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INTOXICAÇÃO POR METANOL 

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Considerações iniciais

A intoxicação por metanol é um quadro grave e potencialmente fatal, que exige diagnóstico e tratamento rápidos. O metanol também conhecido como álcool metílico (CH₃OH) é um líquido incolor, inflamável, usado como solvente, combustível, anticongelante e na indústria química, e que Não deve ser usado para consumo humano.  O produto é um tipo de álcool simples, incolor e inflamável, com cheiro semelhante ao da bebida comum. Ele já foi chamado de “álcool da madeira”, porque era obtido pela destilação de toras. Hoje, sua produção industrial é feita principalmente a partir do gás natural. Pode ser encontrado em bebidas adulteradas, quando é adicionado no lugar do etanol por ser mais barato.

A toxicidade do metanol aparece apenas após o fígado processar a substância. No organismo, a enzima álcool desidrogenase (ADH) transforma o metanol em formaldeído, um composto altamente reativo. Em seguida, esse formaldeído é convertido em ácido fórmico, que se acumula no sangue.

O ácido fórmico é o principal responsável pela acidose metabólica severa (quando o sangue fica excessivamente ácido) e pelos danos às mitocôndrias, prejudicando a produção de energia das células. É ele também que ataca diretamente o nervo óptico, podendo causar cegueira, e que compromete órgãos vitais, como rins, pulmões e cérebro.

 

🔹 Por que é tóxico?

O metanol em si não é tão tóxico. O perigo vem de seu metabolismo hepático pela álcool-desidrogenase:

Metanol → Formaldeído

Formaldeído → Ácido fórmico

O ácido fórmico causa acidose metabólica grave e toxicidade direta sobre nervo óptico e sistema nervoso central.

 

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Definições de caso

Caso suspeito de intoxicação exógena por metanol após ingestão de bebida alcoólica:

1. Paciente com história de ingestão de bebidas alcoólicas que apresente, após 12 horas da ingestão, a persistência ou piora de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:

2. Sintomas compatíveis de embriaguez acompanhado de desconforto gástrico ou quadro de gastrite;

3. Manifestações visuais, incluindo visão turva, borrada, escotomas ou alterações na acuidade visual;

4. Sinais clínicos característicos graves: rebaixamento de consciência, convulsões, coma, alterações visuais persistentes (cegueira, escotoma central, atrofia óptica);

5. Exame laboratorial compatível com acidose metabólica (pH arterial < 7,3 e bicarbonato < 20 mEq/L) e GAP osmolar for superior a +10 mOsm/L;

6. Dosagem sérica de metanol positiva 

 

Manifestações clínicas

 

1ª fase (Período de latência:– 6 a 24h após ingestão)

Sintomas semelhantes ao álcool comum: euforia, sonolência, náusea, vômito.

Pode haver um período em que o paciente parece “bem” (falsa segurança)

12–24 horas entre ingestão e início dos sintomas graves (pode ser maior se ingerido concomitantemente com etanol).

2ª fase (toxicidade instalada)

• Sistema nervoso central: cefaleia, tontura, confusão, taquipneia (respiração de Kussmaul), convulsões, coma;

• Sistema visual: Visão borrada, fotofobia, escotomas (“nevoeiro” visual),  podendo evoluir para cegueira irreversível;

• Gastrointestinal: náuseas, vômitos, dor abdominal e pancreatite aguda;

• Metabólico: acidose metabólica grave, hiperglicemia e insuficiência renal

Conduta frente ao caso suspeito ou confirmado

 Atendimento Inicial

• Garantir via aérea pérvia e suporte ventilatório;

• Monitorar sinais vitais, glicemia capilar e pupilas;

• Hidratação venosa adequada para manutenção de diurese;

• ECG de 12 derivações (repetir se necessário);

• Não é recomendada a descontaminação por meio da lavagem gástrica, nem o uso do carvão ativado (não adsorve quantidade significativa de metanol).

 

Exames laboratoriais

Apesar do tratamento do metanol começar antes do resultado confirmatório, os exames ajudam a avaliar gravidade, diagnóstico diferencial e necessidade de hemodiálise.

• Gasometria arterial;

• Eletrólitos séricos (incluindo cloreto e bicarbonato), ureia, creatinina, glicemia, função hepática, hemograma;

• Osmolaridade sérica e a partir dos resultados laboratoriais pode ser cálculado o gap osmolar (GO) e o ânion gap (AG);

• Dosagem de metanol plasmático (quando disponível).

 

 

Dosagem sérica de metanol

- Cromatografia gasosa (padrão-ouro) - Separa e quantifica metanol de outros álcoois (etanol, isopropanol, etilenoglicol).  O método laboratorial confirmatório para identificar e quantificar metanol no sangue é a cromatografia gasosa (GC), geralmente acoplada a  espectrometria de massas (GC-MS), que permite detecção específica mesmo em concentrações muito baixas.ou detector de ionização em chama (GC-FID).  Disponível apenas em centros de referência.

Concentração :

  • > 20 mg/dL (6,2 mmol/L) confirma intoxicação;
  • > 50 mg/dL (15,6 mmol/L) geralmente indica necessidade de hemodiálise.

 

Métodos indiretos à beira do leito

O tratamento é iniciado empiricamente nesses casos — não se espera a confirmação para começar.

- Gasometria arterial

Acidose metabólica grave (pH < 7,3, bicarbonato < 20).

- Ânion gap

Ânion gap metabólico aumentado (acidose metabólica)

Fórmula:

AG=Na−(Cl+HCO3)

 

AG > 12, com acidose metabólica, sugere intoxicação por metanol

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- Osmol gap aumentado

É importante solicitar a Osmolaridade Sérica, bem como níveis de Ureia e Glicose, para que se possa realizar o Gap Osmolar. O Gap Osmolar é a diferença entre a Osmolaridade Sérica medida e a calculada. Em casos de intoxicação por álcool tóxico costuma estar elevado, pois o álcool eleva a osmolaridade medida, mas não é incluído na fórmula para o cálculo. No entanto, a ausência de Gap Osmolar não exclui o diagnóstico.

Fórmula:

Osm gap=Osm medida−Osm calculada

 

Osm calculada = (2 × Na) + (glicose/18) + (ureia/2,8)

Gap > 10–15 sugere presença de álcoois tóxicos (metanol, etilenoglicol).

 

 - Exame oftalmológico

  • Fundoscopia: neurite óptica, edema de disco, palidez do nervo óptico.
  • Sintomas visuais (borramento, “visão em neve”) são sinais de gravidade.

 

- Neuroimagem (Tomografia ou Ressonância Magnética):

Em casos mais graves, pode revelar lesões bilaterais e hemorrágicas características nos putâmens e necrose do nervo óptico.

 

🔹 Diagnóstico diferencial

  • Intoxicação por Etanol.
  • Intoxicação por Etilenoglicol (anticongelante).
  • Intoxicação por Salicilatos.
  • Cetoacidose diabética ou alcoólica.

Terapia específica

Antídotos (inibem a álcool-desidrogenase):

1) Fomepizol (preferencial, mas não disponível amplamente no Brasil).

O fomepizol, um potente inibidor da álcool desidrogenase (ADH), é um antídoto eficiente e seguro que previne ou reduz o metabolismo tóxico do Etilenoglicol e do metanol. Embora nenhum estudo tenha comparado sua eficácia com o etanol, o fomepizol é recomendado como antídoto de primeira linha. O tratamento deve ser iniciado o mais breve possível, com base no histórico e nos achados iniciais, incluindo acidose metabólica com hiato aniônico, enquanto se aguarda a medição da concentração de álcool.

Posologia : A administração de dose de ataque de 15 mg/kg, intravenosa ou oral, independentemente da concentração de álcool, seguida por doses intermitentes de 10 mg/kg a cada 12 horas até que as concentrações de metanol sejam <30 mg/dL).

Não há necessidade de monitorar as concentrações de fomepizol. Administrado precocemente, o fomepizol previne as lesões visuais e neurológicas relacionadas ao metanol. Quando administrado antes do início de acidose significativa ou lesão orgânica, o fomepizol pode dispensar a necessidade de hemodiálise.

Quando a diálise for indicada, deve-se administrar infusão contínua de 1 mg/kg/h para compensar sua eliminação. Os efeitos colaterais raramente são graves e com menor ocorrência do que com o etanol. O fomepizol é contraindicado em caso de alergia a pirazóis. É eficaz e seguro na população pediátrica, mas não é recomendado durante a gravidez. Em conclusão, o fomepizol é um antídoto de primeira linha eficaz e seguro para intoxicações por  metanol.

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2) Etanol  

Quando fomepizol não está disponível, pode-se usar etanol como antídoto para intoxicação por metanol, porque ele compete com o metanol pela álcool-desidrogenase (a enzima que gera os metabólitos tóxicos formaldeído e ácido fórmico).

- Objetivo terapêutico

Manter concentração sérica de etanol entre 100–150 mg/dL, suficiente para saturar a enzima.

🔹 Dose (quando usado EV)

Preparo e uso de etanol a 10% para tratamento da intoxicação por metanol.

📌 Preparo da solução de etanol a 10% -  obter etanol 10% (10 g de etanol em 100 mL de solução).

O etanol absoluto disponível no hospital geralmente é 96%.

🔹 Então: para 100 mL de solução a 10%, usar 10,4 mL de etanol 96% + 89,6 mL de SF 0,9% ou SG 5%.

 

Outra opção : 

Diluição Sugerida:

Misturar 100 mL de Etanol Absoluto (100%)

Com 900 mL de Soro Glicosado a 5% (SG 5%)

Essa mistura resulta em um volume total de 1.000 mL com uma concentração final de 10% de etanol.

 

  • Ataque:

10 mL/kg de etanol a 10% EV em 30 minutos.

(equivale a ~0,6 g/kg de etanol absoluto).

 

  • Manutenção (sem diálise):

1,5 mL/kg/h de etanol a 10% EV

(≈ 66 mg/kg/h de etanol absoluto).

 

  • Manutenção (com hemodiálise):

2,5–3,0 mL/kg/h de etanol a 10% EV (porque a diálise remove etanol rapidamente).

 

🔹 Alternativa VO (menos usada em UTI, mas possível)

Administração por via oral (se não disponível EV)

Pode-se usar etanol absoluto diluído para obter solução a 20% oral.

Dose de ataque: 0,8 g/kg (≈ 1 mL/kg de etanol absoluto).

Manutenção: 0,1–0,2 g/kg/h.
⚠️ Via oral é menos precisa, maior risco de vômitos e aspiração — só usada quando não há opção EV.

Geralmente diluído em suco ou solução para melhor aceitação.

🔹 Observações importantes

Usar preferencialmente solução de etanol a 10% EV (se mais concentrado, diluir em SF ou SG).

Monitorar nível sérico de etanol se possível (nem sempre disponível).

Vigiar: hipoglicemia, hipotensão, sedação excessiva, gastrite, pancreatite.

Avaliar precocemente indicação de hemodiálise.

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⚠️ Cuidados

Monitorar glicemia capilar (risco de hipoglicemia).

Monitorar nível de consciência, PA e risco de depressão respiratória.

Uso preferencial em UTI.

 

Medidas complementares

- Ácido fólico/folínico

O uso do ácido fólico ou do ácido folínico tem o potencial de aumentar o metabolismo do ácido fórmico, que é o metabólico tóxico do metanol, para acelerar metabolismo do ácido fórmico transformando em  gás carbônico (CO₂) e em água ( H₂O). Continuar por pelo menos 24 horas após a normalização dos níveis de metanol e a correção da acidose. Por isso é recomendada a administração, como uma terapêutica adjunta.

O Ácido Folínico (também conhecido como Folinato de Cálcio ou Leucovorina Cálcica) é a forma reduzida e biologicamente ativa do folato. As apresentações são geralmente comercializadas com a concentração de 10 mg/mL e em frascos-ampola Frascos-ampola de 5 mL (totalizando 50 mg de ácido folínico).

Ajuste na Hemodiálise: Embora a hemodiálise seja o tratamento principal para remover o metanol, ela não remove o ácido fórmico de forma eficiente. No entanto, o folato (ácido folínico) é dialisável. Alguns especialistas recomendam a administração do Folinato de Cálcio após a sessão de hemodiálise para garantir níveis adequados durante o período interdialítico.

Variações de Dose: Algumas referências internacionais indicam 50 mg/dose, enquanto diretrizes mais recentes (como a Nota Técnica Conjunta do Ministério da Saúde) utilizam 30 mg/dose IV a cada 6h por 48 horas. A dose de 50 mg IV a cada 4 a 6 horas é comumente citada em protocolos de toxicologia clínica.

- Ácido Fólico  pode ser usado como alternativa se o Ácido Folínico (Leucovorina) não estiver imediatamente disponível, geralmente na mesma faixa de dosagem, pois o objetivo é saturar a via metabólica. Pouco disponível no Brasil. Quando existe, vem em ampolas de 5 mg/mL, em frascos de 1 a 2 mL. Mais comum em uso parenteral nutricional, e não em emergências tóxicas.

Dose : 50 mg IV a cada 4 a 6 horas

O tratamento com folato deve ser mantido em conjunto com os antídotos primários (Fomepizol ou Etanol) e a correção da acidose metabólica com Bicarbonato de Sódio.

 

· Correção da acidose metabólica:

Bicarbonato de sódio IV, conforme gasometria, sendo que  pacientes com pH < 7.3 devem receber Bicarbonato. A resposta desses pacientes ao bicarbonato habitualmente é ruim, por isso doses elevadas costumam ser utilizadas. No entanto, é importante a monitorização contínua dos níveis séricos de pH e HCO3, com o objetivo de manter o pH > 7.35, mas sem que o paciente evolua com alcalose. Uma vez atingido um pH > 7.35 a infusão de Bicarbonato pode ser suspensa.Sugere-se 1 a 2mEq/Kg de Bicarbonato em bolus. O Bicarbonato de Sódio 8.4% contêm 1mEq/mL de Bicarbonato. Assim, pode ser prescrito 1 a 2ml/kg. Contudo, torna-se importante lembrar que esta solução é vesicante, de modo que, se possível, deve-se diluí-la no mesmo volume de Glicose 5%, obtendo uma solução de Bicarbonato de Sódio 4.2%.

Exemplo: Paciente 70Kg.

Recomendação: 70 a 140mEq de Bicarbonato.

Prescrição: 70 a 140ml de Bicarbonato de Sódio 8.4% em bolus (Se paciente com Acesso Venoso Central ou Acesso proximal calibroso)

OU

70 a 140ml de Bicarbonato de Sódio 8.4% + 70 a 140ml de Glicose 5% em bolus

Para infusão contínua, sugere-se diluir Bicarbonato de Sódio 8.4% 150 ml em SG 5% 850ml e administrar em uma taxa de infusão de 150 a 250ml/h.

 

· Controle de convulsões:

benzodiazepínicos (1ª linha) e barbitúricos (2ª linha se refratárias).

- Hemodiálise:

indicada em casos graves, como : acidose grave, alteração visual, insuficiência renal ou níveis elevados de metanol.

Remove metanol e metabólitos, corrige acidose.

 

 

🔹 Prognóstico

Mortalidade pode chegar a 30% ou mais se não tratado.

Cegueira permanente é complicação clássica, mesmo em sobreviventes.

Fontes: 

https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4806829/

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/outubro/metanol-o-que-fazer-em-casos-de-suspeita-de-intoxicacao

https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2025/nota-tecnica-conjunta-no-360-2025-dvsat-svsa-ms.pdf

https://d1xe7tfg0uwul9.cloudfront.net/amib-portal/wp-content/uploads/2025/10/03123509/Nota-tecnica_intoxicacao-por-Alcool-metilico-metanol.pdf

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27180631

https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2025/10/02/metanol-peritos-explicam-como-e-feita-identificacao-de-substancia-em-bebidas-e-no-corpo-das-vitimas.ghtml

https://sanarmed.com/intoxicacao-por-metanol-qual-e-o-tratamento-adequado/

Barceloux DG, Bond GR, Krenzelok EP, Cooper H, Vale JA; American Academy of Clinical Toxicology Ad Hoc Committee on the Treatment Guidelines for Methanol Poisoning. American Academy of Clinical Toxicology practice guidelines on the treatment of methanol poisoning. J Toxicol Clin Toxicol. 2002;40(4):415-46. doi: 10.1081/clt-120006745. PMID: 12216995.

https://sbtox.org/wp-content/uploads/2025/03/Recomenda%C3%A7%C3%B5es_Ant%C3%ADdotos_SBTox_ABRACIT_final_3.pdf.