queenm med blue red2.png

Uso do Anticoagulante em paciente com Obesidade 

Considerações iniciais

O tratamento com anticoagulantes orais em pacientes com obesidade, especialmente aqueles com obesidade severa (IMC > 40 kg/m² ou peso > 120 kg), é um tema que gera discussão na medicina, principalmente pela falta de dados robustos em grandes estudos clínicos, já que essa população costuma ser sub-representada nesses ensaios. No entanto, as diretrizes e a prática clínica têm evoluído.

A obesidade pode impactar a forma como os anticoagulantes funcionam no corpo (farmacocinética e farmacodinâmica), o que levanta preocupações sobre a eficácia e a segurança, como:

Volume de distribuição aumentado: Em pacientes obesos, o volume de distribuição de alguns medicamentos pode ser maior, o que, teoricamente, poderia levar a concentrações sanguíneas mais baixas do medicamento e, consequentemente, a uma eficácia reduzida.

Absorção e metabolismo alterados: A absorção, o metabolismo e a eliminação dos medicamentos podem ser influenciados pela obesidade, embora esses efeitos variem entre os diferentes anticoagulantes.

Risco tromboembólico e hemorrágico: Pacientes obesos já apresentam um risco aumentado de eventos tromboembólicos (como trombose venosa profunda e embolia pulmonar) e, em alguns casos, também um risco maior de sangramento. Equilibrar esses riscos é crucial.

 

Tipos de anticoagulantes orais e a obesidade

Existem dois grupos principais de anticoagulantes orais:

Antagonistas da Vitamina K (AVK) - Warfarina:

A varfarina tem sido tradicionalmente utilizada em pacientes obesos.

No entanto, sua dosagem pode ser mais complexa devido à necessidade de monitoramento frequente do INR (Índice Internacional Normalizado) e ajustes de dose, além de interações com alimentos (ricos em vitamina K) e outros medicamentos.

Pacientes obesos podem precisar de doses mais altas e levar mais tempo para atingir o nível terapêutico da varfarina.

 

Anticoagulantes Orais Diretos (DOACs - apixabana, rivaroxabana, dabigatrana, edoxabana):

Os DOACs oferecem a vantagem de doses fixas e não exigem monitoramento de rotina do INR, o que os torna mais convenientes. Inicialmente, havia cautela em usar DOACs em pacientes com obesidade severa (IMC > 40 kg/m² ou peso > 120 kg) devido à falta de dados. No entanto, as diretrizes mais recentes têm se mostrado mais favoráveis ao uso de alguns DOACs nessa população.

Apixabana e Rivaroxabana: Estudos e consensos recentes indicam que a dose padrão de apixabana e rivaroxabana pode ser eficaz e segura para o tratamento e prevenção de tromboembolismo venoso e para a prevenção de AVC em fibrilação atrial, mesmo em pacientes com obesidade mórbida (IMC > 40 kg/m² ou peso > 120 kg). 

Pacientes obesos (IMC ≥ 40 kg/m² ou peso > 120 kg):

  • Estudos indicam que a exposição à rivaroxabana (área sob a curva e concentração plasmática) não é significativamente alterada em pacientes com obesidade.
  • As diretrizes da International Society on Thrombosis and Haemostasis (ISTH) sugerem que a rivaroxabana pode ser usada em pacientes obesos, mas com monitoramento clínico cuidadoso. Evitar DOACs (incluindo rivaroxabana), devido à falta de dados suficientes de eficácia e segurança, em pacientes com:
  • IMC ≥ 40 kg/m² ou
  • Peso > 120 kg
  • Nenhum ajuste formal de dose é necessário apenas pelo peso, mas se o paciente exceder 120 kg, é prudente considerar monitoramento ou DOACs alternativos (como apixabana ou até mesmo varfarina).

Dabigatrana e Edoxabana: Existem dados mais limitados para dabigatrana e edoxabana em pacientes com obesidade severa, e alguns profissionais ainda as utilizam com mais cautela ou preferem a varfarina nesses casos específicos. A dabigatrana, por exemplo, pode ter um risco aumentado de sangramento gastrointestinal em alguns pacientes.

 

Recomendações e considerações atuais

A decisão do anticoagulante e da dosagem deve ser individualizada, considerando o risco de trombose, o risco de sangramento, a função renal, o histórico do paciente e as características específicas de cada medicamento.

Para pacientes com obesidade menos severa (IMC até 40 kg/m² ou peso até 120 kg), os DOACs geralmente são recomendados nas doses padrão, de acordo com as indicações.

Para pacientes com obesidade severa (IMC > 40 kg/m² ou peso > 120 kg), as discussões ainda persistem, mas a tendência é que apixabana e rivaroxabana, em suas doses padrão, sejam cada vez mais consideradas.

Em alguns casos, principalmente se houver dúvidas sobre a absorção ou a resposta ao tratamento, o médico pode considerar a monitorização dos níveis plasmáticos do DOAC (anti-Xa para rivaroxabana e apixabana, ou tempo de trombina diluído para dabigatrana), embora não haja um consenso claro sobre os valores terapêuticos ideais para todos os DOACs em obesos.

A varfarina ainda é uma opção válida, principalmente se houver alguma preocupação com o uso de DOACs ou em casos em que a experiência do médico com DOACs em obesos é limitada. No entanto, a dificuldade de manter o INR na faixa terapêutica e as interações medicamentosas e alimentares devem ser levadas em conta.

É fundamental uma abordagem multidisciplinar, envolvendo o cardiologista, hematologista e, se necessário, um nutricionista ou especialista em obesidade para otimizar o tratamento.

 

 

 

Fontes

Martin K, et al. Use of direct oral anticoagulants in patients with obesity for treatment and prevention of venous thromboembolism: Updated communication from the ISTH SSC Subcommittee on Control of Anticoagulation. Journal of Thrombosis and Haemostasis, 2021;19(11):2670-2676.

Calkins, H., et al. J Am Coll Cardiol. 2023;82(16):e179-e396. E Circulation. 2023;148(16):e295-e463.

Blüher, M., et al."ESC Clinical Consensus Statement on obesity and cardiovascular disease: an executive summary." European Heart Journal.  2023, 44(28): 2588-2601.

Piran, S., & Eikelboom, J. W. "How I treat obese patients with oral anticoagulants." Blood.  2020, 136(2): 159-165.