Acidente vascular encefálico (AVCi) leve ou um ataque isquêmico transitório (AIT) de alto risco - Manejo
Considerações iniciais
A suspeita de ataque isquêmico transitório (AIT) ou acidente vascular cerebral (AVC) menor é uma apresentação relativamente comum em departamentos de emergência e clínicas de atenção primária. A nomenclatura em torno do AIT é inconsistente, o que pode causar confusão. No entanto, duas definições são comumente usadas. Uma é baseada no tempo (ou seja, resolução dos sintomas em 24 horas) e a outra é baseada na aparência do tecido (ou seja, ausência de infarto na ressonância magnética [RM]). Uma proposta recente argumenta que não é importante diferenciar o AIT do AVC menor, dada a sua fisiopatologia comum, as investigações e o tratamento sugeridos, quando a trombólise ou a trombectomia não são indicadas. A síndrome cerebrovascular isquêmica aguda foi proposta como um termo que engloba tanto o AIT quanto o AVC menor.
Independentemente da nomenclatura, os médicos devem distinguir eventos isquêmicos cerebrais de diagnósticos diferenciais de AVC (ou seja, diagnósticos que podem se assemelhar a um AIT ou AVC menor) e iniciar medidas de prevenção de AVC em pacientes de risco. Cerca de metade dos diagnósticos iniciais de AIT ou AVC menor são , em última análise , diagnosticados como diagnósticos diferenciais de AVC.
Uma vez diagnosticado o paciente com AIT ou AVC menor, uma série de investigações e avaliações é necessária para determinar a causa, pois isso define o tratamento. Fazer um diagnóstico preciso e identificar pacientes de alto risco em tempo hábil é fundamental para diminuir a probabilidade de um evento subsequente. Discutimos a investigação e o tratamento da síndrome cerebrovascular isquêmica aguda com base em evidências recentes de alta qualidade, posicionamentos e diretrizes oficiais.
As diretrizes atuais de AVC recomendam alteplase IV para pacientes com AVC isquêmico agudo dentro de 4,5 horas após o início dos sintomas com base nas publicações NINDS e ECASS III. Tanto o NINDS quanto o ECASS III excluíram pacientes com sintomas leves de AVC, mas falharam em definir claramente um limiar para AVC leve. Muitos pacientes, no entanto, terão AVC minor (definidos como uma pontuação NIHSS ≤5). Nesse grupo de pacientes, o uso de alteplase representa uma linha tênue de benefício potencial (resultados funcionais) versus dano potencial (hemorragia intracraniana sintomática).
A terapia antiplaquetária dupla (DAPT) com 300mg clopidogrel + 100mg aspirina no primeiro dia, seguido de 75mg clopidogrel + 100mg aspirina por 21 dias.
Como é diagnosticado um ataque isquêmico transitório ou um acidente vascular cerebral menor?
O diagnóstico de AIT ou AVC menor pode ser desafiador e começa com uma anamnese cuidadosa e focada. Classicamente, um AIT ou AVC menor se apresenta com início súbito de perda de função. Fraqueza unilateral, afasia ou disartria estão fortemente associadas a uma alta probabilidade de AIT ou AVC menor. Os sintomas geralmente não são progressivos, repetitivos, estereotipados ou sequenciais (por exemplo, começando no rosto, depois passando para o braço e, em seguida, para a perna). Embora sintomas de gagueira, cuja intensidade flutua ao longo de algumas horas, possam ocorrer em AVCs lacunares de pequenos vasos, não se espera que durem mais de 24 horas. Os sintomas geralmente são negativos em vez de positivos; por exemplo, envolvem perda de visão em vez de flashes de luz, ou perda de sensibilidade em vez de choques elétricos.
O diagnóstico é desafiador quando as informações são incompletas (por exemplo, devido a discordância linguística ou memória fraca) ou quando os pacientes apresentam uma combinação de características típicas e atípicas. Estudos recentes sugerem que os médicos podem ser menos propensos a diagnosticar AIT ou AVC menor em mulheres que apresentam sintomas atípicos do que em homens, embora as mulheres tenham a mesma probabilidade de apresentar isquemia cerebral. Mesmo eventos transitórios de baixo risco podem estar associados a infarto na ressonância magnética; um estudo de coorte recente encontrou uma taxa de 13,5%. 1
Diagnóstico diferencial
Os diagnósticos diferenciais comuns de AIT ou AVC menor incluem enxaqueca, vertigem periférica, síncope, somatização e convulsão. Os sintomas mais comuns em pacientes com diagnósticos diferenciais de AVC incluem perda de consciência, vertigem, sintomas bilaterais e confusão. Como os recursos disponíveis para estratificar o risco de AVC subsequente com urgência são limitados, os médicos devem considerar cuidadosamente outros diagnósticos antes de iniciar tais investigações.
O escore canadense de AIT (Acidente Isquêmico Transitório) contém 13 variáveis clínicas ou de investigação básica às quais são atribuídos pesos diferentes. Calculadoras gratuitas estão disponíveis em aplicativos para celular, como o aplicativo Ottawa Rule, para auxiliar os médicos. O escore canadense de AIT apresentou desempenho superior aos escores ABCD2 (idade, pressão arterial, características clínicas, duração dos sintomas e diabetes) e ABCD2i (idade, pressão arterial, características clínicas, duração dos sintomas, diabetes e infarto), que são ferramentas relativamente simples e amplamente reconhecidas (índice absoluto de reclassificação líquida, que quantifica o quão bem um novo modelo reclassifica os casos em comparação com um modelo antigo, de 12,0% e 8,5% acima do ABCD2 e ABCD2i, respectivamente; 16,3% dos pacientes classificados como de baixo risco com o escore canadense de AIT versus 0% classificados como de baixo risco usando ABCD2 ou ABCD2i)
Neuroimagem
A realização urgente de exames de imagem cerebral é crucial para a avaliação de pacientes com AIT ou AVC menor. As diretrizes canadenses de melhores práticas para AVC recomendam a realização imediata de tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste para todos os pacientes com AIT ou AVC menor, a fim de avaliar diagnósticos diferenciais de AVC e auxiliar na determinação do risco de um AVC subsequente.
Como a sensibilidade da TC para AIT ou AVC menor é baixa, a ressonância magnética (RM) fornece informações adicionais, mas não está imediatamente disponível em muitos centros. Dada a relativa falta de disponibilidade de RM e de evidências claras sobre o impacto da RM de rotina, sugerimos o uso da modalidade de neuroimagem disponível localmente, que na maioria dos locais será a TC.
Imagem vascular
Exames de imagem vascular do pescoço e do cérebro podem identificar estenose da carótida extracraniana, estenose da circulação intracraniana ou posterior, trombose aguda ou dissecção da artéria cervical. É vital identificar pacientes com estenose superior a 50% da artéria carótida extracraniana por meio de angiotomografia computadorizada ou ultrassonografia Doppler, pois estes apresentam o maior risco de acidente vascular cerebral (AVC) subsequente.
Considerando que cerca de metade dos pacientes com suspeita de ataque isquêmico transitório (AIT) ou AVC, na verdade, apresentam uma condição que mimetiza o AVC como causa dos sintomas, não é um bom uso de recursos buscar exames de imagem urgentes para todos os pacientes de baixo risco.
Esses pacientes podem optar por não realizar os exames de imagem ou realizá-los poucos dias após o evento índice, dependendo da probabilidade de o evento primário ser um AIT ou AVC verdadeiro.
Eletrocardiografia e monitorização Holter
O eletrocardiograma (ECG) para rastreio de fibrilação ou flutter atrial deve ser realizado imediatamente em todos os pacientes. Mesmo com ECG normal, os pacientes podem apresentar risco de acidente vascular cerebral (AVC) devido à fibrilação atrial paroxística. O monitoramento Holter ou o registro de eventos cardíacos aumentam a probabilidade de identificação da fibrilação atrial. O monitoramento por até 14 dias em pacientes sem outra causa aparente para o AIT ou AVC inicial identifica mais pessoas com fibrilação atrial.
Ecocardiografia
A ecocardiografia transtorácica ambulatorial pode identificar causas cardioembólicas de AIT ou AVC menor além da fibrilação atrial, como acinesia ventricular esquerda, baixa fração de ejeção, mixoma atrial, forame oval patente (FOP), comunicação interatrial, comunicação interventricular e trombo ventricular esquerdo. Como a prevalência desses achados é baixa, o rendimento da ecocardiografia na identificação de uma causa de AVC que altere o tratamento também é baixo. No entanto, achados positivos são frequentemente importantes. Devido à baixa prevalência, não existem recomendações claras para definir quais pacientes necessitam de ecocardiografia. Pacientes com menos de 60 anos com FOP moderado a grande devem ser avaliados por um neurologista para determinar se o FOP está relacionado ao AIT ou AVC menor e se justifica o fechamento. A ecocardiografia transesofágica geralmente é reservada para pacientes com ecocardiograma transtorácico anormal que necessitam de avaliação detalhada das estruturas valvares ou da anatomia do septo atrial para intervenção cirúrgica planejada.
Quais são as opções de tratamento para a prevenção secundária de AVC?
Revascularização carotídea
Pacientes com AIT recente ou AVC menor e estenose superior a 50% das artérias carótidas extracranianas apresentam o maior risco de recorrência; o tempo mediano para recorrência é de 24 horas.
A intervenção carotídea (endarterectomia carotídea ou angioplastia carotídea com stent) é extremamente eficaz na prevenção de AVC nesses pacientes; reduz o risco absoluto de AVC subsequente em 17% (intervalo de confiança [IC] de 95%: 11%–24%; com um número necessário para tratar de 6) em pacientes com estenose de 50%–99% quando tratados dentro de 2 semanas após o AIT ou AVC.
O benefício diminui com o tempo, não havendo benefício do tratamento após 3 meses. Portanto, é necessário que existam sistemas para identificar pacientes candidatos à intervenção carotídea e intervir rapidamente.
Agentes antiplaquetários
Dupla antiagregação plaquetária com aspirina e clopidogrel, por um tempo limitado, é recomendado após um acidente vascular cerebral isquêmico minor (definido como NIHSS <4) não cardioembólico e ataque isquêmico transitório (AIT), como demonstrado nos estudos CHANCE e POINT. Dessa forma, o guideline de AVCI da AHA/ASA suporta o uso de dupla antiagregação por 21 dias após ictus no AVCI minor ou AIT. A terapia antiplaquetária dupla (80–81 mg/dia de ácido acetilsalicílico [AAS] e 75 mg/dia de clopidogrel) são superiores ao AAS isolado na prevenção de acidente vascular cerebral em pacientes de risco médio e alto.
A terapia antiplaquetária dupla por mais de 21 dias não é rotineiramente recomendada, pois aumenta o risco de sangramento grave. O AAS isolado (80–81 mg/dia) é uma terapia de primeira linha apropriada para pacientes de baixo risco e para a maioria dos pacientes após 21 dias de terapia antiplaquetária dupla.
Dessa forma, a dupla antiagregação plaquetária diminui o risco de recorrência de AVCI e do defecho combinado, em comparação com monoterapia. Dupla antiagregação plaquetária aumenta o risco de hemorragia grave, exceto se o tratamento for limitado a 30 dias e não inclua a combinação de aspirina e ticagrelor.
Quando os pacientes apresentam eventos cerebrovasculares recorrentes apesar da terapia antiplaquetária, é importante considerar a possibilidade de causas alternativas, como fibrilação atrial, resistência genética ao metabolismo do clopidogrel ou não adesão à medicação. Ao iniciar a terapia antiplaquetária, deve-se administrar uma dose de ataque (160 mg de AAS e 300 mg ou 600 mg de clopidogrel). O ticagrelor é uma alternativa aceitável ao clopidogrel para terapia antiplaquetária dupla com AAS.
Anticoagulação para pacientes com disritmia atrial
O tratamento com anticoagulantes resulta em uma redução de 66% no risco relativo de acidente vascular cerebral subsequente em pacientes com fibrilação atrial não reumática após um ataque isquêmico transitório (AIT) ou acidente vascular cerebral menor.
Na ausência de sangramento ativo ou infarto agudo moderado a grande na tomografia computadorizada (ou seja, qualquer lesão > 1,5 cm na circulação anterior ou posterior), a anticoagulação pode ser iniciada imediatamente. Recomenda-se um anticoagulante oral direto (ACOD) em vez de varfarina para fibrilação atrial não valvar, a menos que haja contraindicação (por exemplo, insuficiência renal grave [depuração de creatinina < 30 mL/min], interações medicamentosas).
Recomenda-se exame de imagem de acompanhamento (geralmente dentro de 3 a 7 dias) antes de iniciar a anticoagulação em pacientes com infartos moderados a grandes no exame inicial para garantir a ausência de transformação hemorrágica. A anticoagulação pode ser iniciada nesses pacientes após 14 dias.
Tratamento anti-hipertensivo
A hipertensão é responsável por 39,9% (IC 95% 12,5–47,4) da carga total de AVC. Portanto, é um dos fatores de risco modificáveis mais importantes para prevenir um AVC subsequente. Os alvos ideais para a pressão arterial sistólica e diastólica não são conhecidos, embora uma pressão arterial inferior a 140/90 mmHg reduza o risco de AVC subsequente.
Se os sintomas de um paciente desaparecerem, não houver estenose significativa (ou seja, > 50%) de grandes artérias em exames de imagem vascular e a pressão arterial do paciente permanecer acima de 140/90 mmHg, é razoável considerar o início imediato de medicamentos anti-hipertensivos.
Se os sintomas persistirem, houver estenose significativa ou nenhum exame de imagem vascular tiver sido realizado, a consulta com um especialista em AVC é prudente. Recomenda-se um inibidor da enzima conversora de angiotensina com tiazídico ou um diurético semelhante ao tiazídico, com um bloqueador dos canais de cálcio como alternativa.
Estatinas
Todos os pacientes com AIT não cardioembólica ou AVC menor, sem contraindicações e sem efeitos adversos, devem ser tratados com uma estatina.
O uso de uma estatina em alta dose (isto é, atorvastatina 80 mg/dia ou sinvastatina 40 mg/dia) está associado a uma redução de 1,5% a 1,9% no risco absoluto de AVC subsequente após uma mediana de 2,5 anos de acompanhamento.
Medidas adicionais
É importante avaliar todos os pacientes quanto ao tabagismo, atividade física, peso e diabetes, e abordar esses fatores de risco para reduzir o risco de acidente vascular cerebral subsequente. Para aqueles com diabetes, deve-se avaliar a hemoglobina glicada, buscando um nível abaixo de 7,0%.
Fontes
https://portal.afya.com.br/cardiologia/vale-a-pena-prescrever-dupla-antiagregacao-para-prevenir-recorrencia-de-avc
https://emergenciajaamorprasempre.com.br/secao.php?sc=1386
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9616153/