Tratamento da infecção por Acinetobacter
Considerações iniciais
Se NÃO for um Acinetobacter pan-resistente, ou seja, se ainda houver pelo menos 1 ou mais antibióticos sensíveis, o tratamento fica mais simples e mais seguro.
Os cenários reais e como conduzir dependendo do padrão de sensibilidade.
⭐ 1. Se for Acinetobacter sensível a carbapenêmicos
(Ex.: meropenem ou imipenem com MIC adequado)
→ Primeira escolha
👉 Carbapenêmicos ainda são as melhores opções quando funcionam.
⭐ 2. Se for carbapenem-resistente, mas sensível a ampicilina-sulbactam (sulbactam)
→ Primeira escolha
👉 O Acinetobacter é um dos poucos germes onde sulbactam atua diretamente como antibiótico.
⭐ 3. Se for sensível a polimixina B ou colistina
(O MIC deve ser testado corretamente)
→ Pneumonia / sepse
→ ITU
Observação importante:
Se é sensível, polimixina pode até ser usada em monoterapia em infecção não complicada — mas em pneumonia grave geralmente associamos.
⭐ 4. Se for sensível a minociclina
Minociclina funciona bem contra muitos Acinetobacter MDR.
→ Pode usar:
⭐ 5. Se for sensível a tigeciclina
Esquema:
⭐ 6. Se for sensível a cefepime, piperacilina-tazobactam, ceftazidima
Isso ocorre em casos menos resistentes, não no MDR clássico.
Tratamento:
⭐ 7. Se for sensível a quinolona (cipro/levo)
Isso é raro, mas ocorre em alguns isolados comunitários.
→ Pode usar quinolona isolada
⭐ 8. Se for sensível a cefiderocol
Mesmo que tenha outras opções, cefiderocol é hoje uma das melhores drogas contra Acinetobacter.
🧭 Resumo prático
Se tem pelo menos 1 antibiótico sensível → usar esse antibiótico como droga principal.
👉 A terapia combinada só é necessária em casos de MDR grave ou choque séptico.
Acinetobacter pan-resistente
Quando um Acinetobacter baumannii (especialmente A. baumannii complexo) vem resistente a todos os antibióticos testados, estamos diante de um XDR ou PDR (pan-resistente) — uma das situações mais difíceis da infectologia.
A conduta depende do sítio da infecção, disponibilidade de fármacos e da avaliação da equipe de infectologia, mas abaixo estão os princípios atuais baseados em diretrizes IDSA/ESCMID e no que existe de efetivo para Acinetobacter extremamente resistente.
✅ 1. Confirmar se realmente é PDR
Antes de prescrever:
Às vezes o antibiograma convencional NÃO inclui drogas importantes.
🩺 Estratégia prática quando o germe é PDR e o sítio é pulmonar
1. Repetir cultura + solicitar MIC correto (CIM) para:
2. Se polimixina B sensível → iniciar imediatamente
Combinada com:
✅ 2. Sítio da infecção: Pneumonia
Quando o sítio primário é pulmonar (pneumonia), o manejo do Acinetobacter baumannii XDR/PDR muda completamente — e piora, porque:
A seguir, o que realmente funciona segundo IDSA 2024 / ESCMID / prática em UTI:
⭐ 1. Polimixina no foco pulmonar
Polimixina B é a droga de escolha quando há sensibilidade
Mas:
❗ Se o MIC for resistente → nenhuma polimixina funciona
❗ Disco-difusão NÃO serve — só microdiluição em caldo (CIM).
⭐ 2. Se o isolado for PDR (resistente à polimixina)
Aqui está o cenário mais crítico da infectologia moderna.
As opções reais:
🔥 OPÇÃO 1 — Cefiderocol (primeira escolha absoluta quando disponível)
É hoje o antibiótico mais eficaz contra Acinetobacter XDR/PDR, especialmente em pneumonia hospitalar/VAP.
Problema: disponibilidade limitada em muitos hospitais no Brasil.
🔥 OPÇÃO 2 — Sulbactam em MEGADOSE + outro agente
O único beta-lactâmico com efeito direto contra Acinetobacter.
Esquema usual em PDR:
Geralmente combinado com:
🔥 OPÇÃO 3 — Tigeciclina (alta dose)
🔥 OPÇÃO 4 — Sulbactam-Durlobactam
Droga nova (EUA 2023), altíssimo sucesso contra Acinetobacter carbapenem-resistente.
Ainda entrando lentamente no Brasil.
❗ OPÇÕES QUE NÃO FUNCIONAM PARA PNEUMONIA POR ACINETO PDR
❌ Colistina INALATÓRIA como monoterapia
Só tem função ADJUVANTE.
Sem antibiótico sistêmico ativo → mortalidade alta.
❌ Polimixina B se o MIC for resistente
Não atinge CIM terapêutica.
3. Se polimixina B for resistente (PDR verdadeiro):
ESQUEMA DE RESGATE PROVÁVEL:
Se em UTI com VAP muito grave:
4. Considerar transferência para centro com:
📌 Resumo final
⭐ Se o foco é pulmonar e o germe é PDR, a polimixina só serve se o MIC mostrar sensibilidade.
❌ Se for resistente por MIC → polimixina não funciona.
⭐ Pneumonia por Acinetobacter PDR costuma ser tratada com:
✅ 2. Sítio da infecção: INFECÇÃO URINÁRIA
O trato urinário é um dos poucos sítios onde algumas drogas alcançam altas concentrações mesmo quando o MIC é elevado.
✅ Opções terapêuticas prioritárias (em ordem prática)
A) Cefiderocol (primeira escolha quando disponível)
Problema: Não está disponível em muitos hospitais brasileiros.
B) Sulbactam em altas doses + outro agente
O Acinetobacter é um dos poucos germes onde sulbactam tem atividade bactericida direta.
Esquema usado em casos XDR:
Geralmente combinado com:
C) Tigeciclina em alta dose
Para ITU isolada não costuma ser ótima (baixa excreção renal), mas em pielonefrite complicada ainda pode ajudar como combinação.
Esquema de alta dose:
É parte frequente de terapia combinada em PDR.
D) Colistina
→ Apenas se houver sensibilidade.
Você relatou resistência, então não serve, mas vale confirmar se a CIM foi medida corretamente (na colistina disco-difusão não é válido).
E) Terapia combinada experimental / salvamento
Se o caso for verdadeiramente PDR:
✅ 4. Contornar a resistência em ITU
Na infecção urinária, estratégias locais podem funcionar:
A) Terapia intravesical (via sonda)
Funciona para:
Pode-se instilar:
✅ 5. Terapias avançadas / hospitais de referência
Em casos verdadeiramente sem opções:
A) Terapia com bacteriófagos (phage therapy) — compassiva
Há casos publicados de sucesso para Acinetobacter XDR/PDR.
Disponível apenas em protocolos de pesquisa em alguns centros internacionais.
B) Sulbactam-durlobactam
Nova droga ativa contra Acinetobacter, aprovada nos EUA (2023).
A mais promissora para os próximos anos.
No Brasil, ainda não incorporada amplamente (varia conforme o hospital).
🟦 Resumo prático (manejo realista para BIO/BRASIL/UTI)
📌 Se você quiser, posso montar:
✔ um esquema terapêutico detalhado (com doses)
✔ algoritmo de decisão para ITU complicada por Acinetobacter PDR
✔ ou revisar o antibiograma específico do seu paciente se você mandar os dados.
Quer aprofundar?
Pode usar polimixina (colistina ou polimixina B) somente se houver sensibilidade real — mas isso precisa ser confirmado, porque Acinetobacter frequentemente apresenta resistência verdadeira e os testes convencionais (disco-difusão) não são confiáveis para polimixinas.
Vamos por partes:
✅ 1. Quando a polimixina PODE ser usada
Somente se o MIC de colistina ≤ 2 mg/L (critério EUCAST/CLSI).
Para isso, o laboratório precisa ter feito o teste de CIM por microdiluição em caldo, que é o único método válido.
Se o antibiograma apenas disser “R” baseado em disco → não confie, peça CIM.
❌ 2. Quando NÃO adianta usar polimixina
🩺 3. No caso de infecção urinária, qual polimixina funciona melhor?
COLISTINA (CMS)
✔ É eliminada pelos rins → alcança concentrações urinárias altas.
✔ Pode ser útil em ITU baixa (cistite) e pielonefrite se MIC for adequado.
POLIMIXINA B
❌ NÃO é eliminada pela urina → não serve para ITU.
É usada só para infecções sistêmicas (pneumonia, bacteremia).
⚠️ 4. Mas no seu caso o isolado veio resistente a tudo
Ou seja:
→ Se confirmou resistência a polimixina por MIC → não deve usar.
Exceção possível:
❗ Colistina intravesical (por sonda)
Mesmo com resistência sistêmica, a aplicação direta na bexiga atinge níveis altíssimos e pode funcionar em:
Exemplo de esquema intravesical:
Colistina 3,5 mg (≈ 100.000 UI) em 100 mL de SF 0,9% 1–2x/dia, manter 1–2 horas.
(Este é um procedimento hospitalar, supervisionado por infectologista.)
🟦 Resumo final
➡ Se o MIC mostrar sensibilidade → pode usar colistina IV para ITU.
➡ Se realmente for resistente → não adianta usar, exceto forma intravesical em casos selecionados.
➡ Polimixina B NÃO serve para ITU.
Se quiser, posso analisar o antibiograma do seu paciente e te dizer exatamente se colistina é uma opção ou não. Quer enviar os valores?
Fontes
Tamma PD, Heil EL, Justo JA, Mathers AJ, Satlin MJ, Bonomo RA. Infectious Diseases Society of America 2024 Guidance on the Treatment of Antimicrobial-Resistant Gram-Negative Infections. Clin Infect Dis. 2024.
Rafailidis P, Panagopoulos P, Koutserimpas C, Samonis G. Current Therapeutic Approaches for Multidrug-Resistant and Extensively Drug-Resistant Acinetobacter baumannii Infections. Antibiotics (Basel). 2024 Mar 15;13(3):261. doi: 10.3390/antibiotics13030261. PMID: 38534696; PMCID: PMC10967523.
Zhan Y, Mao W, Zhao C, Lu D, Chen C, Hu W, Yang Q. Comparison of cefiderocol and colistin-based regimens for the treatment of severe infections caused by carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii: a systematic review with meta-analysis and trial sequential analysis. BMC Infect Dis. 2024 Sep 13;24(1):967. doi: 10.1186/s12879-024-09899-5. Erratum in: BMC Infect Dis. 2024 Oct 1;24(1):1086. doi: 10.1186/s12879-024-09979-6. PMID: 39271977; PMCID: PMC11395218.
Kaye KS, Shorr AF, Wunderink RG, et al. Efficacy and safety of sulbactam–durlobactam versus colistin for the treatment of patients with serious infections caused by Acinetobacter baumannii-calcoaceticus complex. Lancet Infect Dis. 2023;23(9):1072-1084.
Falagas ME, Romanos LT, Ragias D, Filippou C. Resistance of Acinetobacter baumannii Complex Clinical Isolates to Sulbactam–Durlobactam: A Systematic Review of Data from In Vitro Studies. Pathogens. 2025;14(10):1062. doi:10.3390/pathogens14101062
Oliva A, et al. Clinical effectiveness of cefiderocol for the treatment of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii infections: real-world data. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2024.
Choi SJ, et al. Optimizing Treatment for Carbapenem-Resistant Acinetobacter baumannii Infections: Recent Advances. Infect Chemother. 2024.
Zhang S, et al. Treatment of infections caused by carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii: current and emerging options. Front Cell Infect Microbiol. 2024;14:1395260.
Halim J, et al. Synergistic cefiderocol-containing antibiotic combinations against XDR and PDR Acinetobacter baumannii. J Antimicrob Chemother. 2025.
Fu C, et al. Sulbactam-durlobactam combination therapy for Acinetobacter baumannii infection: pharmacological and in vivo evidence. Front Pharmacol. 2025;16:1633982.
Velmurugan H. Sulbactam-Durlobactam: A Novel Drug for the Treatment of Acinetobacter baumannii Infections. Infect Dis Drug Targets. 2024.
Satlin MJ, et al. Turning the Tide Against Carbapenem-resistant Acinetobacter: Recent Advances and Future Directions. Open Forum Infect Dis. 2025.