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Trauma com suspeita de lesão medular aguda.

Considerações iniciais

A seguir está o manejo clínico correto, em etapas, como é padronizado em protocolos de trauma (ATLS, EAST, AANS/CNS):

1. ABCDE IMEDIATO (ATLS)

Antes de pensar em medula, é obrigatório estabilizar o paciente:

A – Via aérea com proteção cervical

Colocar colar cervical rígido imediatamente.

Evitar movimentos do pescoço.

Se rebaixamento de consciência → intubação com sequência rápida + proteção cervical.

B – Respiração

Avaliar saturação, expansibilidade, sons respiratórios.

Lesões cervicais altas (C3–C5) podem comprometer diafragma → risco de insuficiência respiratória.

C – Circulação

Acesso venoso calibroso.

Reposição volêmica conforme necessidade.

Procurar sangramentos externos/instabilidade hemodinâmica.

D – Avaliação neurológica rápida

Escala de Glasgow.

Exame neurológico inicial (sensibilidade, força, reflexos, nível sensorial).

E – Exposição

Procurar outras lesões graves.

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2. SUPONHA SEMPRE LESÃO MEDULAR ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO

Se o paciente não move e não sente as pernas → trauma raquimedular até prova contrária.

Condutas imediatas:

Imobilização total da coluna (colchão rígido, colar, rolos laterais).

Não sentar, não rodar, não elevar.

 

3. EXAMES DE IMAGEM (DEFINEM O NÍVEL DE LESÃO)

a) PRIMEIRO EXAME:

TC da coluna inteira (cérvico–torácica–lombar) — é o exame obrigatório e inicial.

b) Se déficit neurológico presente:

RM urgente da coluna → mostra:

  • compressão medular,
  • hematoma epidural,
  • fragmentos ósseos,
  • herniação discal traumática.

 

4. CONDUTA ESPECÍFICA PARA SUSPEITA DE LESÃO MEDULAR

a) Controle hemodinâmico

Manter PAM ≥ 85–90 mmHg (por 5–7 dias).

Isso reduz a extensão da lesão secundária da medula.

b) Corticoide?

NÃO se usa mais metilprednisolona rotineiramente (nível de evidência fraco + aumento de complicações).

c) Avaliação neurocirúrgica imediata

Indicações de cirurgia:

  • compressão medular na RM,
  • fratura-instabilidade,
  • desalinhamento vertebral,
  • hematoma epidural.

d) Cuidados específicos

Cateter vesical (com cuidado para evitar autonômica).

Profilaxia de TVP.

Suporte respiratório (lesões cervicais podem levar a apneia).

 

5. PROGNÓSTICO

Ausência de sensibilidade e força nos membros inferiores após trauma → preocupação com lesão medular completa (ASIA A).

Mas apenas a RM confirma se é: compressão reversível ou secção medular irreversível.

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Classificação ASIA (American Spinal Injury Association)

É o padrão internacional para avaliar lesão medular. Ela define o nível neurológico, a gravidade e o prognóstico.

A classificação tem 5 categorias principais: ASIA A, B, C, D e E.

ASIA – Escala de Gravidade (AIS)

ASIA A — Lesão Completa

Sem função motora nem sensorial abaixo do nível da lesão.

Inclui a ausência em S4–S5 (área perianal).

Prognóstico pior.

 ASIA B — Lesão Incompleta (sensibilidade preservada)

Sensibilidade presente, inclusive em S4–S5.

Nenhuma função motora abaixo do nível da lesão.

Melhor prognóstico que ASIA A.

 ASIA C — Lesão Incompleta (motora fraca)

Função motora presente abaixo do nível da lesão.

Mais de 50% dos músculos-chave têm força < 3 (movimento não vence a gravidade).

 ASIA D — Lesão Incompleta (motora mais preservada)

Função motora abaixo do nível da lesão.

Pelo menos 50% dos músculos-chave têm força ≥ 3 (consegue vencer a gravidade).

 ASIA E — Normal

Força e sensibilidade normais, apesar de ter sofrido trauma.

Usado quando houve lesão transitória.

 

🧭 Como realizar a avaliação ASIA

Ela envolve três etapas:

1. Exame sensorial

Testar: Toque leve/ Ponta agulhada

Em 28 dermátomos de cada lado.

2. Exame motor

Avaliação de músculos-chave (10 de cada lado):

C5: bíceps

C6: extensores do punho

C7: tríceps

C8: flexores dos dedos

T1: interósseos

L2: flexores do quadril

L3: extensores do joelho

L4: dorsiflexão

L5: extensores do hálux

S1: flexão plantar

Força é graduada de 0 a 5.

 

3. Avaliação sacral (ESSENCIAL)

Define se a lesão é completa ou incompleta:

Sensibilidade perianal (S4–S5)

Contração anal voluntária

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Sequência de avaliação

⏱️ 1. TC de coluna

NAS PRIMEIRAS 30 MIN

Quando há qualquer déficit neurológico, a TC de coluna cervical/torácica/lombar deve ser feita imediatamente, preferencialmente ainda na sala de trauma.

⏱️ 2. RM da coluna

IDEALMENTE EM ATÉ 1–2 HORAS

Urgente, prioridade máxima.

Justificativa: a RM identifica compressão medular potencialmente reversível (fragmentos ósseos, hematoma epidural, hérnia discal traumática).

⏱️ 3. Consultar Neurocirurgia / Ortopedia

IMEDIATO — no mesmo momento da avaliação

Déficit motor + sensitivo após trauma = alarme máximo

→ Neurocirurgia deve ser acionada na admissão, não após os exames.

⏱️ 4. Objetivo de pressão arterial

INICIAR NAS PRIMEIRAS MINUTOS

Manter PAM ≥ 85–90 mmHg já na sala de emergência.

É uma das poucas medidas com impacto real em preservação de função medular.

⏱️ 5. Cirurgia (quando indicada)

🟢 Meta: descompressão em até 8 horas do trauma

Esse é o tempo associado a melhores desfechos funcionais.

Diretrizes recomendam:

NICE: cirurgia dentro de 8 horas

AANS/CNS:o mais rápido possível, ideal < 12h”

TQIP: descompressão < 12h

Estudos clínicos: melhor recuperação quando < 8h

→ a cirurgia deve ser urgente, não eletiva.

Fontes

AMERICAN SPINAL INJURY ASSOCIATION. International Standards for Neurological Classification of Spinal Cord Injury (ISNCSCI). Chicago: ASIA, 2021.

FEHLINGS, Michael G. et al. A Clinical Practice Guideline for the Management of Patients With Acute Spinal Cord Injury: Recommendations on the Timing of Decompressive Surgery. Global Spine Journal, v. 7, supl. 3, p. 195S–202S, 2017.

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BADHIROV, L.; KOCHER, M. Early versus delayed surgery for spinal cord injury: a meta-analysis. Spine, v. 45, n. 5, p. E252–E259, 2020.

WANG, Hui et al. Surgical decision-making for thoracolumbar burst fractures: a systematic review. Neurosurgical Review, v. 44, p. 1423–1436, 2021.

FURLAN, Julio C.; FEHLINGS, Michael G. The epidemiology of traumatic spinal cord injury in North America. Handbook of Clinical Neurology, v. 109, p. 15–22, 2012.

HOLMES, J. F. et al. Identification of cervical spine injuries following blunt trauma: updated recommendations. Annals of Emergency Medicine, v. 76, n. 2, p. 185–197, 2020.

KAWAIDA, H.; et al. Predictors of neurological recovery in cervical spinal cord injury. Journal of Neurosurgery: Spine, v. 38, n. 1, p. 1–10, 2022.