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Tratamento da infecção por Acinetobacter

Considerações iniciais

Se NÃO for um Acinetobacter pan-resistente, ou seja, se ainda houver pelo menos 1 ou mais antibióticos sensíveis, o tratamento fica mais simples e mais seguro.
Os cenários reais e como conduzir dependendo do padrão de sensibilidade.

⭐ 1. Se for Acinetobacter sensível a carbapenêmicos

(Ex.: meropenem ou imipenem com MIC adequado)

→ Primeira escolha

  • Meropenem 1 g de 8/8h, podendo usar dose estendida (3h de infusão)
    ou
  • Imipenem 500 mg de 6/6h

👉 Carbapenêmicos ainda são as melhores opções quando funcionam.

 

⭐ 2. Se for carbapenem-resistente, mas sensível a ampicilina-sulbactam (sulbactam)

→ Primeira escolha

  • Ampicilina/sulbactam em dose alta
    3 g de 6/6h (ou 9–12 g de sulbactam/dia conforme gravidade)

👉 O Acinetobacter é um dos poucos germes onde sulbactam atua diretamente como antibiótico.

 

⭐ 3. Se for sensível a polimixina B ou colistina

(O MIC deve ser testado corretamente)

→ Pneumonia / sepse

  • Usar polimixina B, que penetra melhor no pulmão.

→ ITU

  • Usar colistina, que é excretada na urina.

Observação importante:
Se é sensível, polimixina pode até ser usada em monoterapia em infecção não complicada — mas em pneumonia grave geralmente associamos.

 

⭐ 4. Se for sensível a minociclina

Minociclina funciona bem contra muitos Acinetobacter MDR.

→ Pode usar:

  • Minociclina 200 mg ataque + 100 mg 12/12h (IV ou VO dependendo da situação)

 

⭐ 5. Se for sensível a tigeciclina

  • Útil para pneumonia, peritonite, infecções intra-abdominais.
  • Evitar em monoterapia em pneumonia grave.

Esquema:

  • 200 mg ataque + 100 mg 12/12h

 

⭐ 6. Se for sensível a cefepime, piperacilina-tazobactam, ceftazidima

Isso ocorre em casos menos resistentes, não no MDR clássico.

Tratamento:

  • Usar o antibiótico padrão para Gram negativos conforme o antibiograma.

 

⭐ 7. Se for sensível a quinolona (cipro/levo)

Isso é raro, mas ocorre em alguns isolados comunitários.

→ Pode usar quinolona isolada

  • Levofloxacino 750 mg/dia
  • Ciprofloxacino 400 mg IV 12/12h

 

⭐ 8. Se for sensível a cefiderocol

Mesmo que tenha outras opções, cefiderocol é hoje uma das melhores drogas contra Acinetobacter.

 

🧭 Resumo prático

Se tem pelo menos 1 antibiótico sensível → usar esse antibiótico como droga principal.

  • Sensível a carbapenêmico: meropenem
  • Sensível a sulbactam: ampicilina/sulbactam alta dose
  • Sensível a polimixina: polimixina B (pulmão) ou colistina (urina)
  • Sensível a minociclina/tigeciclina: usar conforme sítio
  • Sensível a cefepime/cefazidima/PTZ: usar conforme antibiograma
  • Sensível a quinolona: usar VO/IV conforme gravidade

 

👉 A terapia combinada só é necessária em casos de MDR grave ou choque séptico.

Acinetobacter pan-resistente

Quando um Acinetobacter baumannii (especialmente A. baumannii complexo) vem resistente a todos os antibióticos testados, estamos diante de um XDR ou PDR (pan-resistente) — uma das situações mais difíceis da infectologia.
A conduta depende do sítio da infecção, disponibilidade de fármacos e da avaliação da equipe de infectologia, mas abaixo estão os princípios atuais baseados em diretrizes IDSA/ESCMID e no que existe de efetivo para Acinetobacter extremamente resistente.

1. Confirmar se realmente é PDR

Antes de prescrever:

  • Revisar lista completa dos antibióticos testados e metodologia (disco-difusão, MIC).
  • Solicitar teste de CIM para drogas críticas (colistina, sulbactam, tigeciclina).
  • Confirmar se houve teste de cefiderocol (muitos laboratórios não fazem).
  • Repetir cultura se necessário.

Às vezes o antibiograma convencional NÃO inclui drogas importantes.

 

🩺 Estratégia prática quando o germe é PDR e o sítio é pulmonar

1. Repetir cultura + solicitar MIC correto (CIM) para:

  • Polimixina B
  • Colistina
  • Sulbactam
  • Cefiderocol
  • Minociclina
  • Tigeciclina

2. Se polimixina B sensível → iniciar imediatamente

Combinada com:

  • Tigeciclina alta dose
  • Sulbactam alto dose

✅ 2. Sítio da infecção: Pneumonia

Quando o sítio primário é pulmonar (pneumonia), o manejo do Acinetobacter baumannii XDR/PDR muda completamente — e piora, porque:

  • polimixina passa a ser uma das poucas drogas que realmente alcançam concentrações úteis no pulmão
  • mas Acinetobacter pan-resistente geralmente é resistente também às polimixinas
  • a mortalidade é muito maior em pneumonia do que em ITU

A seguir, o que realmente funciona segundo IDSA 2024 / ESCMID / prática em UTI:

⭐ 1. Polimixina no foco pulmonar

Polimixina B é a droga de escolha quando há sensibilidade

  • Melhor que colistina para pneumonia, porque atinge melhor o parênquima pulmonar.
  • Tem farmacocinética mais previsível.
  • Menos nefrotoxicidade que colistina.

Mas:

Se o MIC for resistente → nenhuma polimixina funciona
Disco-difusão NÃO serve — só microdiluição em caldo (CIM).

 

⭐ 2. Se o isolado for PDR (resistente à polimixina)

Aqui está o cenário mais crítico da infectologia moderna.
As opções reais:

🔥 OPÇÃO 1 — Cefiderocol (primeira escolha absoluta quando disponível)

É hoje o antibiótico mais eficaz contra Acinetobacter XDR/PDR, especialmente em pneumonia hospitalar/VAP.

  • Alta penetração pulmonar
  • Atividade mesmo contra clones carbapenem-resistentes
  • Usado em monoterapia OU em combinação se paciente estiver em choque séptico

Problema: disponibilidade limitada em muitos hospitais no Brasil.

 

🔥 OPÇÃO 2 — Sulbactam em MEGADOSE + outro agente

O único beta-lactâmico com efeito direto contra Acinetobacter.

Esquema usual em PDR:

  • Sulbactam alto-dose: 9–12 g/dia de sulbactam (não de ampicilina)
    Ex: ampicilina/sulbactam 3 g de 6/6 h (6 g de sulbactam/dia), podendo aumentar conforme função renal.

Geralmente combinado com:

  1. Tigeciclina em alta dose
    • 200 mg ataque + 100 mg 12/12h
  2. Meropenem mesmo com resistência (sinergia in vitro em choque séptico)
  3. Cefiderocol, se disponível
  4. Minociclina (alguns isolados têm sensibilidade não testada inicialmente)

 

🔥 OPÇÃO 3 — Tigeciclina (alta dose)

  • Precisa de dose elevada para pneumonia: 200 mg ataque + 100 mg 12/12h
  • Sempre em combinação, nunca em monoterapia.

 

🔥 OPÇÃO 4 — Sulbactam-Durlobactam

Droga nova (EUA 2023), altíssimo sucesso contra Acinetobacter carbapenem-resistente.
Ainda entrando lentamente no Brasil.

 

❗ OPÇÕES QUE NÃO FUNCIONAM PARA PNEUMONIA POR ACINETO PDR

❌ Colistina INALATÓRIA como monoterapia

Só tem função ADJUVANTE.
Sem antibiótico sistêmico ativo → mortalidade alta.

❌ Polimixina B se o MIC for resistente

Não atinge CIM terapêutica.

 

3. Se polimixina B for resistente (PDR verdadeiro):

ESQUEMA DE RESGATE PROVÁVEL:

  • Cefiderocol (se disponível)
    OU
  • Sulbactam MEGADOSE + Tigeciclina alta dose + Meropenem (sinergia, mesmo resistente)

Se em UTI com VAP muito grave:

  • Associar colistina inalatoria como adjuvante, não como tratamento principal.

4. Considerar transferência para centro com:

  • Cefiderocol
  • Sulbactam-durlobactam
  • Protocolo de terapia com bacteriófagos compassivos (último recurso)

📌 Resumo final

⭐ Se o foco é pulmonar e o germe é PDR, a polimixina só serve se o MIC mostrar sensibilidade.

❌ Se for resistente por MIC → polimixina não funciona.

⭐ Pneumonia por Acinetobacter PDR costuma ser tratada com:

  • Cefiderocol (melhor opção)
  • Sulbactam altas doses + tigeciclina alta dose
  • Combinação tripla em VAP grave

 

✅ 2. Sítio da infecção: INFECÇÃO URINÁRIA

trato urinário é um dos poucos sítios onde algumas drogas alcançam altas concentrações mesmo quando o MIC é elevado.

✅  Opções terapêuticas prioritárias (em ordem prática)

A) Cefiderocol (primeira escolha quando disponível)

  • É a droga mais ativa contra Acinetobacter XDR/PDR atualmente.
  • Idealmente usada em monoterapia, a menos que haja sepse grave.
  • Excreção urinária alta → boa escolha para ITU.

Problema: Não está disponível em muitos hospitais brasileiros.

 

B) Sulbactam em altas doses + outro agente

O Acinetobacter é um dos poucos germes onde sulbactam tem atividade bactericida direta.

Esquema usado em casos XDR:

  • Sulbactam em doses altas (9–12 g/dia de sulbactam)
    (usado na forma de ampicilina-sulbactam, ajustado para o sulbactam)

Geralmente combinado com:

  • Tigeciclina (alta dose)
  • Colistina (se sensível — mas aqui você disse resistente)
  • Meropenem em infecção grave mesmo com resistência → há sinergia in vitro, embora fraca.

 

C) Tigeciclina em alta dose

Para ITU isolada não costuma ser ótima (baixa excreção renal), mas em pielonefrite complicada ainda pode ajudar como combinação.

Esquema de alta dose:

  • 200 mg de ataque + 100 mg 12/12h

É parte frequente de terapia combinada em PDR.

 

D) Colistina

→ Apenas se houver sensibilidade.
Você relatou resistência, então não serve, mas vale confirmar se a CIM foi medida corretamente (na colistina disco-difusão não é válido).

 

E) Terapia combinada experimental / salvamento

Se o caso for verdadeiramente PDR:

  1. Cefiderocol + sulbactam em alta dose
  2. Tigeciclina alta dose + sulbactam
  3. Minociclina (às vezes há sensibilidade apesar de falha nos testes iniciais)
  4. TerapiA intravenosa + intravesical (em ITU baixa)
    • Colistina intravesical pode funcionar mesmo quando IV falha.

 

✅ 4. Contornar a resistência em ITU

Na infecção urinária, estratégias locais podem funcionar:

A) Terapia intravesical (via sonda)

Funciona para:

  • cistite complicada
  • retenção urinária
  • biofilme em sonda

Pode-se instilar:

  • colistina intravesical, mesmo com resistência sistêmica
  • gentamicina intravesical (pouco útil para Acinetobacter, mas às vezes funciona em combinações)

 

✅ 5. Terapias avançadas / hospitais de referência

Em casos verdadeiramente sem opções:

A) Terapia com bacteriófagos (phage therapy) — compassiva

Há casos publicados de sucesso para Acinetobacter XDR/PDR.
Disponível apenas em protocolos de pesquisa em alguns centros internacionais.

B) Sulbactam-durlobactam

Nova droga ativa contra Acinetobacter, aprovada nos EUA (2023).
A mais promissora para os próximos anos.
No Brasil, ainda não incorporada amplamente (varia conforme o hospital).

 

🟦 Resumo prático (manejo realista para BIO/BRASIL/UTI)

  1. Confirmar sensibilidade real → testar colistina e cefiderocol via CIM.
  2. Se o hospital tem cefiderocol → usar.
  3. Caso não tenha:
    • Sulbactam megadose + tigeciclina alta dose (ou meropenem para sinergia).
  4. Em ITU baixa complicada: considerar colistina intravesical mesmo com resistência sistêmica.
  5. Buscar suporte de infectologia + CCIH.
  6. Considerar transferência para centro com terapia avançada.

📌 Se você quiser, posso montar:

✔ um esquema terapêutico detalhado (com doses)
✔ algoritmo de decisão para ITU complicada por Acinetobacter PDR
✔ ou revisar o antibiograma específico do seu paciente se você mandar os dados.

Quer aprofundar?

Pode usar polimixina (colistina ou polimixina B) somente se houver sensibilidade real — mas isso precisa ser confirmado, porque Acinetobacter frequentemente apresenta resistência verdadeira e os testes convencionais (disco-difusão) não são confiáveis para polimixinas.

Vamos por partes:

✅ 1. Quando a polimixina PODE ser usada

Somente se o MIC de colistina ≤ 2 mg/L (critério EUCAST/CLSI).
Para isso, o laboratório precisa ter feito o teste de CIM por microdiluição em caldo, que é o único método válido.

Se o antibiograma apenas disser “R” baseado em disco → não confie, peça CIM.

❌ 2. Quando NÃO adianta usar polimixina

  • Se o Acinetobacter vier resistente por MIC → não funciona.
  • Se for uma infecção urinária alta (pielonefrite)polimixina B NÃO alcança rim (ela não é eliminada pela urina).
  • Colistina IV atinge urina, mas em concentrações variáveis — e pode falhar se MIC estiver alto.

🩺 3. No caso de infecção urinária, qual polimixina funciona melhor?

COLISTINA (CMS)

✔ É eliminada pelos rins → alcança concentrações urinárias altas.
✔ Pode ser útil em ITU baixa (cistite) e pielonefrite se MIC for adequado.

POLIMIXINA B

❌ NÃO é eliminada pela urina → não serve para ITU.
É usada só para infecções sistêmicas (pneumonia, bacteremia).

⚠️ 4. Mas no seu caso o isolado veio resistente a tudo

Ou seja:
Se confirmou resistência a polimixina por MIC → não deve usar.

Exceção possível:

❗ Colistina intravesical (por sonda)

Mesmo com resistência sistêmica, a aplicação direta na bexiga atinge níveis altíssimos e pode funcionar em:

  • cistite complicada
  • pacientes com sonda
  • biofilme
  • casos sem alternativa

Exemplo de esquema intravesical:
Colistina 3,5 mg (≈ 100.000 UI) em 100 mL de SF 0,9% 1–2x/dia, manter 1–2 horas.
(Este é um procedimento hospitalar, supervisionado por infectologista.)

🟦 Resumo final

➡ Se o MIC mostrar sensibilidade → pode usar colistina IV para ITU.

➡ Se realmente for resistente → não adianta usar, exceto forma intravesical em casos selecionados.

➡ Polimixina B NÃO serve para ITU.

Se quiser, posso analisar o antibiograma do seu paciente e te dizer exatamente se colistina é uma opção ou não. Quer enviar os valores?

Fontes

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