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Tratamento da Trombocitose Essencial (TE)

Considerações iniciais

As plaquetas  são partículas sanguíneas semelhantes a células que ajudam o organismo na formação de coágulos de sangue. As plaquetas são normalmente produzidas na medula óssea por células denominadas megacariócitos. Na trombocitemia, os megacariócitos aumentam em número e produzem plaquetas demais. A trombocitemia pode ser

Primária (essencial): causada por um distúrbio de células formadoras de plaquetas

Secundária: causada por um distúrbio que desencadeia o aumento de produção por células formadoras de plaquetas normais.

A trombocitemia essencial geralmente ocorre em pessoas com mais de 50 anos de idade. Às vezes, pacientes mais jovens, sobretudo mulheres jovens, são afetados.

A trombocitemia essencial é considerada uma neoplasia mieloproliferativa, na qual algumas células produtoras de sangue na medula óssea se reproduzem de maneira excessiva. A causa é uma mutação genética que geralmente ocorre nos genes da Janus quinase 2 (JAK2), da calreticulina (CALR) ou do receptor da trombopoietina (MPL). A mutação mais comum é a do gene JAK2 que causa aumento da atividade da enzima JAK2, uma proteína que causa produção de células em excesso.

 

1. Objetivos do tratamento

  • Reduzir risco de trombose (principal causa de morbidade/mortalidade)
  • Controlar sintomas (cefaleia, eritromelalgia, distúrbios visuais)
  • Evitar evolução para mielofibrose / LMA (não é o foco principal)

 

2. Classificação de risco

A conduta depende do risco trombótico:

Baixo risco

  • Idade < 60 anos
  • Sem história de trombose
  • Sem fator JAK2 positivo OU com JAK2, mas plaquetas <1.000.000/mm³ e sem sintomas.

 

Alto risco

  • ≥ 60 anos
  • Ou trombose prévia
  • Ou presença de JAK2 V617F (risco aumentado)
  • Ou plaquetas muito elevadas (> 1.500.000/mm³) → risco de vWF adquirido e sangramento
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3. Tratamento conforme risco

🟢 BAIXO RISCO

a) AAS

AAS 75–100 mg/dia

Indicado se o paciente tem mutação JAK2 ou sintomas microvasculares.

Não usar AAS se: plaquetas >1.000.000–1.500.000/mm³, pelo risco de Doença de von Willebrand adquirida.

 

b) Sem citorredução rotineira

Exceções onde pode-se considerar citorredução mesmo em baixo risco:

  • Eritromelalgia severa
  • Plaquetas muito altas (risco de vWF adquirido)
  • Sangramento
  • Paciente que recusa risco pleno trombótico

 

🔴 ALTO RISCO

a) Citorredução obrigatória

Opções:

a.1) Hidroxiureia (primeira linha)

Droga padrão (maior evidência, segura e barata)

Meta: normalizar plaquetas < 450–600k

a.2) Interferon alfa peguilado (PEG-IFN)

Indicações:

  • Jovens <40 anos
  • Gestantes (única droga segura)
  • Intolerância/contraindicação à hidroxiureia
  • Desejo de fertilidade

a.3) Anagrelida

É um agente antitrombocítico ou inibidor da maturação plaquetária, inibidor de fosfodiesterase que interfere diretamente na maturação megacariocítica. Indicado para reduzir a contagem de plaquetas e diminuir o risco de eventos trombo-hemorrágicos em pacientes com trombocitemia essencial decorrente de neoplasias mieloproliferativas, especialmente como terapia de segunda linha, quando hidroxiureia e IFN não podem ser usados.  A anagrelida inibe a maturação das plaquetas a partir dos megacariócitos na medula óssea.  Maior risco de fibrose e eventos cardíacos → NÃO é primeira linha

 

b) AAS

AAS 75–100 mg/dia para todos, exceto se houver disfunção do vWF.

 4. Trombocitose extrema (plaquetas > 1.500.000/mm³)

  • Risco de Síndrome de von Willebrand adquirida → pode sangrar.

Conduta:

Testar atividade do vWF (RCo)

  • Se ↓ vWF → NÃO usar AAS
  • Iniciar citorredução imediata (geralmente hidroxiureia)

 

5. Gestação

Interferon-alfa (único seguro)

AAS em dose baixa se vWF normal

Heparina profilática no pós-parto, dependendo do risco

 

6. Situações especiais

Trombose arterial/venosa aguda → tratar trombose + controlar plaquetas com hidroxiureia urgente

Eritromelalgia → responde muito bem a AAS

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Figura ilustrativa de casos de Eritromelagia

 

Doses de HIDROXIUREIA (HU) para tratamento da Trombocitose Essencial (TE)

1. Dose inicial

Para adultos:

Hidroxiureia: 15–20 mg/kg/dia

Tomada VO, 1 vez ao dia.

Regra prática (baseada no peso):

Peso                                             Dose inicial usual

50–60 kg                                     500 mg/dia

60–75 kg                                     1.000 mg/dia

75–90 kg                                     1.000–1.500 mg/dia

>90 kg                                          1.500 mg/dia

 

2. Ajuste da dose

Ajustar a cada 2–4 semanas de acordo com:

  • Contagem de plaquetas
  •  Leucócitos
  • Hemoglobina

Meta terapêutica

Plaquetas entre 400.000–600.000/mm³

(Alguns centros usam <450.000)

Ajuste típico

Aumentar 500 mg/dia se plaquetas continuam muito elevadas

Reduzir 500 mg/dia se neutrófilos < 2.000/mm³ ou anemia importante

 

3. Dose máxima

HU até 2.000–2.500 mg/dia

(Alguns pacientes toleram até 3.000 mg/dia, mas isso é exceção)

 

4. Quando reduzir ou suspender

Suspender temporariamente se:

  • Neutrófilos < 1.500/mm³
  • Plaquetas < 150.000/mm³
  • Hemoglobina cai significativamente

Cuidado: Toxicidade cutânea ou úlceras

Após recuperação hematológica, reiniciar com dose 25–50% menor.

 

5. Tempo para resposta

Normalização das plaquetas: 4–12 semanas

Se após 3 meses na dose máxima não houver resposta → considerar:

  • Interferon alfa peguilado
  • Anagrelida (2ª linha)
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Doses da ANAGRELIDA para tratamento da Trombocitose Essencial (TE).

1. Dose inicial

Anagrelida: 0,5 mg VO 2x/dia. Nome comercial Agrylin® 

(ou 1 mg/dia total, divididos)

Alguns serviços iniciam 0,5 mg 1x/dia em pacientes idosos, cardiopatas ou com baixo peso.

 

2. Ajuste da dose

Ajustar a dose a cada 7 dias, no máximo:

Aumentar 0,5 mg por dia por semana, conforme resposta.

Exemplo:

Semana 1: 0,5 mg 2x/dia

Semana 2: 1 mg manhã + 0,5 mg noite (1,5 mg/dia)

Semana 3: 1 mg 2x/dia (2 mg/dia)

E assim por diante

 

3. Dose terapêutica usual

A maioria dos pacientes responde com:

1,5–2,5 mg/dia (divididos em 2–3 tomadas)

 

4. Dose máxima

Máximo permitido: 10 mg/dia

Máximo por tomada: 2,5 mg

Valores acima disto aumentam muito risco cardiovascular.

 

⚠️ 5. Cuidados importantes

Anagrelida tem efeitos cardiotóxicos potenciais:

  • Taquicardia
  • Arritmia
  • Palpitações
  • Retenção hídrica
  • Insuficiência cardíaca (raro, mas descrito)

Por isso:

ECG antes de iniciar + cuidado em:

  • Idosos
  • Insuficiência cardíaca
  • Doença coronariana
  • Hipertensão não controlada

 

 6. Metas terapêuticas

Mesmas da Hidroxiureia:

  • Plaquetas entre 400.000–600.000/mm³
  • Evitar plaquetas <150.000

 

7. Tempo para resposta

  • Redução significativa de plaquetas: 7–14 dias
  • Resposta plena: 4–6 semanas
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CUIDADOS: Síndrome de von Willebrand

A síndrome de von Willebrand adquirida (SvW adquirida) é uma coagulopatia rara, não hereditária, causada por doenças que consumem, destroem ou inibem o fator von Willebrand (vWF). É importante porque aparece em pacientes adultos sem história familiar de sangramento, sendo  um distúrbio hemorrágico em que ocorre redução funcional ou quantitativa do vWF, porém causada por outra doença subjacente. Não é genética e não existe história familiar.

🩸 DOENÇAS ASSOCIADAS

As mais comuns:

✔️ Doenças mieloproliferativas

Trombocitose essencial (principal causa)

Policitemia vera

Macroglobulinemia de Waldenström

Mieloma múltiplo

✔️ Doenças cardíacas

Estenose aórtica grave

Dispositivos mecânicos (bomba ventricular, ECMO)

✔️ Doenças autoimunes

Hipotireoidismo

Lupus

Síndrome antifosfolípide

✔️ Neoplasias

Linfomas

Leucemias

✔️ Medicamentos (raro)

Hidroxiureia

Ciprofloxacino

Valproato

🔎 QUADRO CLÍNICO

Semelhante à doença de von Willebrand hereditária:

  • Equimoses fáceis
  • Epistaxe
  • Sangramento gengival
  • Menorragia
  • Sangramento pós-cirúrgico
  • Hematomas
  • Diferencial importante: Surge na vida adulta e não tem história familiar.

 ⭐ DIAGNÓSTICO — PASSO A PASSO

O diagnóstico é bioquímico e confirmatório. Envolve 4 pilares:

1) Exames básicos de rastreio

✔️ TAP (INR) → normal

✔️ TTPApode estar prolongado

✔️ Plaquetas → No caso da trombocitose essencial -  muito altas. Plaquetas >1.000.000 podem sugerir TE com SvW adquirida

2) Dosagem quantitativa do vWF

vWF:Ag (antígeno von Willebrand) → reduzido (geralmente 10–50%)

3) Dosagem funcional do vWF

Este é essencial: → vWF:RCo (atividade cofator ristocetina)

Baixo, geralmente desproporcional ao antígeno.→ Relação vWF:RCo / vWF:Ag < 0,7

Altamente sugestivo de SvW ou déficit funcional

4) Multímeros de vWF

Confirmatório: ✔️ Perda dos multímeros de alto peso molecular

→ Achado típico da SvW adquirida

→ É o mesmo padrão da SvW tipo 2A

Outros exames úteis

Fator VIII: reduzido

Pesquisa de autoanticorpos anti-vWF

Ensaios de ligação plaquetária

Eletroforese para paraproteínas (caso suspeita de gamopatia monoclonal)

🔎 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

A SvW adquirida é diagnosticada quando há:

✔️Distúrbio hemorrágico recente em adulto, sem história familiar

✔️Doença sistêmica potencialmente causadora

✔️Exames compatíveis

  • vWF:Ag baixo
  • vWF:RCo baixo
  • Relação RCo/Ag <0,7
  • Multímeros ausentes ou reduzidos
  • Resposta ao tratamento da doença de base.

Plasmaférese

NÃO é tratamento de rotina para Trombocitose Essencial (TE) — mesmo quando as plaquetas estão muito altas.

Ela só é indicada em situações extremamente específicas.

QUANDO a plasmaférese é indicada na TE

Apenas em casos raríssimos, quando há:

🔥 Trombocitose extrema (> 1,5 a 2 milhões/mm³) + eventos trombóticos ou hemorrágicos graves

Exemplos:

  • AIT ou AVC em curso com plaquetas muito altas
  • Trombose arterial grave com risco iminente
  • Hemorragia grave por síndrome de von Willebrand adquirida (quando plaquetas estão >1.5–2 milhões)
  • Emergências pré-cirúrgicas em que é necessário queda rápida de plaquetas

Nessas situações, a plasmaférese serve apenas como ponte até a ação da hidroxiureia ou anagrelida.

 

QUANDO NÃO fazer plasmaférese

Não se recomenda plasmaférese quando:

  • Paciente está estável
  • Plaquetas abaixo de 1.500.000
  • Não há hemorragia grave
  • Não há evento trombótico maior em evolução
  • Não há síndrome de von Willebrand adquirida grave

 

🎯 Por quê?

Porque a plasmaférese reduz as plaquetas apenas temporariamente (24–48h). A hidroxiureia e a anagrelida são os tratamentos definitivos.

Fontes

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