Hemorragia digestiva baixa (HDB) -
Considerações iniciais
A Hemorragia digestiva baixa (HDB) é definida como todo sangramento originado abaixo do ângulo de Treitz (flexura duodenojejunal). Frente ao paciente com clínica compatível, o atendimento inicial deve ser executado, na seguinte ordem: manejo geral com medidas de suporte, ressuscitação volêmica em paralelo com a avaliação diagnóstica e verificação da fonte do sangramento do TGI inferior.
A HDB corresponde a aproximadamente 15% dos casos de hemorragia digestiva, sendo menos comum e , em geral, menos grave que a hemorragia digestiva alta, pois em 80 a 85% dos casos o sangramento é autolimitado, com taxa de mortalidade que varia entre 2 a 4%. Consequentemente ao fato de ser autolimitado, em 25% dos casos o foco da hemorragia não é localizado. Cerca de 95% se originam de patologias colônicas. Os 5% restantes resultam de doenças do intestino delgado.
A causa da hemorragia está associada à idade do paciente, sendo a média de idade de aproximadamente 65 anos, tendo como as doenças mais comuns a doença diverticular, angiodisplasias e neoplasia, que são responsáveis pelas hemorragias mais severas. Nos adultos jovens, o divertículo de Meckel, a doença inflamatória intestinal, a má formação arteriovenosa e os pólipos juvenis são as principais causas. Em crianças, a HDB se dá mais comumente associada à intussuscepção intestinal e pelo divertículo de Meckel.
Tratamento geral
A prioridade no atendimento é avaliar repercussões hemodinâmicas e estabilizar clinicamente o paciente. Devemos atentar para os sinais de hipovolemia: taquicardia de repouso (moderada), hipotensão ortostática (Diminuição da pressão arterial de mais de 20 mmHg e/ou aumento na frequência cardíaca de 20 batimentos por minuto do decúbito ao ortostatismo que representa perda de 15% do volume sanguíneo) e hipotensão supina (perda de 40% do volume sanguíneo). A presença de dor abdominal sugere uma fonte de sangramento inflamatória, infecciosa ou perfuração.
Paciente Instável
Esta situação requer a seguinte sequência de atendimento:
- Protocolo de atendimento emergencial ABCDE (checar via aérea, respiração e circulação);
- Punção de 2 acessos venosos periféricos de grosso calibre, com cateter tamanho 14-16;
- Coletar amostra de sangue para tipo sanguíneo e laboratorias (hemograma, plaquetas, eletrólitos, glicemia, TP e KTTP). O nível inicial de hemoglobina deve ser monitorado a cada duas a oito horas;
- Iniciar infusão de cristaloide (Ringer lactato), 1500-2000ml para adulto e 20ml/kg para criança. Se após 2000ml de cristaloide ainda seja necessária reposição de volume, deve se considerar transfusão sanguínea (concentrado de hemácia) com sangue O-, caso o tipo de sangue não esteja disponível.
Pode ser indicada hemotransfusão se perda sanguínea maior que 30% ou hematócrito de 20% em jovens e 30% em idosos, principalmente aqueles com doença cardiovascular. Com base nos dados disponíveis, pacientes com HDB que são hemodinamicamente estáveis sem sinais de choque provavelmente devem ser tratados com uma estratégia de transfusão restritiva, embora exceções devam ser feitas no cenário de sangramento ativo significativo em andamento e presença de choque.
- Pacientes com sangramento ativo e plaquetopenia (<50.000) ou coagulopatia (RNI>1,5), devem receber concentrado de plaquetas ou plasma fresco, respectivamente. As plaquetas devem ser administradas no cenário de LGIB grave para manter uma contagem de plaquetas de >30 × 109/L, e um limite mais alto de >50 × 109/L pode ser considerado se procedimentos endoscópicos forem necessários. Não há benefício na transfusão de plaquetas de rotina para pacientes em antiplaquetários.
- Monitorização: monitor cardíaco; pressão arterial; oxímetro; cateter vesical de demora para controle de diurese. A diurese ideal é 0,5ml/kg/h em adulto e 1 ml/kg/h em criança.
- Nas situações de gravidade, realizar endoscopia digestiva alta frente a suspeita de HDA por úlcera péptica duodenal. Podemos então iniciar drogas como inibidores da bomba de prótons e medidas endoscópicas de controle da hemorragia.
- Após estabilização podemos partir para investigação do foco de origem. Pacientes instáveis e refratários à reposição volêmica tem indicação de intervenção cirúrgica, com realização prévia de cintilografia para localização, mesmo que grosseira, do foco do sangramento.
Paciente Estável – Investigação do Sítio de Sangramento
Como uma investigação menos invasiva, devemos considerar as seguintes informações clínicas. A escolha do método complementar para avaliar a HDB depende do nível do sangramento e da estabilidade hemodinâmica.
Sangramento leve-moderado: colonoscopia (é uma boa alternativa por ser tanto diagnóstica quanto terapêutica). A colonoscopia deve ser realizada dentro de 24 horas após a preparação adequada do cólon para aumentar o rendimento diagnóstico e terapêutico (geralmente logo que o paciente foi reanimado e foi dada uma preparação adequada do intestino).
Sangramento maciço: angiografia e cintilografia com hemácias marcadas, pela difícil visualização endoscópica devido ao sangramento intenso. A Cintilografia detecta sangramento ativo de 0,1-0,5ml/min, porém determina uma localização imprecisa do local sangrante. A Arteriografia necessita de um fluxo de pelo menos 0,5-1ml/min para bons resultados, assim designando uma localização precisa, além disso, há possibilidade de intervenção terapêutica (injeção de vasopressina ou embolização).
Sangramento sem foco definido: o local do sangramento pode não se evidenciar em alguns pacientes, apesar da avaliação. A endoscopia que se utiliza de um colonoscópio pediátrico permite a visualização de aproximadamente proximal 60 cm do jejuno.
Para avaliar segmentos mais distais do intestino delgado, a cápsula endoscópica e a enteroscopia são métodos disponíveis. A cápsula endoscópica está indicada quando a EDA e colonoscopia são negativas, com sangramento de origem indeterminada, para possibilitar a visualização do intestino delgado. A grande desvantagem do método é de não ser terapêutica ou não poder realizar biópsias.
Endoscopia digestiva alta
Para pacientes que apresentam hematoquezia grave, a possibilidade de uma fonte de sangramento rápida e proximal deve ser considerada, esofagogastroduodenoscopia (EGD) antes da colonoscopia, 15% tiveram uma fonte proximal de sangramento. importantes do histórico devem ser obtidos, incluindo um histórico de úlcera péptica ou doença hepática descompensada. Achados laboratoriais, como uma proporção elevada de nitrogênio ureico no sangue (BUN) para creatinina (Cr), podem sugerir uma fonte superior de sangramento.
Conduta específica
Angiotomografia
Em caso de hemorragia digestiva baixa ativa e significante, deve-se proceder com angiotomografia, a fim de avaliar presença de sangramento ativo (extravasamento de contraste). Esse exame, apresenta maior acurácia se realizado em até 4 horas do sangramento.
Outros fatores associados a alteração na angiotomografia incluem: ressecção intestinal recente, hemotransfusão de 3 ou mais concentrados de hemácias, uso de agentes antiplaquetários ou anticoagulantes, presença de taquicardia ou hipotensão.
Uma AngioTC como teste diagnóstico inicial em pacientes com hematoquezia hemodinamicamente significativa em andamento, no entanto, tem baixo rendimento em pacientes com HDB menor ou aqueles nos quais o sangramento diminuiu clinicamente.
Nos casos de alteração da angiotomografia, recomenda-se a embolização por angiografia, se possível.
Colonoscopia intervencionista
Além disso, em centros com expertise em hemostasia endoscópica, pode-se considerar colonoscopia intervencionista de urgência com preparo com polietilenoglicol, com duração de 3 a 4 horas.
Colonoscopia eletiva
Na ausência de extravasamento de contraste na angiotomografia ou em caso de sangramento leve/autolimitado, deve-se proceder com colonoscopia eletiva, com preparo habitual.
Estratégia de vigilância pode ser adotada em sangramento controlado e colonoscopia de boa qualidade com doença diverticular e ausência de lesões suspeitas nos últimos 12 meses.
Tratamento endoscópico para patologias específicas
1) Hemorragia diverticular
Em caso de visualização endoscópica de estigmas de sangramento recente de origem diverticular, deve-se proceder com terapia endoscópica com ligadura elástica (Hemostasia inicial 99%; ressangramento precoce 8%), liberação de clips por visualização direta (Hemostasia inicial 99%; ressangramento precoce 19%) ou coagulação (Hemostasia inicial 100%; ressangramento precoce 21%).
Medidas adicionais, como injeção de adrenalina e administração de spray hemostático, podem ser utilizadas.
2) Angiectasias ou outras lesões vasculares
O tratamento recomendado inclui coagulação com plasma de argônio. O uso de clips hemostáticos e epinefrina pode ser necessário.
3) Sangramento pós polipectomia
O tratamento recomendado inclui liberação de clips hemostáticos. O uso de argônio pode auxiliar.
Observações importantes
Ácido tranexânico
A ácido tranexâmico é uma medicação associada à redução do sangramento, a qual atua inibindo a quebra do coágulo sanguíneo, processo conhecido como fibrinólise. Ademais, o ácido tranexâmico reduz o sangramento cirúrgico e também a morte por sangramento em pacientes com hemorragia traumática e pós-parto. O estudo HALT-IT foi um dos maiores ensaios clínicos em sangramento gastrointestinal já realizados. Neste estudo, ficou constatado que o ácido tranexâmico não diminuiu as taxas de morte por sangramento gastrointestinal e ainda foi associado a um risco aumentado de eventos tromboembólicos venosos, como a trombose venosa profunda e a embolia pulmonar, e também de convulsões. Dessa forma, não foram encontradas evidências de que o ácido tranexâmico diminua o risco de morte em pacientes com sangramento gastrointestinal.
Fontes
https://journals.lww.com/ajg/fulltext/2023/02000/management_of_patients_with_acute_lower.14.aspx
ROBERTS, I. et al. Effects of a high-dose 24-h infusion of tranexamic acid on death and thromboembolic events in patients with acute gastrointestinal bleeding (HALT-IT): an international randomised, double-blind, placebo-controlled trial. The Lancet, v. 395, n. 10241, p. 1927-1936, 2020.
ROBERTS, I. et al. A high-dose 24-hour tranexamic acid infusion for the treatment of significant gastrointestinal bleeding: HALT-IT RCT. Health Technology Assessment, v. 25, n. 58, 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/883007/26-hemorragia-digestiva-baixa.pdf