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Atrofia Muscular Espinhal (AME): 

 

A atrofia muscular espinhal (AME), uma doença rara e grave, causada pela alteração do gene que codifica a proteína SMN (survival motor neuron), molécula necessária para a sobrevivência do neurônio motor, responsável pelo controle do movimento muscular1. A AME causa fraqueza, hipotonia, atrofia e paralisia muscular progressiva e possui incidência mundial aproximada de 1:10.000 nascidos vivos, dos quais cerca de 45% a 60% dos casos são AME do tipo 1, forma mais grave da doença, sendo a principal causa de mortalidade infantil decorrente de uma doença monogenética.

Clinicamente, a sua patogenia se manifesta por alterações no DNA, no locus do gene de sobrevivência do neurônio motor, localizado na região 5q11.2-13.3  do  cromossomo  5.  O locus  é  constituído  por  dois  genes  parálogos (classe  particular  de  homólogos  resultantes  da  duplicação  genômica): o gene de sobrevivência do neurônio motor 1 (SMN1), localizado na região telomérica    do cromossomo, e o gene de sobrevivência do neurônio motor 2 (SMN2), localizado na região centromérica. Os genes SMN1 e SMN2 são responsáveis pela síntese da Proteína  de  Sobrevivência  do  Neurônio  Motor  (SMN),  fundamental  para  a manutenção  dos  neurônios  motores. No Sistema  Nervoso  Central  (SNC),  os neurônios motores inferiores, localizados no corno anterior da medula espinhal, são os principais alvos da doença.  A falta da proteína SMN resulta em degeneração e   perda progressiva da função  desses neurônios, o que desencadeia todos os sinais e sintomas da doença.

 

A forma mais comum de AME resulta de mutações bialélicas no cromossomo 5q13 (AME 5q) do gene de sobrevivência do neurônio motor 1 (SMN1); desses casos de AME 5q, 95% são causados por deleções bialélicas, e o restante consiste em deleções hemizigóticas associada a uma mutação pontual no outro cromossomo. A transcrição do gene SMN1 produz transcriptos completos de RNA mensageiro (mRNA), que codificam a proteína SMN, necessária para a sobrevivência do neurônio motor. O gene SMN2 é idêntico ao SMN1, com exceção da substituição de Cistina por Timina na posição 840, que resulta na exclusão preferencial do éxon 7 da maior parte do produto da transcrição. A proteína truncada resultante não é funcional. Somente um pequeno percentual (ou seja, aproximadamente 10% a 15% do produto proteico do gene SMN2) se encontra na forma de proteína SMN funcional intacta. Assim, uma deleção ou mutação em ambas as cópias do gene SMN1 leva a uma menor expressão da proteína SMN. Os indivíduos com AME não têm um gene SMN1 que funcione normalmente e, por isso, dependem do gene SMN2; esse gene, porém, é ineficiente na produção de uma proteína SMN totalmente funcional, necessária para a sobrevivência do neurônio motor. O número de cópias do gene SMN2 é inversamente relacionado ao espectro fenotípico de gravidade clínica.

 

A classificação clínica da AME 5q é dada pela idade de início e máxima função motora adquirida, podendo ser classificada em quatro tipos1,3:

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 AME TIPO 1

A AME 5q tipo I tem início precoce e é a mais grave e também a mais comum, com 58% dos casos. Os pacientes apresentam hipotonia, controle insuficiente da cabeça, redução de reflexos ou arreflexia antes dos 6 meses de idade. Apresentam hipotonia profunda e geralmente nunca são capazes de se sentar sem auxílio. A fraqueza dos músculos intercostais é evidenciada pela observação de um padrão de respiração paradoxal do tipo abdominal, com a relativa preservação do diafragma, geralmente evoluindo para uma insuficiência respiratória antes dos 2 anos de vida. Fraqueza na deglutição e fasciculações de língua estão frequentemente presentes, e, à medida que a língua e os músculos faríngeos se enfraquecem, esses pacientes correm risco de aspiração. Apesar de todos estes sintomas, a cognição é normal. A AME 5q tipo I ainda pode ser subdividida em 1a, 1b e 1c. Indivíduos com AME 5q tipo 1a, também denominada AME 5q tipo 0, apresentam apenas uma cópia do gene SNM2 e nenhum marco de desenvolvimento. A doença tem início pré-natal, com sintomas de hipotonia e insuficiência respiratória imediatamente após o nascimento, e o exame físico revela arreflexia, diplegia facial, defeitos do septo interatrial e contraturas articulares, e evolui para o óbito neonatal precoce. A AME tipo 1b geralmente apresenta duas cópias do gene SNM2, com início dos sintomas antes dos 3 meses de idade, com controle cefálico pobre ou ausente, problemas respiratórios e alimentares, geralmente com evolução letal no segundo ou terceiro ano de vida. Pacientes com AME tipo 1c apresentam usualmente três cópias do gene, com aparecimento dos sintomas depois dos 3 meses, podendo apresentar controle cefálico e problemas respiratórios e alimentares que atingem um plateau nos primeiros 2 anos..

 

AME TARDIAS - TIPO 2, 3  E 4

A AME 5q tipo II corresponde a 29% dos casos, o tipo III afeta cerca de 13% dos portadores da mutação, enquanto o tipo IV atinge menos de 5% dos pacientes. De uma forma geral, os pacientes apresentam mais de três cópias de SMN2, com início dos sintomas após os 6 meses de vida. Nesses subtipos, a maioria dos pacientes alcança a vida adulta, com expectativa de vida variável entre os tipos. O alcance de marcos motores é bem distinto entre as classificações, sendo que o tipo II apresenta pior função motora e o tipo IV o melhor desenvolvimento motor. Outros sistemas orgânicos são, geralmente, preservados. Quando se aborda especificamente a AME tipo 2, a apresentação da doença ocorre entre os 6 e 18 meses de idades (geralmente por volta dos 15 meses). Geralmente, as crianças afetadas têm dificuldade em se sentar de forma independente e são incapazes de se levantar e de andar com um ano. A fraqueza muscular (quase sempre simétrica) afeta predominantemente as pernas e os músculos do tronco. Tremor dos dedos é frequente. São comuns a insuficiência respiratória, escoliose e fraturas em resposta ao mínimo trauma.

 

Como a AME 5q é uma doença genética, causada pela ausência homozigótica do éxon 7 e, eventualmente, do éxon 8 do gene SMN1, portanto, seu diagnóstico confirmatório é baseado em testes genéticos moleculares. De uma forma geral, não há necessidade de realização de biópsia muscular, eletromiografia ou mensuração dos níveis séricos de creatinoquinase (CK). O padrão ouro do teste genético para AME é uma análise quantitativa de SMN1 e SMN2, usando MLPA (do inglês, multiplex ligation-dependent probe amplification) ou qPCR (do inglês, quantitative polymerase chain reaction). A ausência das duas cópias completas de SMN1 (homozigose), comprovada por qPCR ou MLPA, confirmará o diagnóstico da AME 5q. Os pacientes com heterozigose composta (deleção em um alelo e mutação de ponto no outro alelo) ou mutação de ponto em homozigose (em casos de consanguinidade) deverão ser submetidos ao procedimento de identificação de mutação por sequenciamento por amplicon para confirmar o diagnóstico da AME 5q tipo I.

Para definir a classificação fenotípica da AME, alguns outros aspectos devem ser observados. A maioria dos pacientes com AME 5q tipo I apresenta duas cópias do gene SMN2 e esse é um importante fator de classificação da AME 5q, porém, isoladamente, não define o fenótipo. Além das cópias de SMN2, a idade no início da doença, função motora e respiratória devem ser avaliados. O número de cópias do gene SMN2 pode variar de zero a oito e está relacionado à gravidade da doença. A quantidade resultante de proteína SMN expressa por SMN2 é menor que os níveis produzidos por SMN1, havendo uma correlação entre o número de cópias de SMN2 e o fenótipo da doença. Vale destacar que essa relação não pode ser considerada rigidamente determinante, devido ao fato dos níveis de proteína SMN nos tecidos periféricos, como sangue e fibroblastos, serem variáveis e nem sempre se correlacionarem com o número de cópias de SMN2 e com os níveis de RNAm. Outro ponto a ser considerado é que pacientes com o mesmo número de cópias de SMN2 podem apresentar fenótipos muito diferentes, o que sugere o envolvimento de outros mecanismos relacionados à manifestação clínica e gravidade da AME. A literatura já discute a participação de modificadores genéticos, como PLS3, CORO1C e NCALD; além de mecanismos celulares como outros fatores que podem explicar o processo completo de patogênese da doença.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.  Conitec. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Atrofia Muscular Espinhal 5q Tipo 1. Relatório de Recomendação no. 492. 2019. Disponível em:< http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2019/Relatorio_PCDT_AME.pdf.>. Acesso em 19 de agosto de 2020

2. Calucho M, Bernal S, Alías L, March F, Venceslá A, Rodríguez-Álvarez FJ, Aller E, Fernández RM, Borrego S, Millán JM, Hernández-Chico C, Cuscó I, Fuentes-Prior P, Tizzano EF. Correlation between SMA type and SMN2 copy number revisited: An analysis of 625 unrelated Spanish patients and a compilation of 2834 reported cases. Neuromuscul Disord. 2018 Mar;28(3):208-215.