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Tratamento da meningite criptocócica

Visão geral

O tratamento difere quanto à espécie isolada do material clínico (C. neoformansou C. gattii), se o paciente é positivo ou negativo para HIV e se o paciente é transplantado. Caso não seja possível identificar a espécie de Cryptococcus, devido a epidemiologia, tratar o paciente HIV + como C. neoformans e o paciente HIV negativo como C. gattii.

Os medicamentos mais usados são anfotericina B e fluconazol. A primeira está disponível nas formulações com desoxicolato, complexo lipídico e lipossomal. Entretanto as formulações lipídicas e lipossomais são utilizadas apenas em casos de insuficiência renal (clearance de creatinina ≤50 mL/min). Pacientes sabidamente nefropatas ou que piorem a função renal com o tratamento e apresentem um dos quatro critérios descritos a seguir deverão substituir a anfotericinadesoxicolato pela Anfotericina lipossomal 3mg/kg/dia devido a sua menor nefrotoxicidade em relação as demais formulações.

Na impossibilidade de usar Anfotericina B lipossomal, usar Anfotericina B Complexo Lipídico 5mg/kg para completar a mesma duração preconizada para Anfotericina B desoxicolato. Os seguintes critérios devem ser considerados:

a) Clearence de creatinina menor que 50 mL/min

b) Hipocalemia associada a: acidose metabólica ou hipomagnesemia de aparecimento pós-tratamento não explicada por outro motivo que não uso de anfotericina B 

c) Aumento de 1,5 (KDIGO1) a creatinina basal pré-tratamento

d) Desenvolvimento de toxicidade cardíaca grave* com uso de anfotericina B desoxicolato .

*Toxicidade cardíaca evidenciada por exame de ecocardiograma, que evidencia fração de ejeção 100 com intervalo de três meses

 

1. ESTRATÉGIAS DE TRATAMENTO

1. 1. Tratamento de pacientes HIV negativos, não transplantados, diagnosticados com C. neoformans

Os pacientes HIV negativos com meningoencefalitecriptocócica requerem um curso de tratamento mais prolongado devido a maior frequência de complicações e piores desfechos em comparação os pacientes HIV positivos.

Fase de indução:

Anfotericina desoxicolato 0,7-1mg/kg (máximo de 50mg/dia) (ou lipossomal dependendo de função renal, conforme supramencionado) EV

+ Fluconazol 800mg/dia VO ou EV durante, no mínimo, quatro semanas.

 

Em pacientes com baixo risco de falha terapêutica (com diagnóstico precoce, sem história de doença não controlada ou estado imunocomprometido, sem criptococoma na RMN de encéfalo e excelente resposta clínica ao esquema de combinação antifúngica inicial de 2 semanas), considerar a terapia de indução por apenas duas semanas.

Se o paciente não apresentar baixo risco de falha terapêutica e não preencher os critérios para encurtar o tratamento deve-se colher nova cultura com duas semanas de tratamento e caso ela apresente resultado negativo, prolongar o tratamento por mais duas semanas.

Caso a cultura de controle do 14º dia de tratamento tenha resultado positivo deve-se continuar a indução de duas semanas e proceder a coleta de liquor após 14 dias de tratamento até que ela seja negativa. A continuação da terapia de indução combinada além de quatro semanas pode ser considerada se*: 

(1) presença de criptococomas cerebrais (indução de 6 semanas);

(2) o paciente está deteriorando clinicamente;

(3) o paciente não melhorou e mantém pressão intracraniana persistentemente elevada e sintomática;

(4) cultura do LCR para Cryptococcusobtida após 2-4 semanas de terapia de indução permanece positiva;

(5) o paciente está em coma.

* Esses pacientes podem necessitar de semanas adicionais (por exemplo, 1 a 6 semanas) da fase de indução do tratamento.

 

Fase de consolidação:

Após a fase de indução, Fluconazol 800mg/dia VO durante oito semanas.

Fase de manutenção:

Fluconazol 200-400mg (3mg/kg) VO durante 6-18 meses. Avaliar prolongar nos casos de criptococoma.

 

1.2. Tratamento de pacientes HIV negativos diagnosticados com C. gattii

A meningoencefalite criptocócica causada por C. gattii, principalmente em pacientes HIV negativos, está associada à maior ocorrência de complicações neurológicas, demora na  resposta à terapia antifúngica, maior frequência tanto de criptococomas quanto de necessidades de intervenções neurocirúrgicas comparadas com C. neoformans. Além de relatos de várias cepas de C. gattii apresentarem susceptibilidade reduzida ao Fluconazolin vitro.

 

Fase de indução:

Anfotericina desoxicolato 0,7-1mg/kg (máximo de 50mg/dia) (ou lipossomal dependendo de função renal, conforme supramencionado) EV +Fluconazol 800mg/dia VO ou EV durante seis semanas. Em pacientes com baixo risco de falha terapêutica (com diagnóstico precoce, sem história de doença não controlada ou estado imunocomprometido, sem criptococoma na RMN de encéfalo e excelente resposta clínica ao esquema de combinação antifúngica inicial de duas semanas), considerar a terapia de indução por apenas 4 semanas.

Se o paciente não apresentar baixo risco de falha terapêutica e não preencher os critérios para encurtar o tratamento, deve-se colher nova cultura com duas semanas de tratamento e caso ela apresente resultado negativo, prolongar o tratamento por mais seis semanas. Caso a cultura de controle do 14º dia de tratamento tenha resultado positivo deve-se continuar a indução e proceder a coleta de liquor para cultura até que ela seja negativa.

A continuação da terapia de indução combinada além de quatro semanas pode ser considerada se*: 

(1) presença de criptococomas cerebrais (indução de 6 semanas);

(2) o paciente está deteriorando clinicamente;

(3) o paciente não melhorou e mantém pressão intracraniana persistentemente elevada e sintomática;

(4) cultura do LCR para Cryptococcusobtida após 2-4 semanas de terapia de indução permanece positiva;

(5) o paciente está em coma.

*Esses pacientes podem necessitar de semanas adicionais (por exemplo, 1 a 6 semanas) da fase de indução do tratamento.

 

Fase de consolidação:

Fluconazol 800mg/dia VO durante oito semanas.

 

Fase de manutenção:

Fluconazol 200-400mg (3mg/kg) VO durante 12-18 meses.

 

Avaliar prolongar nos casos de criptococoma .

 

1.3. Tratamento de pacientes HIV positivos diagnosticados com C. gattii

De uma forma geral, a meningoencefalite por C. gattii em pacientes HIV positivos deve ser tratada de maneira semelhante à doença causada por C. neoforman.

Atenção especial deve ser dada aos casos graves e complicados, que devem ser tratados como pacientes HIV negativos

 

2. Manejo das complicações

2.1 Hipertensão Intracraniana

A hipertensão intracraniana é definida como a pressão liquórica inicial medida por raquimanometria. O controle da HIC está relacionado ao melhor desfecho e menor mortalidade. Caso a pressão de abertura esteja maior ou igual a 25 cm de liquor deve-se retirar liquor através da punção lombar de alívio (PL) para reduzir a pressão a valores normais (< 20 cm de liquor) ou, se não for possível atingir valores normais, pelo menos 50% do valor da pressão de abertura caso esta esteja extremamente alta. Deve ser retirado um valor mínimo de 20-30ml de liquor para que não seja necessário nova punção dentro de 24h.

A PL de alívio deve ser repetida diariamente até a estabilização da PIC. Na presença de PIC normal em duas aferições consecutivas, só puncionar novamente se retorno ou piora dos sintomas neurológicos ou para avaliar o sucesso terapêutico.

Se a PIC se mantiver persistentemente elevada após 7-10 dias de PL diária ou o se o paciente precisar de mais de uma punção diária por tempo prolongado ultrapassando a fase de indução, considerar a abordagem neurocirúrgica para derivação liquórica (usualmente, derivação lombar externa ou lombo-peritoneal).

Os medicamentos manitol, acetazolamida e corticosteroides não devem ser utilizados rotineiramente no manejo de HIC secundária à criptococose.

Corticosteróides podem ser usados para controle da HIC na meningoencefalite criptocócica se houver suspeita de Síndrome de Reconstituição Imune e no paciente HIV negativo e não transplantado com meningoencefalite criptocócica por C. gattii em piora neurológica no início da terapia de indução.

 

2.2 Recidiva e Persistência

A persistência é caracterizada pela cultura de liquor persistentemente positiva após quatro semanas de terapia antifúngica. A recidiva é caracterizada pelo retorno de uma cultura positiva de um sítio previamente estéril após tratamento adequado da infecção, havendo importante recrudescimento de sinais e sintomas da criptococose. A maioria dos casos de recidiva é atribuída à terapia primária inadequada (dose e /ou duração) ou falha no cumprimento da consolidação ou manutenção da dose de fluconazol. A seguir encontram-se recomendações para condutas na persistência e recidiva.

Recomendações para Persistência e Recidivas

1) Verificar se medidas adequadas foram tomadas para melhorar o estado imunológico (por exemplo, diminuir os imunossupressores e introduzir a terapia antirretroviral - TARV) e otimizar o manejo do aumento da pressão intracraniana;

2) procurar, por meio de exames de imagem (RMN encéfalo, TC de tórax e abdome) foco de persistência (criptococomas cerebrais e extracerebrais); 

3) reinstituir a fase de indução da terapia primária por mais tempo (4-10 semanas);

4) considerar aumentar a dose se a dose inicial da terapia de indução de Anfo B de 0,7mg/kg para 1mg/kg, em geral a terapia combinada é recomendada;

5) solicitar a realização de antifungigrama para verificar resistência microbiológica;

6) usar gama INF para melhora na capacidade de esterilização liquórica;

7) não aumentar a dose de fluconazol e nem fazer anfotericina B intratecal ou intraventricular (este ponto apenas para a persistência).

 

 

2.3 Sindrome de Reconstituição Imune (SRI) e Início de Terapia antirretroviral (TARV)

A SRI é uma importante causa de morbidade e mortalidade na meningite criptocócica e pode ocorrer de duas formas:

i) quando os sintomas de meningoencefalite surgem após o início da TARV e

ii) durante o tratamento da meningoencefalitecriptocócica e uso de TARV.

Pode ocorrer em indivíduos transplantados e imunocompetentes. Caso ocorra suspeita de SRI e o paciente apresente complicações, deve-se iniciar terapia com corticóides. Para evitar o aparecimento da SRI, o início de TARV deve ser adiado, preferencialmente até o fim da fase consolidação (10 semanas). Estudos mostraram maior mortalidade relacionado a SRI em pacientes com meningoencefalitecriptocócica que iniciaram TARV dentro de duas semanas quando comparado a cinco semanas.

Se não for possível adiar por 10 semanas (paciente apresentar outra doença oportunista que necessite de início precoce de TARV como criptosporidiose, por exemplo) tentar não iniciar na fase de indução (primeiros 14 dias) 

Quando iniciar a TARV?

Sabemos que em alguns cenários o início precoce da TARV pode levar a Síndrome de Reconstituição Imune (SRI) e a meningoencefalite criptocócica entra nestes casos, sendo ainda mais catastrófico pensar nesta reconstituição envolvendo o SCN. Por isso, é indicado que a TARV seja iniciada 2-10 semanas após o início da terapia antifúngica.

 

2.4. Criptococomas Cerebrais

Os criptococomas são mais comuns nos pacientes HIV negativos do que no HIV positivos (14% vs 4%) e exigem tratamento prolongado. Todo paciente com evolução desfavorável deve ser investigado por RMN de encéfalo para avaliação da presença de criptococomas. Considerações sobre os criptococomas: 

1) Terapia de indução deve ser de, pelo menos, 6 semanas;

2) terapia de consolidação e manutenção com fluconazol (800 mg por dia por via oral) por 12 a 18 meses.

3) corticosteróides podem ajudar no efeito de massa e edema circundante e na SRI;

4) Cirurgia: para lesões grandes (lesões de 3 cm), acessíveis com efeito de massa, considerar drenagem e / ou remoção aberta ou guiada por estereotaxia; além disso, lesões aumentadas não explicadas pela SRI devem ser submetidas a biopsia para diagnóstico.

fontes

https://www.fhemig.mg.gov.br/meningitecriptococica

https://portal.unisepe.com.br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2018/06/009_meningoencefalite.pdf

https://www.medway.com.br/conteudos/meningoencefalite-criptococica-tudo-que-voce-precisa-saber/