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HIPERCALEMIA TRATAMENTO

Considerações iniciais

O potássio é um íon predominantemente intracelular e participa ativamente dos processos metabólicos, estabelecendo gradientes elétricos que são responsáveis por garantir a ordem nas células excitáveis. Adquirimos potássio em nossa dieta convencional. A manutenção de uma faixa normal na corrente sanguínea, geralmente entre 3,5 – 5 mmol/L, é vital para uma boa saúde.

A hipercalemia é, possivelmente, o distúrbio eletrolítico mais grave de todos, porém ao mesmo tempo potencialmente reversível. Pode ser classificada em 3 categorias: Leve (K > 5,5), moderada (K> 6,5) e grave (K > 7,5).

 

Manejo da hipercalemia

A ) Pseudo-hipercalemia - Hipercalemia é verdadeira ou falsa ?

Hipercalemia factícia é o distúrbio mais comumente encontrado, e deve ser suspeitada quando o valor de potássio elevado não tenha correlação com o quadro clínico do paciente. Isso ocorre devido a liberação de potássio das células hemolisadas in vitro, mais comumente por uma má técnica de coleta sanguínea ou grande tempo de espera entre a coleta e a análise do sangue. Se o achado de hipercalemia não fizer sentido com o quadro clínico do paciente, repita a coleta para confirmar se a alteração é real.

Nas desordens mieloproliferativas, nos pacientes com trombocitose e leucocitose grave, o K+ é liberado das plaquetas e leucócitos, levando a falsa elevação do mesmo. Portanto, para estes pacientes é indicado que a dosagem de K+ seja feita a partir de uma amostra de plasma em heparina de lítio.

 

B) Suspender medicamentos hipercalemiantes

Interrompa todas as medicações que podem estar associadas à elevação de potássio sérico, tais como :

Medicamentos: anti-inflamatórios não esteroidais, antagonistas dos receptores da angiotensina II, betabloqueadores, diuréticos poupadores de potássio, inibidores da enzima conversora de angiotensinogênio, suplementos de potássio, intoxicação digitálica, succinilcolina, heparina, trimetoprim, ciclosporina, pentamidina

 

 

C) Alterações eletrocardiográficas da Hipercalemia

Em caso de hipercalemia deve-se solicitar avaliação eletrocardiográfica, principalmente em  valores séricos acima de 6 mmol/L, pois promovem efeito despolarizante no potencial de membrana de repouso e facilitam a condutância dos canais de potássio, levando a alterações eletrocardiográficas clássicas, como:

- apiculamento de ondas T;

- efeitos na repolarização ventricular;

- encurtamento do intervalo QT;

-perdas de ondas P;

- alargamento do QRS; e

- arritmias cardíacas.

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As arritmias estão relacionadas tanto ao nível do potássio sérico quanto à velocidade de aumento desse íon.  Altos níveis séricos de potássio podem causar instabilidade na membrana das células do miocárdio e assim, arritmias. A instabilidade da membrana do miocárdio está associada não só ao valor absoluto do potássio, como também, e até de forma mais importante, com a velocidade de elevação da concentração deste íon

Classicamente, se ensina que a progressão das alterações no ECG começa com o apiculamento das ondas T, seguido de redução do intervalo QT, prolongamento do intervalo PR, achatamento da onda P, prolongamento do QRS e por fim um ritmo sinusoidal. O problema é que o ECG nem sempre segue esse padrão.

Alterações eletrocardiográficas associadas a eventos adversos cardíacos são: alargamento de QRS, Frequência Cardíaca < 50 bpm e ritmo juncional. Os eventos adversos nas 6 primeiras horas em casos graves foram bradicardia sintomática, taquicardia ventricular, fibrilação ventricular, parada cardiorrespiratória ou morte. A onda T apiculada, achado mais lembrado, em geral, isoladamente não é associada a eventos adversos.

 

D) Tratamento para hipercalemia 

D.1) Estabilização da membrana miocárdica

Inicie o tratamento se o valor de potássio for maior que 6,5 ou se houver alterações no ECG (incluindo ondas T apiculadas e simétricas). O cálcio infundido irá atuar em 2 a 3 minutos para estabilização do miocárdio. Se não houver melhora do ECG, repita a dose. Cálcio é o principal tratamento para evitar arritmias cardíacas

Existem duas opções medicamentos para tal abordagem, o Cloreto de cálcio qie tem 3 vezes a concentração de cálcio comparado com o mesmo volume de gluconato de cálcio (13,6 mEq vs 4,6 mEq). O problema do cloreto de cálcio é que ele é irritativo e se houver extravasamento no momento da infusão, pode causar necrose dos tecidos

–        Gluconato de Cálcio 10%: cada 10 ml apresenta 4,6 mEq de Ca2+

–        Cloreto de Cálcio 10% cada 10 ml apresenta 13,6 mEq de Ca2+

 

O gluconato causa menos irritação em veias periféricas, enquanto com o cloreto há maior risco de tromboflebite e necrose tecidual no caso de extravasamento (sugere-se administração em veia central sempre que possível). A prática comum é infundir 1 grama de gluconato de cálcio, se estiver com acesso periférico, porém se o paciente estiver em parada cardiorrespiratória ou com acesso central,  pode-se usar com segurança o cloreto de cálcio.

A diluição preferencial é em 100 ml se soro glicosado a 5%, infunde-se em 5 – 10 min, com duas repetições possíveis em intervalos de 5 min na ausência de resposta adequada. O início da ação se dá em  menos de 3 minutos, com duração de efeito de 20 – 60 min.

As duas apresentações do cálcio têm um tempo similar de início de ação. Dentro de 2 a 3 minutos da infusão, você deve ver a melhora das alterações do ECG/monitor. Se não houver alteração no ECG após a infusão, repita a dose até melhora. Principalmente, até o estreitamento do QRS.

Concomitante, deve-se preparar o tratamento para o manejo da HIPERCALEMIA, com as medidas de redução da mesma.

D.2) Redistribuir o potássio extracelular para dentro das células (Shift de potássio)

I . Polarizante

A insulina recruta canais de membrana específicos que puxam o potássio para dentro das células Visa reduzir o potássio em 0,6 a 1,2meq/L dentro de uma hora; o início de ação é em 5 a 15 minutos. Em pacientes com função renal normal, o efeito irá durar de 90 minutos a 2 horas. Na disfunção renal, pode durar mais. As Insulinas ultrarrápidas têm o benefício teórico em pacientes com disfunção renal, como elas têm uma meia vida bem mais curta e não são excretadas pelo rim. A literatura sugere que elas têm o mesmo potencial de redução de potássio, induzindo menos hipoglicemia. Entretanto não há evidências suficientes para determinar uma posologia adequada desse grupo de insulinas

Para pacientes com insuficiência renal ou clearance de creatinina < 30, uma estratégia recomendada é de que se reduza a dose de insulina para 5 UI, a fim de reduzir o risco de hipoglicemia. Com isso em mente, ao infundir insulina, você deve antecipar o risco de hipoglicemia e oferecer glicose se a glicemia do paciente for menor que 250. Como o efeito da insulina dura mais do que o bolus de glicose, frequentemente é necessário novo bolus de glicose. Recomenda-se fazer da seguinte forma:

Se a glicemia for maior que 250, não dê glicose junto com a insulina

Se a glicemia for menor que 250, dê 50ml de G50% e faça a glicemia capilar a cada 30 minutos na primeira hora, depois repita uma hora depois

A dosagem clássica é fornecer 1 U de insulina regula para cada  5 gramas de glicose, por exemplo,  10 UI de insulina regular com 100ml de glicose a 50%.

II. Beta-agonista

Beta-agonistas, como fenoterol ou salbutamol, podem ajudar na redistribuição do potássio para dentro das células. Aumentam a atividade da bomba N+/K+/ATPase no músculo esquelético — assim como a glicoinsulina — conduzindo o potássio para o meio intracelular. Possui início de ação em 30 minutos, com pico em 90 minutos

Salbutamol inalatório 10-20mg (5mg/ml) associado a SF 0,9% 5-10 ml em aproximadamente 10 minutos. A dose utilizada para tratamento de hipercalemia é cerca de 4-8x maior do que no broncoespasmo, portanto, atente para o surgimento de taquicardia e em uso nos cardiopatas e portadores de coronariopatia.

Fenoterol pode ser dado por via inalatória e a dose recomendada para hipercalemia é bem maior do que a de broncodilatação (10 a 20mg). Essa dose é capaz de reduzir o potássio em 0,6 mEq em 30 minutos

III. Bicarbonato de sódio

O bicarbonato de sódio atua alcalinizando o sangue, redistribuindo o potássio através dos canais iônicos. Também pode ter efeito dilucional. Pelo mecanismo “tampão”, ao aumentar o pH sanguíneo, ocorre a liberação de hidrogênio das células, em troca pelo íon de K+ com o fim de manter a eletroneutralidade.

A Ressalva importante é que o bicarbonato não é recomendado como terapia isolada, principalmente em pacientes sem acidose. Em portadores de cardiopatia ou nefropatia poderemos ocasionar hipernatremia, sobrecarga volêmica, hipocalcemia, e até mesmo, tetania.

Apresentação na concentração de 8,4% associado à solução hipotônica – p. ex. SG 5% ou água destilada, a fim de garantirmos a isotonicidade da infusão. O início de ação é em aproximadamente 15-30 minutos com efeito transitório e questionável.

A indicação reside nos pacientes com hipercalemia e acidose metabólica associada, ou em parada cardiorrespiratória. O bicarbonato não resulta em uma redução significativa do potássio quando o pH é normal

E) Eliminar o potássio do organismo

I. Resina de troca iônica.

Resinas de troca atuam a fim de transferir o K+ para a luz intestinal e posterior excreção pelas fezes. Embora não consiga eliminar o potássio precocemente e fazer, sozinho, o tratamento da hipercalemia, é importante, em conjunto com as outras medidas.

Poliestirenossulfonato de Cálcio – O famoso Sorcal® é uma resina de troca, ele realiza a troca entre cálcio e alguns íons, entre eles o potássio. Teoricamente o Sorcal estimula a eliminação de potássio pelas fezes. Usado de 30-60g associado com manitol 100 ml por VO até de 4/4 horas, como administração rotineira se o trânsito intestinal estiver adequado, podendo ser feito até mesmo por via retal em pacientes selecionados. 

Apesar do Sorcal ser amplamente utilizado, não há evidências robustas de que ele funcione e, pelo contrário, é potencialmente deletério. Além disso, apenas 10% do potássio é eliminado pela via gastrointestinal

Eventos adversos incluem constipação e até mesmo obstrução intestinal. Para reduzir esses efeitos, é comumente administrado com algum agente osmótico, como manitol. Porém quando administrado juntos, existe aumento do risco e necrose dos cólons. O FDA tem se posicionado contra a utilização desta medicação

A sociedade americana de nefrologia recomenda: “é preferível que sejam esgotadas outras alternativas no manejo da hipercalemia, antes de indicar tal terapia sem evidência de benefício e potencialmente danosa”

II .Diurético

Sabendo que 90% do potássio é excretado pela urina, estimular a diurese é uma opção viável para tratamento da hipercalemia, principalmente se o paciente estiver hiper ou euvolêmico.

Os diuréticos de alça, como a furosemida, vão ser os mais eficazes na eliminação do potássio. Recomenda-se de 20 a 40mg. Início de ação em 15 a 60 minutos, durando cerca de 4 horas

A associação com acetazolamida ou tiazídicos pode ter efeito sinérgico, porém você deve monitorar de perto o débito urinário e os eletrólitos, devido ao alto risco de hipovolemia e outros distúrbios hidroeletrolíticos

Se o paciente estiver desidratado, deve-se prescrever expansão volêmica antes de estimular a diurese, para reduzir a alcalose de contração. O Status volêmico é importante, pois podemos associar solução salina isotônica em pacientes euvolêmicos ou hipovolêmicos para manter o fluxo e a distribuição distal de sódio, aumentando a eficácia. Doses habituais de 40 mg EV a cada 12 horas, utilizados de maneira NÃO ISOLADA, podem nos ajudar bastante.

III. Hemodiálise

Hemodiálise é o método mais eficaz para a eliminação do potássio corporal. Pode-se reduzir 1 mEq de potássio por hora de diálise

 Paciente se encontra com comprometimento renal grave, as indicações de hemodiálise são:

Insuficiência renal conhecida ou estabelecida, disfunção renal aguda oligúrica,

 clearance < 30 com potássio > 6,5 ou alterações no ECG,

oligúria com menos de 400 ml por dia,

falência de outras medidas,

parada cardíaca,

rabdomiólise grave

Uso das medicações em paciente com hipercalemia

Diuréticos: furosemida 1 mg/kg IV até cada 4 horas

Resina de troca iônica: Sorcal® 15 a 30 g VO ou via retal, diluídos em 100 mL de manitol 10 ou 20% (a cada 4 a 8 horas). Pode-se dobrar a dose, se necessário.

Inalação com beta-2: fenoterol ou salbutamol - 10 gotas até cada 4 horas.

Polarizante: insulina regular: 1 unidades IV + 5 g de glicose (proporção)-  até cada 4 horas.

Exemplos : SG 50%: 100 mL + 10 UI de insulina regular 

SG 10% - 250mL + 5 UI de insulina regular 

Bicarbonato de sódio: 1 mEq/kg de peso IV, lento até cada 4 horas.

 Diálise (hemodiálise é mais eficaz).