O que é puberdade precoce e como deve ser feita a investigação?
Considerações iniciais
Puberdade precoce é o início do desenvolvimento de características sexuais secundárias antes da idade esperada. O diagnóstico é feito pelo exame físico através do estadiamento puberal (estágios de Tanner). Os pontos de corte utilizados são:
– surgimento de broto mamário (telarca) ou pelos pubianos (pubarca) antes dos 8 anos; ou
– sangramento menstrual (menarca) antes de 9 anos de idade.
– aumento do volume testicular (≥ 4 ml de volume ou ≥ 2,5 cm no maior diâmetro); ou
– pelos pubianos (pubarca) antes dos 9 anos.
Quadro 1 – Estágios de Tanner (estágios de maturação sexual)
O aumento da velocidade de crescimento (revisar medidas prévias, atentar para “cruzamento de percentis” para cima) e progressão dos caracteres sexuais secundários são outras manifestações dessa condição de saúde. Além disso, o acompanhamento dos pacientes é fundamental, documentando a progressão da puberdade (mudança dos estágios de Tanner) e crescimento pondero-estatural a cada 3 a 6 meses, uma vez que parte dos pacientes apresentará puberdade de progressão lenta ou até mesmo a não progressão do quadro.
Exames
A investigação da puberdade precoce tem como objetivo inicial diferenciar a puberdade precoce dependente das gonadotrofinas (central – com aumento de LH e FSH) da puberdade precoce independente das gonadotrofinas (periférica – sem aumento de LH e FSH). Portanto, os pacientes com evidência clínica de puberdade precoce, conforme os critérios acima especificados, devem realizar os seguintes exames iniciais:
- LH, FSH, estradiol (meninas), testosterona total (meninos);
- Raio-X de idade óssea de mão e punho;
- Ultrassonografia pélvica com doppler de artérias uterinas (meninas). Esse exame deve aferir o diâmetro uterino, volume uterino, relação colo uterino/corpo e volume ovariano.
Pacientes com puberdade precoce têm indicação de encaminhamento para endocrinologia pediátrica.
Um dos diagnósticos diferenciais mais comuns da puberdade precoce é a pubarca precoce isolada (também chamada de adrenarca precoce), definida pelo surgimento de pelos pubianos e odor androgênico, porém sem telarca, crescimento testicular ou aumento da idade óssea. Apesar de ser uma condição benigna, o encaminhamento para endocrinologia pediátrica também está indicado, pois uma parcela desses pacientes pode progredir para puberdade precoce.
Puberdade precoce dependente de GnRH
Na maioria das meninas afetadas, não é possível identificar uma causa específica. Na ausência de sintomas ou sinais específicos de doença do sistema nervoso central, a probabilidade de uma anomalia intracraniana depende da idade mais precoce do início da puberdade (< 6 anos nas meninas) e do sexo da criança (mais comum entre meninos).
De maneira geral, os meninos afetados são mais propensos a ter patologia craniana identificável do que as meninas (13% versus 2% em um estudo com 205 crianças). Essas lesões incluem tumores intracranianos, especialmente na região do hipotálamo ou da glândula pineal, incluindo harmatomas, gliomas, germinomas e adenomas.
A neurofibromatose e algumas outras doenças raras também podem estar relacionadas à puberdade precoce.
A puberdade precoce dependente de GnRH também pode ser decorrente de causas iatrogênicas (p. ex., cirurgia, radioterapia ou quimioterapia para tratamento de câncer).
História familiar de puberdade precoce dependente da GnRH é outro fator de risco. Identificaram-se mutações em vários genes até o momento, mas os testes ainda são incipientes.
Puberdade precoce independente de GnRH
A etiologia da puberdade precoce independente de GnRH está sujeita ao efeito do hormônio sexual predominante (estrogênico ou androgênico), e as alterações físicas são muitas vezes acentuadamente discordantes do desenvolvimento puberal normal.
Efeitos estrogênicos são mais comumente causados por cistos ovarianos foliculares; outras causas incluem tumores de células da granulosa-teca e síndrome de McCune-Albright (uma tríade de cistos foliculares, displasia fibrosa poliostótica e manchas café-com-leite).
Defeitos enzimáticos suprarrenais, especificamente a hiperplasia suprarrenal congênita, são a forma patológica mais comum do excesso de androgênios em crianças de ambos os sexos.
Nos meninos, as causas adicionais da puberdade precoce independente de GnRH incluem precocidade familial no sexo masculino independente das gonadotropinas [devido a uma mutação genética dos receptores do hormônio luteinizante (LH)], tumores testiculares produtores de testosterona, raramente produção de gonadotropina coriônica beta-humana (beta-hCG) resultante de certos tumores (por causa da ativação dos receptores de LH nos testículos) e, ocasionalmente, síndrome de McCune-Albright.
Diagnóstico
Diagnóstico da puberdade precoce
Radiografias para idade óssea
Níveis dos hormônios séricos
Possibilidade de ultrassonografia pélvica e RM cerebral
O diagnóstico da puberdade precoce é clínico. Radiografias da mão e do punho esquerdos avaliam a maturação óssea e analisam sua aceleração do crescimento como resultado da atuação dos hormônios sexuais. Se a história e o exame não sugerirem qualquer anormalidade, novas avaliações não serão necessárias para aquelas crianças cujos marcos puberais diferirem de 1 ano dos padrões populacionais.
Meninos e meninas com adrenarca precoce isolada e meninas com telarca precoce, sem idade óssea acelerada, também podem dispensar avaliações adicionais.
Quando é necessária avaliação mais profunda, exames de sangue deve ser feitos de acordo com as características presentes. Para pacientes com efeitos principalmente androgênicos, os testes iniciais mais úteis são medições da testosterona total, sulfato de desidroepiandrosterona, 17-hidroxiprogesterona e hormônio luteinizante (LH);
todos devem ser medidos utilizando ensaios de alta sensibilidade projetados para pacientes pediátricos e de preferência pela manhã. A medida dos níveis matinais de LH é o melhor teste bioquímico inicial para o diagnóstico da puberdade precoce dependente de GnRH, com valores > 0,2 a 0,3 mUI/L (> 0,2 a 0,3 unidades/L) considerados puberal, dependendo do ensaio.
Para pacientes somente com efeitos estrogênicos, as triagens mais úteis para meninas incluem LH e estradiol; para meninos, LH, beta-gonadotropina coriônica humana e estradiol. A utilidade dos níveis de hormônio foliculoestimulante (FSH) é mais limitada em diferenciar crianças com puberdade precoce dependente de GnRH de variantes não progressivas.
Ultrassonografia pélvica e suprarrenal pode ser útil se qualquer um dos níveis de esteroides estiver elevados. RM do cérebro pode ser feita para descartar anomalias intracranianas em mulheres < 6 anos de idade, em homens com puberdade precoce dependente de GnRH ou em qualquer criança com puberdade precoce dependente de GnRH que tenha sintomas centrais (p. ex., cefaleias, alterações visuais).
Pode-se considerar um teste de estimulação de GnRH para confirmar a puberdade precoce dependente de GnRH, quando os testes iniciais são inconclusivos no contexto da puberdade clinicamente progressiva.
Anteriormente, utilizava-se um teste de estimulação de 1 hora com o agonista gonadorelina do GnRH, mas, como a gonadorelina não mais está disponível, outros agonistas do GnRH, como a leuprolida, são utilizados.
Testes de estimulação do GnRH podem ser feitos porque um agonista do GnRH tem um esforço estimulatório inicial com gonadotrofinas. Administra-se acetato de leuprolida por via subcutânea e medem-se os níveis de LH, FSH, testosterona (somente em meninos) e estradiol (somente em meninas) em 0, 1 e 2 horas. Depois de 24 horas da administração da leuprolida, o estradiol pode ser medido para melhorar a sensibilidade do teste (considerado puberal se > 50 pg/mL [> 184 pmol/L]).
Na puberdade precoce dependente de GnRH, as respostas da gonadotropina são púberes, com níveis estimulados de LH > 5,00 mUI/L (> 5 unidades/L) em resposta à leuprolida. Na puberdade precoce independente de GnRH, as respostas da gonadotropinas à leuprolida são pré-púberes.
Exame genético pode ser considerado em casos familiares de puberdade precoce dependente de GnRH, mas isso ainda é controverso.
Na avaliação de uma criança com adrenarca precoce, sem sinais de virilização e sinais de alerta listados acima, não há necessidade de solicitar exames imediatamente, recomendando- -se acompanhamento clínico. Caso haja aumento da velocidade de crescimento, uma radiografia de mão e punho esquerdo para avaliar a maturação óssea pode ser solicitada para acompanhamento de avanço da idade óssea. Nas crianças menores de seis anos de idade, ou com virilização e evolução rapidamente progressiva, os androgênios séricos devem ser dosados, principalmente Sulfato de DHEA, principal marcador de tumor de córtex da suprarrenal, além de testosterona, 17-alfa-OH-progesterona e androstenediona. Caso ocorra telarca nas meninas ou aumento bilateral dos testículos nos meninos, deve-se pensar em puberdade precoce e solicitar dosagem de LH, FSH e esteroides sexuais (estradiol nas meninas e testosterona total nos meninos)9.
Fontes
https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/puberdade-precoce/https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/dist%C3%BArbios-end%C3%B3crinos-em-crian%C3%A7as/puberdade-precoce#Diagn%C3%B3stico_v29302071_pt