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ESTADO DE MAL EPILÉPTICO

 

PRIMEIRAMENTE - CONCEITO 

A definição de estado de mal epiléptico (EME) permaneceu controversa por muitos anos e, ainda hoje, definições conceitualmente distintas podem ser observadas na literatura. EME foi inicialmente compreendido como uma condição neurológica anormal e suficientemente prolongada ou que recorresse a intervalos curtos capazes de produzir uma condição epiléptica duradoura e invariável

Na prática clínica, EME é definido como uma crise epiléptica com duração igual ou superior a 30 minutos ou crises epilépticas subentrantes sem recuperação completa da consciência. O conceito temporal da definição (30 minutos) é baseado em estudos prognósticos, estando significativamente relacionado ao aumento da mortalidade e morbidade neurológica.

Do ponto de vista semiológico, pode ser classificado em “convulsivo”, no qual há manifestações motoras evidentes e exuberantes e “não convulsivo”, caracterizado pela ausência de manifestações motoras ou manifestações motoras discretas2. Contudo, crises epiléticas com duração superior a 5 minutos têm risco elevado para atingirem duração de 30 minutos.

Assim, de modo operacional, o EME pode ser definido como uma crise epiléptica contínua ou crises intermitentes sem recuperação da consciência com duração superior a 5 minutos. Em crianças menores de 5 anos de idade, o tempo considerado para conceituar o EME deve ser de 10 minutos.

Embora não seja consenso entre os autores e haja mais de uma definição na literatura, o EME com duração superior a 2 horas é denominado EME refratário. O EME super-refratário é aquele cuja crise epiléptica tem duração superior a 24 horas após o início dos fármacos anestésicos, incluindo os casos em que há recorrência do EME durante a retirada ou suspensão da anestesia.

 

MANEJO TERAPEUTICO

 

O EME corresponde a uma emergência médica na qual a mortalidade e a morbidade neurológica estão intimamente relacionadas à precocidade e eficácia do tratamento. Assim, é fundamental que, além da crise em si, as repercussões e complicações sistêmicas decorrentes do EME sejam precocemente identificadas e controladas.

Os protocolos terapêuticos mais recentes dividem o tratamento do EME em três estágios. No “estágio 1” (estado de mal epiléptico precoce) o tratamento deve ser realizado com benzodiazepínicos. Se a crise permanece mesmo após a utilização destes fármacos, o paciente entra no “estágio 2” (estado de mal epiléptico estabelecido) e a terapia passa a ser realizada com FAE específicos incluindo fenitoína, fenobarbital e valproato de sódio. Se as crises persistem ao uso destes medicamentos por mais de 2 horas, tem início o “estágio 3” (estado de mal epiléptico refratário), quando anestesia geral passa a ser formalmente recomendada até que o EEG apresente traçado compatível com surto-supressão ou que haja controle clínico e eletrográfico do EME.

De forma meramente didática, podemos dividir a abordagem terapêutica do EME em sete passos:

Passo 1: determinação clínica da etiologia da crise

- Exame neurológico sucinto, preferencialmente antes do início do tratamento medicamentoso.

- Coleta de informações básicas: histórico prévio de epilepsia, interrupção ou uso irregular de FAE, histórico recente de traumatismo cranioencefálico, suspeita ou quadro clínico sugestivo de distúrbio metabólico, infecção do SNC ou intoxicação medicamentosa.

Passo 2: exames primários de investigação

- Crise convulsiva no setor de emergência pediátrica: coletar hemograma, glicemia, sódio, potássio, cálcio, magnésio e gasometria arterial.

- Crise convulsiva com duração incerta ou superior a 30 minutos: coletar enzimas hepáticas (TGO e TGP), amilase, ureia e creatinina.

- Sinais ou suspeita de infecção do sistema nervoso central: coletar líquido cefalorraquidiano somente após controle do evento epiléptico e estabilização completa do paciente.

- Suspeita de lesão estrutural aguda ou subaguda do sistema nervoso central: realizar exame de neuroimagem, preferencialmente tomografia de crânio, emergencial.

- Em casos específicos e/ou suspeita de quadro de intoxicação: exame toxicológico e nível sérico de FAE.

Passo 3: medidas gerais de tratamento


- Utilizar sempre leito ou maca com proteção lateral a fim de evitar quedas e acidentes.

- Se necessário, introduzir cânula orofaríngea entre os dentes para prevenir laceração da língua e aspirar a boca frequentemente para reduzir o risco de pneumonia aspirativa.

- Monitorização frequente dos principais sinais vitais: frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e temperatura.

- Manter vias aéreas desobstruídas e, se necessário, administrar oxigênio sob máscara com fluxo de 2 a 3 litros/minuto.

- Obter acesso venoso, evitando acesso central caso as manifestações motoras do EME sejam exacerbadas, devido ao risco elevado de pneumotórax iatrogênico.

Passo 4: medidas farmacológicas1

Fármacos de primeira linha


Sem acesso venoso:

Diazepam retal (0,5 mg/kg - dose máxima de 10 mg);

Midazolam oral (0,5 mg/kg - dose máxima de 10 mg);

Vidazolam nasal (0,2 mg/kg - dose máxima de 10 mg);

Midazolam intramuscular (0,2 mg/kg - dose máxima de 10 mg). Dose adicional pode ser administrada após 5 minutos.

Com acesso venoso:

Diazepam (0,3 mg/kg endovenoso - dose máxima de 10 mg); Midazolam 0,2 mg/kg - dose máxima de 15 mg). Dose adicional pode ser administrada após 5 minutos.

Fármacos de segunda linha

Fenitoína (15 a 20 mg/kg, endovenoso - velocidade máxima de infusão de 1 mg/kg/minuto, até 50 mg/minuto). Dose adicional de 10 mg/kg pode ser administrada após 15 minutos.

Fenobarbital (20 mg/kg, endovenoso - velocidade máxima de infusão de 2 mg/kg/minuto, até 100 mg/minuto. Dose adicional de 20 mg/kg pode ser administrada após 15 minutos.

Valproato de sódio (20 a 40 mg/kg, endovenoso, infundido em 10 minutos.


 

Se permanecer na crise após 5 min iniciar tratamento de segunda linha com anticonvulsivantes

 

  • Fenitoína 20 mg/kg EV diluído em SF 0,9%

(a velocidade máxima de infusão é de 50mg/min e em idosos e cardiopatas deve-se realizar em 20 mg/min)  – fármaco de escolha OU

 

  • Fenobarbital 15-20 mg/kg EV

(sugere-se infusão de 50 a 100 mg/min) OU

​​​​​​​

  • Ácido valpróico 40 mg/kg EV diluído em 100 ml de SF 0,9%; máxima 3000 mg

(sugere-se infusão de 100 mg/min ou 6 mg/kg/min)Retirado do mercado brasileiro em 2017

Fármaco de terceira linha

A partir deste momento o atendimento deve ser realizado preferencialmente em unidades de terapia intensiva e sob monitoração eletrográfica contínua.

Midazolam continuo: infusão rápida de 0,1 a 0,3 mg/kg, via endovenosa, seguido de manutenção de 0,05 a 0,4 mg/kg/hora. Sua principal vantagem é o início de ação rápido e a elevada potência antiepiléptica. Contudo, os benzodiazepínicos apresentam tolerância precoce e elevado risco de recorrência de crise após sua suspensão.

Tiopental: infusão de 100 a 250 mg em 20 segundos, via endovenosa, seguido de infusões rápidas adicionais de 50 mg a cada 2 a 3 minutos até controle clínico e eletrográfico da crise1,20-22.

Pentobarbital: infusão rápida de 5 a 7 mg/kg, via endovenosa, com velocidade máxima de infusão de 50 mg/minuto, seguido de infusões rápidas adicionais de 1 a 5 mg/kg a cada 2 a 3 minutos até controle clínico e eletrográfico da crise. Dose de manutenção de 0,5 a 5 mg/kg/hora1,20-22.

As principais vantagens no uso do tiopental ou do pentobarbital são a elevada potência antiepiléptica, relativa segurança e longo tempo de experiência. Por outro lado, estes fármacos apresentam farmacocinética de ordem zero, o que torna comum quadros de intoxicação, e sua rápida redistribuição pode provocar acúmulo corporal e meia vida prolongada.

Propofol: infusão rápida de 2 mg/kg, via endovenosa, seguido de manutenção de 5 a 10 mg/kg/hora. Suas principais vantagens são a elevada potência antiepiléptica, baixa interação farmacológica com outros medicamentos e o rápido início e término de ação, o que permite maior controle sobre possíveis efeitos colaterais. Embora possa provocar diminuição da pressão arterial e frequência cardíaca, estes efeitos são menos frequentes e têm menor intensidade quando comparado com a infusão continua de midazolam, tiopental e pentobarbital..

Quetamina: infusão rápida de 1,5 mg/kg, via endovenosa, seguido de manutenção de 0,01 a 0,05 mg/kg/hora. Embora seja uma alternativa frequentemente utilizada no EME, há poucos estudos consistentes sobre sua eficácia e segurança na faixa etária pediátrica. Contudo, tem grande efeito neuroprotetor, uma vez que é um potente antagonista do glutamato.

Lidocaína: infusão rápida de 1 a 2 mg/kg, via endovenosa, seguida de manutenção de 6 mg/kg/hora20.

As doses de manutenção destes fármacos anestésicos devem ser tituladas, a fim de manter o controle clínico e eletrográfico da crise ou até que seja atingido padrão de surto-supressão no EEG. Não há evidências seguras na literatura a respeito de qual fármaco anestésico é o mais eficaz no controle do EME na infância, nem por quanto tempo devam ser mantidas estas medicações e nem de como deva ser realizado o esquema de redução e suspensão após o controle clínico e eletrográfico do EME1.

Após a utilização destes fármacos anestésicos, caso haja falha no controle da crise, não há dados seguros sobre a eficácia de outros tratamentos, podendo ser utilizados topiramato em altas doses (até 30 mg/kg/dia, via enteral), hipotermia terapêutica, levetiracetam, lacosamida, esteroides, imunoterapia e dieta cetogênica.

Embora corticoides e ACTH sejam utilizados há muitos anos no tratamento do EME, pouco se sabe a respeito de seus mecanismos de ação e eficácia. No EME super-refratário já foi demonstrada a presença de anticorpos contra elementos neuronais, como por exemplo canais de potássio voltagem-dependentes, o que poderia explicar a eficácia da imunoterapia em alguns casos.

Dieta cetogênica vem sendo utilizada para tratamento de epilepsias clinicamente refratárias desde a década de 1920. Contudo, sua indicação no EME super-refratário é controversa, não havendo protocolos bem definidos. A primeira série de pacientes com EME tratados com sucesso com dieta cetogênica foi publicada em 2003 e, desde então, poucos estudos bem conduzidos foram realizados sobre o tema

A dieta cetogênica para epilepsia é baseada em uma alimentação rica em gorduras, com quantidade moderada de proteínas e com baixo teor de carboidratos. Essa composição alimentar faz com que o organismo entre em estado de cetose, o que faz o cérebro utilizar corpos cetônicos como principal combustível para suas células, controlando as crises epilépticas.

Há dois tipos de dieta que podem ser utilizados:

  • Dieta Cetogênica Clássica: 90% das calorias vêm de gorduras como manteiga, óleos, creme de leite e azeite, e os outros 10% vêm de proteínas como carnes e ovos, e de carboidratos como frutas e legumes.
  • Dieta Atkins modificada: 60% das calorias vêm de gorduras, 30% de alimentos ricos em proteínas e 10% de carboidratos.

 

A hipotermia terapêutica reduziu tanto o tempo total de crise como a apoptose neuronal, sugerindo que seu uso possa estar relacionado à neuroproteção e melhora do prognóstico neurológico.

 

Período após o Controle da Crise

  • Após controle da crise, manter mais 24 horas de coma medicamentoso antes de iniciar o desmame das drogas (iniciar redução da infusão em 25% da dose total a cada 6 horas)
    • Realizar monitorização com EEG
    • O ideal é manter pelo menos duas medicações em doses terapêuticas antes de iniciar o processo de desmame das drogas anestésicas
  • Seguimento com neurologista, equipe médica clínica e intensivista

ESTADO DE MAL EPILÉPTICO NÃO CONVULSIVO (EMENC)

  • O tratamento segue a recomendação de primeira e segunda linha do EMEC
  • Evitar o uso de drogas anestésicas e sedativas se o paciente tem consciência preservada ou relativamente preservada
  • Se houver persistência após primeira e segunda linha, associar outro fármaco de segunda linha
  • Pode-se usar drogas por via sonda nasoenteral ou oral
    • Topiramato, levetiracetam, ácido valproico, vigabatrina, clobazam e carbamazepina
  • O uso dos fármacos de infusão contínua deve ser exceção
    • Pacientes mais jovens, com menor risco de complicações, e quando o padrão eletrográfico contribui de forma significativa para alteração da consciência

Fontes

https://www.sanarmed.com/status-epilepticus-ou-estado-de-mal-epileptico-colunistas

http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/339/estado%20de%20mal%20epileptico-%20diagnostico%20e%20tratamento

https://www.tuasaude.com/dieta-cetogenica-para-epilepsia/