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TRATAMENTO DE ESPONDILODISCITE  INFECCIOSA

Considerações iniciais

A espondilodiscite infecciosa, também denominada de osteomielite vertebral, é uma doença que ocorre principalmente em homens acima de 50 anos e afeta o disco intervertebral e as vértebras adjacentes com possibilidade de propagar-se para os tecidos paraespinhais e canal medular gerando complicações graves.

Apesar da possibilidade de afetar isoladamente o disco intervertebral (discite) ou a vértebra (espondilite), o termo espondilodiscite infecciosa é o mais empregado por englobar as duas formas. Acredita-se que a discite ou a espondilite representem apenas momentos distintos do mesmo processo infeccioso sem implicações clínicas ou terapêuticas diferentes.

De acordo com o agente etiológico, a espondilodiscite infecciosa pode ser classificada em piogênica (bacteriana), granulomatosa (tuberculosa, brucelar, fúngica) e parasitária, sendo a maioria monomicrobiana.

Correspondendo de um a sete por cento de todos os casos de osteomielite e a principal forma de infecção óssea hematogênica em pacientes acima de 50 anos, a espondilodiscite piogênica (EP) é uma doença relativamente rara.

A base do tratamento é, na maioria dos pacientes, conservadora (antibióticos, fisioterapia e órtese) com uma eficácia entre 73% e 90% .  As abordagens cirúrgicas são em regra reservadas para situações de complicações infecciosas e necessárias em 25% a 55% dos casos. Na literatura, os estudos que comparam as duas modalidades terapêuticas (conservadora versus cirúrgica) mostram que existe até algum beneficio da cirurgia a curto prazo (melhora a dor e mobilidade com ganhos neurológicos ou funcionais), embora a longo prazo parece não haver uma vantagem adicional na conduta invasiva. Deve-se mencionar que os procedimentos cirúrgicos não são isentos de riscos.

As possíveis complicações incluem anemia, infecção do sítio cirúrgico, deiscência, sepse, bacteremia, piora neurológica, trombose venosa profunda, progressão da deformidade, dor crônica, falha de fusão óssea, fratura e soltura dos implantes. Aspecto importante também deve ser dado à compensação das comorbidades clínicas (diabetes mellitus, desnutrição ou imunossupressão) e ao controle da dor. Embora seja indicado um repouso relativo na fase inicial, não se recomenda mais a restrição prolongada pelo risco de trombose e pneumonia aspirativa.

 

Escolha do antimicrobiano

Em linhas gerais, o tratamento antimicrobiano deve ser iniciado apenas após resultado das culturas, pois envolve um curso de terapia prolongada e é seguro, na maioria das situações, aguardar o resultado dos exames microbiológicos.  A terapia antimicrobiana dirigida ao patógeno específico permite uma redução nos custos do tratamento, nas taxas de eventos adversos como as infecções pelo Clostridium difficile, na recorrência infecciosa e na emergência de organismos multirresistentes. Tradicionalmente, a terapia antimicrobiana direcionada envolve um curso de tratamento endovenoso em regime hospitalar seguido de sua manutenção ambulatorial oral, embora, nos últimos anos, observa-se uma tendência de administração parenteral em esquema de hospital-dia e de uma conversão precoce para via oral como resultado da pressão por leitos hospitalares e desejo do paciente. No entanto, em condições ameaçadoras à vida (instabilidade hemodinâmica, sepse e na presença de sintomas neurológicos graves e progressivos), o tratamento empírico deve ser iniciado precocemente sempre após coleta das hemoculturas.

O esquema empírico deve incluir antibióticos que atuam contra estafilococos (incluindo ORSA), estreptococos e bacilos Gram-negativos, sendo dispensada a cobertura inicial contra anaeróbios, fungos, brucelose ou micobactérias. As opções sugeridas por diretrizes para cobertura empírica incluem a combinação da vancomicina com cefalosporinas de terceira ou quarta geração ou, nos casos de alergia ou intolerância, a associação entre a daptomicina e quinolonas . Há referências ainda de eficácia no uso empírico de altas doses de quinolonas (levofloxacina 500 mg a cada doze horas) com rifampicina (600 mg ao dia) em localidades com baixa resistência às quinolonas, agregando o espectro amplo dessa associação, a ação intracelular, a excelente biodisponibilidade no sítio ósseo e a facilidade de continuação do tratamento por via oral.

Ressalta-se que o papel da terapia combinada com a rifampicina para o tratamento das infecções por Staphylococcus aureus ainda não é bem claro e precisa de mais estudos para chegar a uma conclusão definitiva, embora há uma tendência de uso nas infecções associadas a implantes por agir no biofilme.

Uma vez definido o resultado da cultura com o antibiograma, deve-se priorizar o uso do antibiótico sensível de maior capacidade de penetração óssea, melhor posologia e com perfil de toxicidade mais favorável. Em uma revisão recente sobre o tema, a maioria dos antimicrobianos atinge bem o sítio ósseo, incluindo amoxicilina, cefalosporinas (todas as quatro gerações), carbapenêmicos (sem dados sobre imipenem), vancomicina, linezolida, daptomicina, clindamicina, sulfametoxazol-trimetoprima e rifampicina.

Reconhece-se, por exemplo, que, em situações de isquemia, alguns antibióticos, como a vancomicina, têm a sua penetração prejudicada

A capacidade de difusão óssea deve ser confrontada com a biodisponibilidade oral do fármaco. Os antibióticos com boa biodisponibilidade oral incluem as fluorquinolonas, linezolida, rifampicina, sulfametoxazol-trimetoprima e metronidazol. A utilização desses medicamentos permite uma conversão mais precoce da via endovenosa para oral sem comprometer a eficácia do tratamento

Microorganismo                                                          

Agentes Gram-positivo e Gram-negativo.       

    Vancomicina + cefalosporina de 3ª ou 4ª geração.

    Observações Considerar a microbiota hospitalar nas infecções pós-operatórias.

 

Staphylococcus spp., sensível à oxacilina.

  •  Primeira escolha : Oxacilina 2 g EV a cada 4 – 6 horas ou Ceftriaxona 2 g EV uma vez ao dia ou Cefazolina 1 - 2 g EV a cada 8 horas.
  •  Esquema alternativo:   Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas ou Daptomicina 6 – 8 mg/Kg EV uma vez ao dia ou Linezolida 600 mg VO ou EV a cada 12 horas ou Levofloxacina 500 – 750 mg VO ou EV uma vez ao dia com rifampicina 600 mg VO ao dia ou Clindamicina 600 – 900 mg EV a cada 8 horas.
  •  Vancomicina deve ser empregado em pacientes com alergia documentada aos β-lactâmicos. Considerar no emprego da vancomicina dose de ataque (25 – 30 mg/Kg) nos pacientes graves e a monitorização dos níveis séricos com o objetivo de atingir no vale entre 15 – 20 mg/l.

 

Staphylococcus spp., resistente à oxacilina.

  •  Primeira escolha : Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas ou Teicoplanina 12 mg/Kg EV uma vez ao dia após dose de ataque.
  •  Esquema alternativo : Daptomicina 6 – 8 mg/Kg EV uma vez ao dia ou Linezolida 600 mg VO ou EV a cada 12 horas ou Levofloxacina 500 – 750 mg VO ou EV uma vez ao dia com rifampicina 600 mg VO uma vez ao dia.
  •  Considerar no uso da vancomicina dose de ataque (25 – 30 mg/Kg) nos pacientes graves e a monitorização dos níveis séricos com o objetivo de atingir no vale entre 15 – 20 mg/l.

 

Enterococcus spp. sensível às penicilinas.

  •  Primeira escolha : Penicilina G cristalina 20 – 24 milhões de unidades EV ao dia continuamente ou dividida a cada 4 horas ou Ampicilina 2 g EV a cada 4 horas.
  •  Esquema alternativo:    Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas ou Daptomicina 6 – 8 mg/Kg EV uma vez ao dia ou Linezolida 600 mg VO ou EV a cada 12 horas.
  • Considerar terapia combinada com aminoglicosídeos por 4 – 6 semanas em pacientes com endocardite infecciosa ou nas infecções associadas de corrente sanguínea.
  •   Vancomicina deve ser empregada em pacientes com alergia documentada aos β-lactâmicos. Considerar no uso da vancomicina dose de ataque (25 – 30 mg/Kg) nos pacientes graves e a monitorização dos níveis séricos com o objetivo de atingir no vale entre 15 – 20 mg/l.

 

Enterococcus spp. resistente às penicilinas.

  • Primeira escolha: Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas
  • Esquema alternativo : Daptomicina 6 – 8 mg/Kg EV uma vez ao dia ou Linezolida 600 mg VO ou EV a cada 12 horas.

 

Streptococcus spp.

  • Primeira escolha :  Penicilina G 20 – 24 milhões de unidades EV ao dia continuamente ou dividida a cada 4 horas ou Ceftriaxona 2 g EV uma vez ao dia.
  •  Esquema alternativo: Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas. Vancomicina deve ser empregada em pacientes com alergia documentada aos β-lactâmicos

 

Enterobacteriaceae.

  •  Primeira escolha :  Ceftriaxona 2 g EV uma vez ao dia ou Cefepima 2 g EV a cada 12 horas ou Ertapenem 1 g EV uma vez ao dia.
  • Esquema alternativo : Ciprofloxacina 400 mg EV a cada 8 - 12 horas ou 500 – 750 mg VO a cada 12 horas. 

 

Pseudomonas aeruginosa.

  • Primeira escolha:   Cefepima 2 g EV a cada 8 – 12 horas ou Piperacilinatazobactam 4,5 g EV a cada 6 – 8 horas ou Meropenem 1 g EV a cada 8 horas ou Imipenem 500 mg EV a cada 6 horas. Ciprofloxacina 400 mg EV a cada 8 horas ou 750 mg VO a cada 12 horas ou  Ceftazidima 2 g EV a cada 8 horas.
  • Terapia combinada pode ser considerada nas infecções mais graves (β-lactâmico e ciprofloxacina ou β-lactâmico e aminoglicosídeos).

 

Cutibacterium acnes.

  •  Primeira escolha : Penicilina G 20 milhões de unidades EV ao dia continuamente ou dividida a cada 4 horas ou Ceftriaxona 2 g EV uma vez ao dia.
  • Esquema alternativo : Clindamicina 600 – 900 mg EV a cada 8 horas ou Vancomicina 15 – 20 mg/Kg EV a cada 12 horas.  Vancomicina deve ser empregada em pacientes com alergia documentada aos β-lactâmicos.

 

Salmonella spp.

  •   Ciprofloxacina 400 mg EV a cada 8 - 12 horas ou 500 – 750 mg VO a cada 12 horas. Ceftriaxona 2 g EV uma vez ao dia se resistência ao ácido nalidíxico.

Duração do tratamento

No tratamento da EP, historicamente costuma-se adotar um regime de tratamento antimicrobiano prolongado em decorrência da limitada difusão óssea dos antimicrobianos, da necessidade de várias semanas para o osso se revascularizar e do aumento da recorrência infecciosa nos estudos inicais que adotaram esquemas de tratamento mais curtos. Entretanto, recentemente, vêm se acumulando evidências favoráveis aos regimes mais curtos com dados mostrando que a maioria dos pacientes cura com seis semanas de antibioticoterapia.

É importante frisar que não foi possível definir com clareza se há algum subgrupo que se beneficie de um tratamento mais prolongado, porém foi observado que pacientes idosos (≥ 75 anos) e portadores de infecção por Staphylococcus aureus apresentaram maior risco de falha terapêutica.

Pacientes com espondilodiscite hematogênica e, após identificar os fatores associados à recorrência infecciosa (abscesso paravertebral e de psoas não drenados, insuficiência renal crônica em estágio avançado e infecção por Staphylococcus aureus resistente à oxacilina), concluíram que os pacientes com alto risco de recorrência foram beneficiados de um tratamento antimicrobiano prolongado (≥ oito semanas).

Em virtude desses dados, há pesquisadores que recomendam uma terapia mais prolongada (superior a oito semanas) em pacientes com alto risco de falha (infecções por ORSA e extensas), pesando sempre a possibilidade de eventos adversos associados ao uso prolongado de antibióticos (colonização por germes multirresistentes e colitepseudomembranosa).

Alguns especialistas advogam que as evidências científicas atuais permitem com segurança tratar as espondilodiscites hematogênicas não complicadas com seis semanas de tratamento antimicrobiano, sendo duas por via endovenosa e quatro por via oral.

Fato é que se deve também levar em consideração para a descontinuidade do tratamento antimicrobiano a resolução ou melhora significativa dos sintomas e das provas de atividade inflamatória. Ressalta-se ainda que o momento ideal da conversão para terapia oral não é bem estabelecido e depende da funcionalidade do trato digestivo do paciente, da biodisponibilidade oral do antibiótico, dos parâmetros clínicos e laboratoriais e da ausência de grandes coleções não drenadas.

 

Tratamento cirúrgico

Os objetivos da cirurgia são remover o foco séptico através de um desbridamento  agressivo com eventual drenagem de abscessos, coletar material para cultura eestabilizar a área afetada por meio de fixação com ou sem instrumentação, prevenindo ou melhorando o déficit neurológico e proporcionando uma rápida recuperação pós-operatória.

Indicações

As condições associadas a um alto risco de recorrência com o tratamento conservador. Entre essas indicações, destaca-se como uma emergência cirúrgica a compressão medular que apresenta um prognóstico pior se for realizada após 24 a 36 horas. Cabe salientar que a existência de sinais e/ou sintomas neurológicos não indica obrigatoriamente a necessidade de abordagem cirúrgica uma vez que, dependendo da apresentação, é possível com tratamento conservador obter uma melhora neurológica.

Com relação ao melhor momento para realização do procedimento cirúrgico, exceto em situações de emergência, não há um consenso sobre esse ponto, embora especula-se que uma abordagem cirúrgica mais precoce seja capaz de prevenir a deterioração neurológica e o surgimento de complicações, conferindo melhor prognóstico.

      Principais indicações cirúrgicas na espondilodiscite piogênica.

- Falha de resposta ao tratamento conservador, caracterizada pela progressão ou recorrência da infecção, persistência da bacteremia e manutenção ou piora da dor a despeito de uma antibioticoterapia apropriada;

- Sinais de instabilidade (colapso do corpo vertebral maior que 50% ou deformidade cifótica maior que 11-15 graus ou translação maior que cinco milímetros);

- Abscessos epidurais e parespinhais, sobretudo ≥ 2,5 cm;

 - Desenvolvimento de déficit neurológico ou sintomas de compressão medular;

- Deformidade significativa ou em progressão;

- Dor intratável;

- Sepse;

- Outras: envolvimento panvertebral e falha no sistema de fixação nas esponilodiscites pós-operatórias.

 

Importante é que, na prática clínica, há situações em que há uma clareza sobre a realização da cirurgia, porém é possível que existam pacientes que não se enquadram nessas definições e que possam se beneficiar de um procedimento invasivo.  Por outro lado, na presença de implantes de fixação interna, em que há a formação de biofilmes, nota-se uma tendência para a realização de cirurgia, envolvendo o desbridamento radical, remoção do dispositivo de fixação e fusão do segmento espinhal infectado. É reconhecido que a formação de biofilmes prejudica a resposta ao tratamento, sendo muitas vezes necessária a retirada desses materiais para debelar a infecção. No entanto, estudos sugerem que o tratamento antimicrobiano adequado e iniciado precocemente possa ser capaz de curar o paciente sem a necessidade de remoção do implante.

Fontes

https://rmmg.org/artigo/detalhes/227#:~:text=Espondilodiscite%20%C3%A9%20um%20processo%20inflamat%C3%B3rio,dor%20lombar%20na%20popula%C3%A7%C3%A3o%20geral.

https://drwilliamzarza.com.br/espondilodiscite/

https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/02/879433/espondilodiscite-dificuldades-diagnosticas.pdf

http://icts.unb.br/jspui/bitstream/10482/42246/1/2021_GuilhermeJos%C3%A9daN%C3%B3bregaDanda.pdf