LEUCEMIA LINFOCÍTICA CRÔNICA - TRATAMENTO
Considerações iniciais
O tratamento da Leucemia Linfocítica Crônica (LLC) tem passado por uma revolução nos últimos anos, com a introdução de terapias mais eficazes e menos tóxicas. É importante entender que a LLC é uma doença de progressão lenta e, em muitos casos, o tratamento não é curativo, mas visa controlar a doença, melhorar os sintomas e prolongar a sobrevida.
A LLC é uma doença indolente e, muitas vezes, assintomática em seus estágios iniciais. A "descompensação" da LLC significa que a doença está progredindo e começando a causar sintomas ou complicações significativas, indicando que o tratamento pode ser necessário.
Os sinais e sintomas que indicam que a LLC pode estar descompensada (ou seja, em progressão e com necessidade de intervenção) são geralmente agrupados em algumas categorias:
Sinais e Sintomas Clínicos de Descompensação da LLC
Estes são sinais que o paciente pode perceber ou que o médico identifica no exame físico:
Sintomas Constitucionais (Sintomas B):
Fadiga e cansaço extremo: Uma sensação de exaustão que não melhora com o repouso e interfere nas atividades diárias.
Febre inexplicável: Temperatura corporal elevada sem que haja uma infecção aparente.
Suores noturnos: Sudorese intensa durante a noite, a ponto de encharcar a roupa de cama.
Perda de peso não intencional: Perda de mais de 10% do peso corporal em 6 meses, sem dieta ou esforço para emagrecer.
Aumento de Linfonodos (Gânglios):
Linfonodos (ínguas) que aumentam de tamanho rapidamente, tornam-se dolorosos ou causam desconforto (no pescoço, axilas, virilha).
Aumento de Órgãos:
Esplenomegalia: Aumento significativo do baço, que pode ser percebido como uma sensação de plenitude ou desconforto no lado esquerdo do abdome superior.
Hepatomegalia: Aumento do fígado, que pode causar desconforto no lado direito do abdome superior.
Infecções Recorrentes:
A diminuição de glóbulos brancos saudáveis devido à LLC pode levar a infecções bacterianas, virais ou fúngicas frequentes e/ou graves, que são difíceis de tratar.
Sinais Laboratoriais de Descompensação da LLC
Alterações nos exames de sangue são cruciais para identificar a progressão da doença:
Linfocitose Progressiva:
Aumento rápido da contagem de linfócitos no sangue (linfocitose), com um tempo de duplicação dos linfócitos inferior a 6 meses.
Anemia:
Diminuição significativa dos glóbulos vermelhos (hemoglobina abaixo de 10-11 g/dL), que pode causar palidez, falta de ar e cansaço.
Trombocitopenia:
Diminuição das plaquetas (contagem abaixo de 100.000/mm³), o que pode levar a sangramentos fáceis (hematomas, petéquias, sangramento nas gengivas ou nariz).
Neutropenia:
Diminuição dos neutrófilos (um tipo de glóbulo branco), aumentando o risco de infecções graves.
Estadiamento da Doença
Os médicos também utilizam sistemas de estadiamento (como Rai e Binet) para classificar a LLC e determinar a necessidade de tratamento. Uma mudança para um estágio mais avançado nesses sistemas pode indicar descompensação.
Sistema Rai:
Estágios III (anemia) ou IV (trombocitopenia) são considerados de alto risco e geralmente indicam necessidade de tratamento.
Sistema Binet:
Estágio C (anemia e/ou trombocitopenia) também indica que o tratamento é necessário.
1. Observação e "Watch and Wait"
Para muitos pacientes com LLC em estágios iniciais e assintomáticos, a abordagem inicial pode ser a observação ativa (também conhecida como "watch and wait"). O tratamento só é iniciado quando a doença começa a progredir ou a causar sintomas significativos, como:
Fadiga intensa
Perda de peso não intencional
Febre inexplicável
Suores noturnos
Aumento significativo e/ou doloroso dos linfonodos, baço ou fígado
Anemia ou plaquetopenia (diminuição de plaquetas) graves.
2. Opções de Tratamento Atualmente Utilizadas
As opções de tratamento para a LLC são variadas e a escolha depende de diversos fatores, incluindo a idade do paciente, o estado de saúde geral, a presença de outras doenças, características genéticas das células da LLC (como a deleção 17p ou mutação TP53) e tratamentos prévios.
As principais abordagens incluem:
2.1. Terapias-Alvo (Medicamentos Orais):
Esses medicamentos representam um grande avanço, pois agem especificamente em vias moleculares importantes para a sobrevivência das células da LLC, com menos efeitos colaterais em comparação à quimioterapia tradicional. No Brasil, os principais aprovados são:
Ibrutinibe: Foi um dos primeiros e mais utilizados. Age impedindo a proliferação e sobrevivência das células da LLC.
Acalabrutinibe: Mais recente, pode ter um perfil de segurança superior ao ibrutinibe, com menor taxa de fibrilação atrial e sangramentos em alguns estudos.
Zanubrutinibe: Outro inibidor de BTK que também tem se mostrado promissor.
2.2. Imunoterapia (Anticorpos Monoclonais):
São medicamentos que atuam direcionando o próprio sistema imunológico a combater as células cancerígenas ou marcam as células da LLC para que sejam destruídas.
Rituximabe: Um anticorpo anti-CD20, frequentemente combinado com quimioterapia ou terapias-alvo.
Obinutuzumabe: Também um anticorpo anti-CD20 de segunda geração, que pode ser mais potente que o rituximabe em algumas situações, usado em combinação (ex: com Venetoclax).
Ofatumumabe: Outro anticorpo anti-CD20.
2.3. Quimioimunoterapia:
Combina medicamentos quimioterápicos tradicionais com anticorpos monoclonais. Embora as terapias-alvo estejam cada vez mais substituindo a quimioterapia como primeira linha de tratamento, ela ainda pode ser utilizada em certos casos. Exemplos incluem:
FC (Fludarabina e Ciclofosfamida), geralmente combinado com Rituximabe (FCR).
Bendamustina (um tipo de quimioterápico) combinada com Rituximabe ou Obinutuzumabe.
Clorambucila: Um quimioterápico oral mais antigo, ainda usado, principalmente em pacientes idosos ou com muitas comorbidades, muitas vezes combinado com um anticorpo monoclonal.
2.4. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH):
É uma opção de tratamento mais intensiva e com riscos significativos. Geralmente reservado para pacientes mais jovens e em boa forma que não responderam a múltiplas linhas de tratamento com as novas terapias ou em casos de doença muito agressiva. O transplante alogênico (com células de um doador) é o mais comum para LLC.
2.5. Radioterapia:
Pode ser usada de forma paliativa para reduzir o tamanho de linfonodos aumentados, baço ou fígado que estejam causando desconforto, ou em casos de doença localizada que não responde à quimioterapia.
Novidades e Tendências no Tratamento
A tendência atual no tratamento da LLC é a utilização de regimes sem quimioterapia, com foco em terapias-alvo (inibidores de BTK e BCL-2) e imunoterapia, seja como monoterapia ou em combinações (como Venetoclax + Obinutuzumabe, ou Ibrutinibe + Venetoclax). Essas combinações podem oferecer remissões mais profundas, até mesmo a "doença residual mínima negativa", onde poucas ou nenhuma célula cancerígena são detectáveis. Além disso, muitos desses novos tratamentos são orais, o que melhora a qualidade de vida do paciente ao reduzir a necessidade de infusões intravenosas.
A pesquisa continua avançando, com novos medicamentos e combinações sendo testados em ensaios clínicos, buscando tornar o tratamento ainda mais eficaz e personalizado. É fundamental que o plano de tratamento seja definido e acompanhado por um hematologista/oncologista, pois ele poderá avaliar todos os fatores individuais e indicar a melhor estratégia.
Situação especial - Insuficiência cardíaca
Para um paciente com Leucemia Linfocítica Crônica (LLC) que também é portador de insuficiência cardíaca, a escolha do tratamento é cuidadosamente avaliada para minimizar os riscos cardiovasculares e otimizar o controle da LLC. A decisão sempre deve ser individualizada e tomada em conjunto com a equipe médica, que pode incluir um cardiologista e um onco-hematologista. Considerando a insuficiência cardíaca, as opções de tratamento tendem a focar em terapias com menor impacto cardiovascular:
Terapias-Alvo (Inibidores de BTK de Segunda Geração e Inibidores de BCL-2):
Acalabrutinibe e Zanubrutinibe: Estes são inibidores da tirosina quinase de Bruton (BTK) de segunda geração. Eles são frequentemente preferidos em pacientes com comorbidades cardíacas em comparação com o ibrutinibe (um inibidor de BTK de primeira geração), pois estão associados a taxas mais baixas de eventos cardíacos adversos, como fibrilação atrial e sangramentos.
Venetoclax: É um inibidor da proteína BCL-2. Geralmente, o venetoclax tem um perfil de segurança cardiovascular favorável e é uma excelente opção para pacientes com insuficiência cardíaca. Pode ser usado em monoterapia ou em combinação com anticorpos monoclonais.
Imunoterapia (Anticorpos Monoclonais):
Obinutuzumabe, Rituximabe: Estes anticorpos monoclonais (anti-CD20) são frequentemente utilizados em combinação com terapias-alvo (como o venetoclax) ou, em alguns casos, com quimioterapia de baixa intensidade. Eles geralmente têm um perfil de cardiotoxicidade mais baixo em comparação com a quimioterapia citotóxica tradicional.
Quimioterapia (com cautela):
A quimioterapia tradicional, como a que contém antraciclinas, pode ser cardiotóxica e, portanto, é evitada ou usada com extrema cautela em pacientes com insuficiência cardíaca. No entanto, alguns agentes quimioterápicos menos cardiotóxicos, como o clorambucil, podem ser considerados em combinação com anticorpos monoclonais em pacientes mais frágeis ou com comorbidades cardíacas significativas, embora as terapias-alvo sejam geralmente preferidas devido à sua maior eficácia e menor toxicidade.
Pontos importantes a serem considerados:
Avaliação Cardíaca Rigorosa: Antes e durante o tratamento, o paciente deve passar por uma avaliação cardíaca completa, incluindo ecocardiogramas e acompanhamento regular com um cardiologista, para monitorar a função cardíaca e gerenciar qualquer efeito adverso.
Manejo Multidisciplinar: A colaboração entre o onco-hematologista e o cardiologista é fundamental para garantir a segurança e a eficácia do tratamento.
Terapias sem quimioterapia: A tendência atual é priorizar regimes de tratamento que não incluam quimioterapia, devido ao seu perfil de toxicidade, especialmente em pacientes com comorbidades. Em geral, para pacientes com LLC e insuficiência cardíaca, as terapias-alvo (como acalabrutinibe, zanubrutinibe e venetoclax) e a imunoterapia são as opções mais promissoras e geralmente preferidas, devido ao seu perfil de segurança cardiovascular mais favorável em comparação com a quimioterapia. A escolha exata dependerá de uma avaliação médica detalhada do caso específico.
Fontes
NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology – Chronic Lymphocytic Leukemia/Small Lymphocytic Lymphoma (CLL/SLL). Versão atualizada. Disponível em: https://www.nccn.org/guidelines/guidelines-detail?category=1&id=1418 (Acesso em 12 de julho de 2025).
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Fischer, K., et al. (2019). Venetoclax and Obinutuzumab in Previously Untreated Chronic Lymphocytic Leukemia. New England Journal of Medicine, 380(23), 2225-2236.
Consenso Brasileiro de Leucemia Linfocítica Crônica. As publicações mais recentes estão disponíveis no site da ABHH: https://abhh.org.br/ (Acesso em 12 de julho de 2025).