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CISTO HIDÁTICO - DIAGNÓSTICO

 

Considerações iniciais

A hidatidose, ou equinococose, é uma zoonose parasitária causada pelos agentes etiológicos helmintos da classe Eucestoda, do gênero Echinococcus, que infectam animais domésticos, silvestres e o homem. Tais termos descrevem esta zoonose no hospedeiro definitivo (cães domésticos e silvestres, onde é possível encontrar os adultos desse parasita) e intermediário (ovinos, cervídeos, bovinos, camelídeos e acidentalmente o homem), onde é possível encontrar os cistos hidáticos que geram o quadro conhecido como hidatidose. O gênero Echinococcus é pertencente ao Filo Platyhelmynthes, Classe Cestoda, Ordem Cyclophyllidea e à Família Taeniidae. Atualmente são reconhecidas pelo menos 9 espécies do gênero, dentre as quais, as 4 que mais representam problemas de saúde pública são : E. granulosus ; E. multilocularis; E. oligarthrus; e E. vogeli. A E. granulosus ocasiona a doença na forma cística, E. oligarthrus e E. vogeli a forma policística e o E. multilocularis a forma alveolar.

 

Transmissão

Os casos de hidatidose humana pelo gênero E. granulosus são mais comuns e frequentes do que pelas outras espécies e ocorrem geralmente na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai, Venezuela e na região Sul do Brasil e está relacionada à criação de gado.

E. vogeli, que se apresenta na forma policística, conhecida como hidatidose neotropical, ocorre mais frequentemente no Panamá, Colômbia, Equador, Venezuela e Peru. No Brasil, há relatos no Norte, Centro-Oeste e Sudeste.

A infecção por E. oligarthrus, que também desenvolve a forma policística, é rara no Brasil, tendo sido confirmados casos apenas na região Norte.

Os principais fatores de risco para o contágio por Echinococcus são a manipulação de solos que estejam contaminados, a ingestão de legumes e frutas crus e mal lavados e o contato com poeiras ou pelo de animais, onde se alojam os ovos deste parasita. De forma geral, as infecções parasitárias são importantes na avaliação de saúde pública de países em desenvolvimento como o Brasil, devido ao grande contraste socioeconômico presente nesses países, onde a maior prevalência dessas doenças são nas classes sociais mais baixas. óssea se ósseo).

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📌 Quadro clínico típico

A hidatidose ou equinococose cística hepática geralmente é assintomática, visto que o parasita se desenvolve de forma lenta. Normalmente as manifestações podem ser variadas, dependendo da localização, número e dimensões dos cistos e das complicações subsequentes.

No exame físico, a distensão abdominal, hepatomegalia e a massa palpável no quadrante superior direito do abdômen são os achados mais comuns.

Outros sintomas incluem desconforto abdominal, dor em peso no quadrante superior direito, hiporexia e febre. Os cistos intra-abdominais (hepáticos e peritoneais) podem cursar ainda com emagrecimento, icterícia, náuseas e vômitos.

Em 15 a 40% dos casos, as complicações mais frequentes relacionadas à hidatidose cística são as rupturas císticas intra-biliares, compressão vascular, ruptura para a cavidade abdominal, infecção secundária do cisto por outros microorganismos, ruptura intraperitoneal que pode induzir anafilaxia, embolismo, sepse, o abscesso subfrênico ou intracístico e até mesmo óbito. Existe também a possibilidade de ocorrência de cistos mesentéricos sem a presença de cistos no fígado, mas esta é uma forma de apresentação atípica da hidatidose policística.

1. Fase inicial (assintomática)

O cisto cresce lentamente (mm a cm por ano).

O paciente pode permanecer sem sintomas por anos.

Muitas vezes descoberto por exame de imagem incidental.

2. Sintomas gerais quando há crescimento

Dor localizada no órgão afetado.

Massa palpável em fígado ou abdome.

Sintomas compressivos (dependendo da localização).

3. Por órgão mais comum

Fígado (60–70%)

Hepatomegalia

Dor no hipocôndrio direito

Náuseas, vômitos

Colestase/ icterícia (se comprimir vias biliares)

 

Pulmão (20–30%)

Tosse crônica

Dor torácica

Dispneia

Expectoração de líquido claro com membranas (se ruptura intrabrônquica)

 

Outros locais (raros: cérebro, osso, rim, baço, coração)

Sintomas relacionados ao órgão (ex.: convulsão se cerebral, dor)

O diagnóstico do cisto hidático combina clínica + epidemiologia + exames de imagem + sorologia.

 

📌 Diagnóstico de Cisto Hidático

1. História clínica e epidemiologia

Contato com cães ou ovinos (áreas rurais endêmicas).

História de massa abdominal, dor em hipocôndrio direito, tosse crônica, etc.

2. Exames de imagem (pilares do diagnóstico)

Exames de imagem são de grande importância, uma vez que topografam com alta acurácia, estabelecendo localização e quantidade precisa das lesões císticas, além das suas relações anatômicas e eventual compressão das estruturas adjacentes.

Ultrassom de abdome

A aparência ultrassonográfica (US) dos cistos hidáticos pode variar, existindo várias classificações e esquemas baseados na aparência do cisto. O lobo direito é a porção mais frequentemente envolvida do fígado. A depender do estágio de atividade do cisto, os achados de imagem irão variar, desde um cisto unilocular, com ou sem “cistos filhos”, estando parcialmente ou completamente calcificado.A parede do cisto geralmente se manifesta como linhas ecogênicas duplas separadas por uma camada hipoecogênica. Cistos simples não demonstram estruturas internas, embora mostre múltiplos focos ecogênicos e podem ser vistos dentro da lesão, reposicionando o paciente. Os focos ecogênicos caem rapidamente para a porção mais pendente da cavidade sem formar estratos visíveis.

Este achado foi referido como o sinal de “tempestade de neve” [22]. O descolamento do endocisto do pericisto geralmente está relacionado à diminuição da pressão intracística, resposta do hospedeiro, degeneração, trauma ou resposta à terapia.

Na US o cisto pode aparecer como uma coleção fluida bem definida com uma divisão localizada na parede e “membranas flutuantes” no interior da cavidade. O completo descolamento das membranas dentro do cisto tem sido referido como o sinal do “lírio d'água” nos EUA. Nos EUA, a ultrassonografia é a modalidade mais sensível para a detecção de membranas, septos e focos ecogênicos dentro do cisto.

 

A Classificação de Gharbi é um sistema de estadiamento amplamente utilizado na Radiologia, especificamente para classificar os cistos hidáticos (hidatidose) encontrados no fígado por meio de ultrassonografia. A classificação, desenvolvida pelo Dr. Ismaël Gharbi em 1981, ajuda os médicos a determinar a fase evolutiva do cisto e, consequentemente, a melhor abordagem de tratamento (cirurgia, punção ou apenas observação).

A classificação divide os cistos em cinco tipos (ou estágios evolutivos), com base em suas características na imagem ultrassonográfica:

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Comparação com a Classificação da OMS

É importante notar que, embora a classificação de Gharbi ainda seja muito usada, a Classificação da OMS (Organização Mundial da Saúde - WHO-IWGE) é frequentemente aplicada como uma versão padronizada e atualizada. A OMS, essencialmente, refinou a classificação de Gharbi para facilitar o tratamento global.

classificação da equinococose cística do Grupo de Trabalho Informal sobre Equinococose da Organização Mundial da Saúde (OMS-IWGE) é usada para avaliar o estágio dos cistos hidáticos hepáticos  por ultrassonografia. É útil para decidir o tratamento adequado, dependendo do estágio do cisto.

Esta classificação, cuja última versão atualizada foi publicada em 2010, é atualmente (c. 2022) amplamente utilizada, juntamente com a classificação de Gharbi . A OMS-IGWE é muito semelhante à classificação de Gharbi, visto que Gharbi esteve envolvido em seu desenvolvimento.

Classificação

CE 1 (estágio ativo)

cisto anecóico unilocular com sinal de linha dupla.

ecos internos finos representam "areia hidática" (fluido e protoescólices originários de uma vesícula rompida), que podem ser visíveis somente após o reposicionamento do paciente.

CE 2 (estágio ativo)

cisto com múltiplas septações internas

septos representam paredes do(s) cisto(s) filho(s)  

descrito como multivesicular, roseta ou aparência de favo de mel 

CE 3 (estágio de transição: a evolução do aparecimento de cistos filhos dentro do cisto pai envolvente

3A : os cistos filhos apresentam membranas laminadas destacadas ( sinal do lírio d'água ) 

3B : cistos filhos dentro de uma matriz sólida 

CE 4 (inativo/degenerativo)

cisto com conteúdo hipoecoico e hiperecoico heterogêneo ( sinal da bola de lã )

ausência de cistos filhos 

CE 5 (inativo/degenerativo)

parede sólida e calcificada 

NB, "CE" = equinococose cística.

Tomografia ou Ressonância magnética

Em casos de pacientes com limitações diagnósticas pela US (obesidade, infecção secundária dos cistos e complicações em pacientes com cistos subdiafragmáticos), utiliza-se outros métodos tais como a ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC).

A TC é indicada nos casos em que o US falha devido às dificuldades relacionadas ao paciente ou complicações da doença. O exame possui alta sensibilidade e especificidade para doença hidática. A administração intravenosa do meio de contraste costuma ser realizada nesses casos, embora nem sempre necessária, a menos que haja suspeita de complicações, como infecção e comunicação com a árvore biliar. Os achados tomográficos sem contraste costumam ser cisto fluido com atenuação de líquido (3 a 20 UH), associados à calcificação da parede do cisto em forma anelar (calcificação do

pericisto) ou septos internos.

“Cistos filhos” se apresentam como estruturas redondas localizadas perifericamente dentro do cisto materno com fluido cujo coeficiente de atenuação é menor do que o líquido no “cisto mãe”.

Tomografia computadorizada (TC):

Melhor para fígado, pulmão e ossos.

Mostra cisto, calcificações, múltiplos compartimentos.

 

Ressonância magnética (RM):

Outro método de imagem de grande valia nos casos complicados e atípicos é ressonância magnética (RM), onde os cistos exibem borda de baixo sinal nas imagens ponderadas em T2. Este achado foi proposto como um sinal característico da doença hidática, provavelmente representa a camada externa do cisto hidático (pericisto), que é rico em colágeno. Quando presentes, “cistos filhos” são vistos como estruturas císticas ligadas à camada germinativa que são hipointensas em relação ao líquido intracístico na ponderação em T1 e hiperintensas nas imagens ponderadas em T2.

Membranas parasitárias colapsadas aparecem em imagens de RM como estruturas lineares torcidas dentro do cisto.  Embora a calcificação da parede do cisto seja representada com mais clareza na TC, as imagens da RM são superiores na demonstração de irregularidades da borda, essas irregularidades provavelmente representam descolamento incipiente das membranas.

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Raio-X de tórax:

Lesões císticas pulmonares arredondadas.

Sinais típicos quando há ruptura (ex.: “sinal da membrana descolada”).

A radiografia de abdome pode visualizar cistos calcificados (degenerados), porém não visualiza os chamados cistos viáveis que normalmente não apresentam depósito de cálcio em sua superfície. A calcificação é vista na radiografia em 20%–30% dos cistos hidáticos e geralmente se manifesta com padrão curvilíneo ou em forma de anel representando calcificação do pericisto. Durante a evolução natural para a cura, a calcificação de todos os componentes do cisto ocorre . Apesar de a morte do parasita não ser necessariamente indicada pela calcificação do pericisto, é implicado por calcificação completa do cisto.

3. Sorologia (exames laboratoriais)

ELISA para anticorpos contra Echinococcus → mais usado (sensibilidade variável: 80% no fígado, menor no pulmão).

Hemaglutinação indireta (HAI)

Imunoblot (Western blot) → mais específico.

Sorologia pode ser falso-negativa (cistos intactos, pulmonares) ou falso-positiva (outras parasitoses). A sorologia para o E. granulosus, hemaglutinação indireta e Imunoblotting (sensibilidade de 80–100% e especificidade de 88–96%). Geralmente, os testes sorológicos para equinococose costumam ter especificidade baixa.

4. Exames complementares

Hemograma: pode mostrar eosinofilia discreta (mas não é obrigatório).

Teste cutâneo de Casoni (antigo, hoje em desuso).

 

5. Diagnóstico diferencial

O cisto hidático (hidatidose / equinococose cística, causada por Echinococcus granulosus) pode simular várias outras lesões císticas em fígado, pulmão ou outros órgãos.

 

a. No fígado (local mais comum)

Cisto simples hepático (congênito, benigno, geralmente assintomático).

Abscesso hepático (piogênico ou amebiano – costuma ter febre e leucocitose).

Cistoadenoma / cistoadenocarcinoma biliar.

Neoplasias hepáticas com degeneração cística (carcinoma hepatocelular, metástases com necrose).

Doença policística hepática (hereditária, múltiplos cistos).

 

b. No pulmão

Abscesso pulmonar.

Bronquiectasias císticas.

Neoplasia pulmonar cavitada.

Cisto broncogênico.

Tuberculose pulmonar cavitária.

 

c. Em outros órgãos (menos frequentes)

Baço: cisto esplênico simples, abscesso esplênico.

Rim: cisto renal simples, carcinoma renal com necrose cística, abscesso renal.

Encéfalo: cisticercose (cisto de Taenia solium), astrocitoma cístico, abscesso cerebral.

Osso: tumor ósseo cístico, osteomielite crônica.

 

📌 Como diferenciar

História epidemiológica: contato com cães, áreas rurais ou endêmicas para Echinococcus.

Sorologia (ELISA, hemaglutinação, imunoblot) → auxilia, mas não é 100% sensível/específica.

Imagem → USG/TC/RM mostrando membranas descoladas, cistos filhos, calcificação da parede → achados sugestivos de hidatidose.

Punção: deve ser evitada (risco de anafilaxia e disseminação).

6. Complicações

Ruptura do cisto → reação alérgica grave, até anafilaxia.

Infecção bacteriana secundária → abscesso.

Compressão de estruturas vizinhas (ex.: colestase obstrutiva no fígado).

Fontes

https://radiopaedia.org/articles/who-iwgeclassification-of-cystic-echinococcosis

https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/issue/view/257

https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6197524/