TORSADES DE POINTS
Considerações iniciais
Torsades de Pointes integra o grupo das taquiarritmias ventriculares polimórficas. Essas arritmias são definidas como um ritmo ventricular mais rápido do que 100 batimentos por minuto com variações frequentes do eixo QRS, morfologia ou ambos.
No caso de torsades de pointes, essas variações assumem a forma de uma alteração progressiva, sinusoidal e cíclica do eixo QRS. Os picos dos complexos QRS parecem “torcer” em torno da linha isoelétrica da gravação, dando origem à denominação “torsades de pointes”.
As taquicardias ventriculares derivam de uma síndrome conhecida como Síndrome do QT longo. Esta síndrome consiste num distúrbio da repolarização do miocárdio ventricular caracterizado por um intervalo QT prolongado no eletrocardiograma (ECG), que pode causar arritmias ventriculares e maior risco de morte súbita. Normalmente, a torsades de pointes ocorre num contexto de prolongamento do QT em ritmo sinusal.
O intervalo QT é uma medida de eletrocardiograma (ECG) do tempo entre o início do complexo QRS e o término da onda T e representa a duração entre o início da despolarização e o término da repolarização de todos os potenciais de ação.
O prolongamento do tempo da repolarização que culmina na arritmia de torsades de pointes pode ser congênito ou adquirido, sendo que o último normalmente é resultado do uso uma variedade de drogas. Vale ressaltar que a torsades de pointes é apresentação mais clássica de arritmia derivada da síndrome do QT longo congênita.
Fisiopatologia
A torsades de pointes congênita é frequentemente iniciada por um gatilho externo, sendo omais comum deles o exercício. Já os casos de torsades de pointes adquirido está mais associado ao uso de drogas, sendo as mais comuns o sotalol e cisaprida e a quinidina, além de outros antiarritmicos.
Disturbios eletrolíticos como a hipocalemia e a hipomagnesemia podem predispor esta arritmia. Esses distúrbios podem ocorrer juntos, uma vez que a hipomagnesemia causa diretamente a hipocalemia. A hipocalcemia, isolada ou induzida por hipomagnesemia, é uma causa menos comum. O risco de desenvolver torsades de pointes é maior na vigência da associação desses distúrbios eletrolíticos ao uso de medicamentos antiarrítmicos.
Quadro clínico de Torsades de Pointes
Os pacientes que apresentam síndrome de QT prolongado normalmente são assintomáticos, a menos que estejam com quadro arrítmico deflagrado. Neste caso, a sintomatologia depende do tipo, intensidade e duração do evento arrítmico, assim como a presença ou não de comorbidades significativas.
Os episódios de Torsades de pointes geralmente são de curta duração e autolimitados. Entretanto, os pacientes podem cursar com vários episódios de arritmia, que podem induzir síncope ou evoluir para a fibrilação ventricular.
Sintomas como palpitações, vertigens, síncope ou pré-síncope e/ou parada cardíaca súbita podem ser relatados. Se a taxa de taquiarritmia ventricular for rápida e/ou a duração do episódio for mantida, isso pode levar à hipotensão e ao comprometimento hemodinâmico associado.
Diagnóstico de Torsades de Pointes
O diagnóstico dessa arritmia é realizado através do Eletrocardiograma (ECG). Neste exame é possível identificar o prolongamento do QT associado ao padrão típico de “torção das pontas” do QRS.
As características típicas de torsades de pointes incluem o prolongamento do intervalo QT no último batimento sinusal anterior ao início da arritmia. A frequência cardíaca é consideravelmente acima de 100 bpm, variando entre 160 a 250 batimentos por minuto, intervalos RR irregulares e um ciclo do eixo QRS em 180 graus a cada 5 a 20 batimentos
Para melhor definição da etiologia dessa condição, deve-se investigar a associação com uso de medicamentos que predisponham essa alteração ou outro cenário clínico, como hipocalemia ou hipomagnesemia.
Quais são as causas de Torsades de Pointes?
Síndrome do QT longo congênito
Como o próprio nome já diz, é congênito, a pessoa já nasce com o Intervalo QT longo e tem predisposição para evoluir com Torsades de Pointes. Algumas predisposições para Torsades de Pointes seriam:
Síndrome de Jervell e Lange-Nielsen
Síndrome de Romano-Ward
Idiopática
Síndrome do QT longo adquirido
Aqui temos alguma causa determinando este prolongamento do Intervalo QT. Abaixo trazemos alguns exemplos.
Antiarrítmicos (Amiodarona, Procainamida, Sotalol…)
Antibióticos (Azitromicina, Quinolonas…)
Antimaláricos (Hidroxicloroquina…)
Psicotrópicos (Antipsicóticos, Tricíclicos…)
Outras classes (Antirretrovirais, Antineoplásicos, Antieméticos, Anti-histamínicos…)
Distúrbios eletrolíticos (Hipocalemia, Hipomagnesemia, Hipocalcemia…)
Outros (Hipotermia, HIV, IAM…)
No quadro: as causas mais comuns e as classes mais relacionadas à Síndrome do QT longo adquirido.
Enfim, existem muitas causas e muitos medicamentos que podem prolongar o QT; então não devo prescrever mais nenhum destes remédios? Calma, claro que deve, o problema é prescrever sem necessidade (quando bem indicado, qualquer um desses apresenta mais benefício do que risco).
Tratamento de Torsades de Pointes
O desafio do tratamento das taquiarritmias ventriculares polimórficas inclui a identificação das causas e prevenir as recorrências, além de resolver o quadro arrítmico que se encontra o paciente.
No caso do paciente com torsades de pointes, o tratamento inicial depende da estabilidade hemodinâmica do paciente. Além disso, os pacientes com esse quadro precisam de uma avaliação dos sintomas, sinais vitais e nível de consciência para determinar se eles estão hemodinamicamente estáveisou instáveis.
Para isso, deve-se adotar algumas medidas como conectar o paciente a um monitor cardíaco contínuo, estabelecer acesso intravenoso, administrar oxigênio suplementar, se necessário, e coletar e enviar sangue para avaliação bioquímica. Essa conduta inicial deve ser realizada em todos os pacientes, uma vez que individuos estáveis podem se tornar instáveis rapidamente.
Paciente instável
Pacientes considerados hemodinamicamente instáveis, gravemente sintomáticos ou sem pulso necessitam de imediata cardioversão/desfibrilação elétrica. Uso de outros medicamentos, com exceção do magnésio IV, não é indicado, ainda que sejam antiarrítmicos.
A cardioversão é indicada também nos casos que não houver rápida regressão ao ritmo sinusal, pois pode desencadear fibrilação ventricular.
Primeiro passo: tem instabilidade?
Critérios de instabilidade
Hipotensão/choque
Rebaixamento do nível de consciência
Dor precordial
Dispneia (insuficiência cardíaca/edema agudo de pulmão)
Submetidos à Desfibrilação
Atenção, muita atenção. Pacientes instáveis com Torsades de Pointes devem ser submetidos à desfibrilação elétrica, isso mesmo, desfibrilação (não cardioversão). A explicação para isso é simples, nos casos de TV polimórfica não podemos cardioverter, já que, por ser polimórfica, ela apresenta morfologias diferentes entre cada QRS e, por conta disso, não há como sincronizar (lembre-se, é justamente a sincronização que diferencia desfibrilação de cardioversão).
Para memorizar – indicações de desfibrilação:
Fibrilação ventricular (ritmo de PCR)
Taquicardia ventricular sem pulso (ritmo de PCR)
Taquicardia ventricular polimórfica instável (incluindo Torsades de Pointes)
ESTÁVEIS
Pacientes com torsades de pointes que são hemodinamicamente estáveisna apresentação devem ser submetidos ao tratamento de primeira linha, que é a magnesioterapia junto a correção de distúrbios metabólicos/eletrolíticos e/ou remoção de qualquer medicamento que possa ter induzido esse quadro. Essa terapia deve ser fornecida a maioria dos pacientes.
Ufa! Aqui é mais “tranquilo”, mas nem tanto, mantém o foco.
Síndrome do QT longo – sem Torsades de Pointes:
Nesse caso devemos suspender medicamentos que prolonguem o intervalo QT e tratar distúrbios eletrolíticos que possam estar associados (hipocalemia, hipomagnesemia, hipocalcemia…), para evitarmos que a arritmia seja deflagrada.
Já sei! Se é uma arritmia, vou usar o antiarrítmico que mais conheço – Amiodarona! NÃO FAÇA ISSO!
Se você abriu este artigo e pulou direto para o tratamento, volte para o início e dê uma atenção especial para as causas de QT longo adquirido, pois lá eu te falei que alguns antiarrítmicos podem prolongar o intervalo QT – e a amiodarona foi o primeiro exemplo que coloquei. Lembra que essa arritmia acontece justamente pelo fato de que o paciente tem o intervalo QT longo? Imagina se você der uma medicação que vá piorar ainda mais isso…
Então se não posso usar a boa e velha amiodarona o que eu faço?
Antes de sair por aí prescrevendo alguma medicação, retire aquelas com potencial de prolongar o intervalo QT e corrija distúrbios eletrolíticos que possam estar relacionados.
Tratamento de primeira linha: Sulfato de Magnésio EV (1-2g)
Exemplo: 2ml com concentração 500mg/ml (1g) diluído em 8ml de SF 0,9%
Se não reverteu: Pode repetir (máximo de 4g em 1 hora)
Tratamento de segunda linha: Marca-passo transvenoso / Lidocaína
A magnesioterapia deve ser realizada através da infusão de sulfato de magnésio IV. É altamente eficaz tanto para o tratamento quanto para a prevenção de batimentos ectópicos ventriculares, que servem de gatilho para causar torsades de pointes. Seu benefício é observado inclusive em pacientes com concentração normal de magnésio sérico.
Nos pacientes com múltiplos episódios autotermináveis, deve-se adotar a conduta assim e pode-se adicionar outras intervenções para regularizar a frequência cardíaca, como a infusão de isoproterenol. Esta substância também pode ser usada para aumentar a frequência sinusal e diminuir o intervalo QT.
Medidas alternativas incluem a colocação de um marcapasso temporário no tratamento dos casos refratários à magnesioterapia. Entretanto, o isoproterenol pode ser usado como uma medida temporizadora antes da estimulação.
Pode-se realizar ainda a alcalinização do plasma, por meio da administração de bicarbonato de sódio quando a torsades de pointes for decorrente do uso de fármacos como a quinidina.
Naqueles pacientes que apresentam síndrome do QT longo congênita, os betabloqueadores podem ser usadospara reduzir a frequência das contrações ventriculares prematuras e encurtar o intervalo QT.