • Eritema palmo-plantar;
  • Placas eritematosas branco-acinzentadas nas mucosas;
  • Lesões pápulo hipertróficas nas mucosas (condiloma plano);
  • Alopécia e madarose

 

Herpes genital

  • Em geral, o tipo HSV 1 tem predomínio por lesões periorais e HSV 2 nas lesões genitais.
  • Muitas pessoas que adquirem a infecção por HSV nunca desenvolverão manifestações.
  • As manifestações podem ser divididas em primoinfecção herpética e surtos recidivantes.

Primoinfecção: lesões eritemo-papulosas de um a três milímetros de diâmetro, que evoluem para vesículas sobre base eritematosa e dolorosas com conteúdo citrino.

  • Em geral, a primoinfecção vem acompanha de febre, mal-estar, mialgia e disúria.
  • Linfadenomegalia dolorosa está presente em cerca de 50% dos casos.
  • Após a infecção genital, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos das células dos gânglios sensitivos e entra em um estado de latência.

Após a infecção genital primária pelo HSV, cerca de 60% dos pacientes desenvolvem novos episódios nos primeiros 12 meses, por reativação viral. O estágio de úlcera pode durar de 2 a 6 semanas, desaparecendo espontaneamente, independente do tratamento.

Recorrência: tende a ser na mesma localização da infecção inicial; vesículas agrupadas sobre base eritematosa que evoluem para úlceras arredondadas. O quadro clínico das recorrências é menos intenso e pode ser precedido por sensação de queimação e mialgias.

OBS: devido ao risco de complicações obstétricas associado à infecção pelo HSV, as gestantes infectadas devem ser submetidas ao parto cesáreo.

 

Cancroide

  • Cancro mole, cancro venéreo ou cancro de Ducrey
  • Transmissão exclusivamente sexual pelo Haemophilus ducreyi.
  • Período de incubação: 3 a 5 dias

Lesões múltiplas, dolorosas, com bordas irregulares com contornos eritema-edematosos e fundo irregular, recoberto por exsudato necrótico, amarelado, com odor fétido.

  • Localizações mais comuns:
  • Homens: frênulo e sulco bálano-prepucial
  • Mulheres: face interna dos pequenos e grandes lábios
  • No início, ocorre tumefação sólida e dolorosa, evoluindo para liquefação e fistulização em 50% dos casos, tipicamente por orifício único.

 

Linfogranuloma venéreo (LGV)

  • Causado por Chlamydia trachomatis, sorotipos L1, L2 e L3
  • Manifestação mais comum: linfadenopatia inguinal e/ou femoral
  • Surtos relacionados ao HIV

A evolução da infecção ocorre em 3 fases: inoculação, disseminação linfática e sequelas.

  • Fase de inoculação: inicia-se por pápula, pústula ou exulceração indolor, que desaparece sem deixar sequela. Muitas vezes, não é notada pelo paciente e localiza-se no homem, no sulco coronal, frênulo e prepúcio; na mulher, na parede vaginal posterior, colo uterino, fúrcula e outras partes da genitália externa;
  • Fase de disseminação linfática regional: no homem, a linfadenopatia inguinal desenvolve-se entre uma a seis semanas após a lesão inicial, sendo geralmente unilateral (em 70% dos casos) e constituindo-se o principal motivo da consulta. Na mulher, a localização da adenopatia depende do local da lesão de inoculação;
  • Fase de sequelas: o comprometimento ganglionar evolui com supuração e fistulização por orifícios múltiplos, que correspondem a linfonodos individualizados, parcialmente, fundidos numa grande massa. A lesão da região anal pode levar a proctite e proctocolite hemorrágica. O contato orogenital pode causar glossite ulcerativa difusa, com linfadenopatia regional. Podem ocorrer sintomas gerais, como febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, artralgia, sudorese noturna e meningismo. A obstrução linfática crônica leva à elefantíase genital, que na mulher é denominada estiomene. Além disso, podem ocorrer fístulas retais, vaginais, vesicais e estenose retal.

 

Donovanose

  • IST crônica progressiva, causada pela bactéria K. granulomatis. *
  • Acomete preferencialmente pele e mucosas das regiões genitais, perianais e inguinais.

Ulceração de borda plana ou hipertrófica, bem delimitada, com fundo granuloso, de aspecto vermelho vivo e de sangramento fácil que evolui lenta e progressivamente, podendo tornar-se vegetante ou úlcero-vegetante. As lesões costumam ser múltiplas, sendo frequente a configuração em “espelho”, em bordas cutâneas e/ou mucosas

  • Há predileção pelas regiões de dobras e região perianal.
  • A localização extragenital é rara e, quase sempre, ocorre a partir de lesões genitais ou perigenitais primárias.

Tratamento específico

Sífilis

A Penicilina Benzatina é a medicação de escolha para o tratamento da sífilis, especialmente nas gestantes, pois é o único antibiótico que comprovadamente evita a transmissão vertical.  Na sífilis primária, secundária e latente recente o tratamento é com Penicilina Benzatina, 2,4 milhões UI, intramuscular, em dose única. 

Na sífilis latente tardia, latente de duração indeterminada e terciária devemos usar a Penicilina Benzatina, 2,4 milhões UI, intramuscular, semanal, por três semanas. 

Como é uma infecção sexualmente transmissível, as parcerias sexuais devem ser avaliadas e tratadas. Também devemos rastrear outras infecções para que o tratamento seja prescrito, se necessário.

O acompanhamento do tratamento é muito importante para mostrar a remissão da infecção e ele é feito com o VDRL, teste não treponêmico, mensalmente nas gestantes para evitar a transmissão vertical e a cada três meses em pacientes não gestantes. 

 

Cancro mole

O tratamento deve ser feito com Azitromicina 1 g via oral em dose única, como primeira opção. Sempre devemos pesquisar outras infecções sexualmente transmissíveis e tratar as parcerias sexuais, mesmo que assintomáticas.

Cancroide:

  Azitromicina: 1 g (1000 mg), dose única, via oral.

  Ceftriaxona: 250 mg, dose única, via intramuscular (IM).

  Ciprofloxacino: 500 mg, 2 vezes ao dia, via oral, por 3 dias.

  Eritromicina: 500 mg, 3 vezes ao dia, via oral, por 7 dias.

 

Herpes genital

Para a primoinfecção vamos ser mais agressivos e utilizar o aciclovir oral 400 mg 3x/dia por 7 – 10 dias. Para as recorrências, podemos manter essa posologia por 5 dias. Pacientes com mais de seis episódios no ano devem realizar o tratamento supressivo, com aciclovir 400 mg duas vezes por dia por até 6 meses, podendo ser prolongado por até 2 anos. 

Entendido. Sendo médico, você sabe da importância de ter informações precisas e baseadas em evidências para a prática clínica. No contexto das úlceras genitais de origem DST (Doença Sexualmente Transmissível), o tratamento é sempre guiado pelo agente etiológico específico.

As diretrizes de tratamento para DSTs são publicadas por órgãos de saúde reconhecidos, como o Ministério da Saúde do Brasil, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA e a Organização Mundial da Saúde (OMS). É fundamental consultar as diretrizes mais recentes, pois elas podem ser atualizadas periodicamente com base em novas pesquisas e padrões de resistência.

A seguir, apresento um resumo dos esquemas de tratamento com doses recomendadas, conforme as diretrizes atuais para as principais causas de úlceras genitais de origem DST.

 

Esquemas de Tratamento para Úlceras Genitais de Origem DST

Herpes Genital  - Causa: Vírus Herpes Simplex - HSV 1 ou 2

  • Episódio Primário (Primeira Infecção):O tratamento deve ser iniciado idealmente nas primeiras 72 horas do início dos sintomas.
    • Aciclovir: 400 mg, 3 vezes ao dia, por 7 a 10 dias.
    • Valaciclovir: 1000 mg, 2 vezes ao dia, por 7 a 10 dias.
    • Fanciclovir: 250 mg, 3 vezes ao dia, por 7 a 10 dias. (

 

  • Episódios Recorrentes:
    • Aciclovir: 400 mg, 3 vezes ao dia, por 5 dias OU 800 mg, 2 vezes ao dia, por 5 dias OU 800 mg, 3 vezes ao dia, por 2 dias.
    • Valaciclovir: 500 mg, 2 vezes ao dia, por 3 dias OU 1000 mg, uma vez ao dia, por 5 dias.
    • Fanciclovir: 1000 mg, 2 vezes ao dia, por 1 dia OU 500 mg, 2 vezes ao dia, por 3 dias. (Iniciar ao primeiro sinal de recorrência - pródromo ou lesão).

 

  • Terapia Supressora Crônica (para recorrências frequentes):
    • Aciclovir: 400 mg, 2 vezes ao dia.
    • Valaciclovir: 500 mg, uma vez ao dia (para menos de 9 surtos/ano) ou 1000 mg, uma vez ao dia (para 9 ou mais surtos/ano).
    • Fanciclovir: 250 mg, 2 vezes ao dia.

 

Linfogranuloma venéreo

O tratamento deve ser feito com Doxiciclina, 100 mg via oral, duas vezes ao dia, por 21 dias. Todas as parcerias sexuais devem ser tratadas e outras infecções sexualmente transmissíveis devem ser rastreadas. 

  Doxiciclina: 100 mg, 2 vezes ao dia, via oral, por 21 dias.

  Alternativa: Eritromicina: 500 mg, 4 vezes ao dia, via oral, por 21 dias.

Drenagem de bubões por aspiração com agulha pode ser necessária, mas não incisão e drenagem, pois retarda a cicatrização.

 

Donovanose

O tratamento deve ser prolongado, a primeira linha é com azitromicina 1 g uma vez por semana por 3 semanas ou até a cicatrização das lesões. Um detalhe importante e interessante é que as parcerias sexuais assintomáticas não precisam ser tratadas devido baixo potencial de infectividade. 

Doxiciclina  100 mg, 1 comprimido, VO, 2xdia, por pelo menos 21 dias ou até o desaparecimento completo das lesões

  Azitromicina: 1 g (1000 mg), dose única semanal, via oral, OU 500 mg, uma vez ao dia, via oral, até a cicatrização completa das lesões (geralmente por 3 a 4 semanas, mas pode ser mais longa).

  Alternativas:

  • Doxiciclina: 100 mg, 2 vezes ao dia, via oral, até a cicatrização.
  • Sulfametoxazol-Trimetoprim (SMZ-TMP): 160/800 mg (1 comprimido), 2 vezes ao dia, via oral, até a cicatrização.
  • Ciprofloxacino: 750 mg, 2 vezes ao dia, via oral, até a cicatrização.
  • Eritromicina: 500 mg, 4 vezes ao dia, via oral, até a cicatrização.