ENDOCARDITE INFECIOSA - DIAGNÓSTICO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A endocardite infecciosa (EI) é uma doença cujo diagnóstico pode ser desafiador, dada sua apresentação clínica variável. Os critérios de Duke foram desenvolvidos para padronizar o diagnóstico e auxiliar na identificação da endocardite. Os critérios de Duke modificados têm alta sensibilidade (cerca de 80%) e alta especificidade (cerca de 99%) para o diagnóstico de EI. Isso significa que são muito bons tanto para identificar aqueles com a doença (sensibilidade) quanto para excluir corretamente aqueles que não a têm (especificidade).
Os Critérios de Duke para diagnóstico de Endocardite Infecciosa (EI), o chamado Critérios Duke-ISCVID 2023. EI nada mais é do que infecção da superfície endocárdica do coração, acometendo principalmente as valvas cardíacas. Vale lembrar que essa doença é uma das infecções de maior mortalidade no mundo e muitas vezes subdiagnosticada. Em geral, a EBS desenvolve-se em valvas anormais após bacteremia assintomática, decorrente de infecções periodontais, gastrointestinais ou geniturinárias.
CLASSIFICAÇÃO
A endocardite pode ser classificada como aguda ou subaguda a depender da evolução dos sintomas. Essa classificação não é definidora de tratamento, mas somente classifica os pacientes pelo tempo de sintomas.
A sua principal etiologia é bacteriana e geralmente acomete mais pacientes do sexo masculino. As valvas mais acometidas são a mitral e aórtica.
Endocardite bacteriana subaguda (EBS), embora agressiva, com frequência, tem início insidioso e progride vagarosamente (isto é, no decorrer de semanas a meses). Muitas vezes, não se evidencia qualquer fonte de infecção ou porta de entrada. A EBS é causada com mais frequência por estreptococos (em especial o grupo viridans, microaerófilos, organismo aeróbios e estreptococos do grupo D não enterocócicos e enterococos) e, menos comumente, por Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Gemella morbillorum, Abiotrophia defectiva (anteriormente Streptococcus defectivus) Granulicatella spp e Haemophilus spp fastidioso.
Endocardite bacteriana aguda: (EBA) geralmente tem início abrupto e progride rapidamente (isto é, em dias). Com frequência, evidencia-se a fonte de infecção ou porta de entrada. Quando as bactérias são virulentas ou a exposição às bactérias é maciça, a EBA pode comprometer valvas normais. Em geral causada por S. aureus, estreptococos hemolíticos do grupo A, pneumococos ou gonococos.
Pela pouca especificidade dos sintomas, devemos lembrar que todo paciente com febre e portador de fatores de risco deve ser investigado para endocardite.
CRITÉRIOS DE DUKE ATUALIZADOS - 2023
Utilizamos os critérios de Duke para diagnóstico de endocardite infecciosa com base em critérios ecocardiográficos, biológicos, clínicos, hemoculturas e sorologias. Foram originalmente publicados em 1994 e os modificados tiveram sua última atualização em 2000. Porém, desde 2015 a Sociedade Europeia de Cardiologia já vinha propondo atualizações dos critérios e, em 2023, houve atualização.
- Novo Critério Maior: Os novos critérios adicionam um novo Critério Maior para pacientes com endocardite infecciosa – a evidência cirúrgica. As evidências intraoperatórias de EI (por exemplo, vegetações, abscesso, destruição valvular, deiscência ou afrouxamento de válvula protética ou outra evidência direta de EI) agora contam como critério maior.
- Novos Critérios Menores: As características clínicas adicionadas à lista de Critérios Menores como “condições predisponentes” incluem portadores de dispositivos cardíacos implantáveis endovasculares (DCIE) – por exemplo, eletrodos de marcapasso, implante/reparação de válvula transcateter, e diagnóstico prévio de EI. Portanto um dos maiores destaques foi a inclusão de dispositivos cardíacos permanentes (CDI e marcapasso definitivo) como fator de risco para EI, já que estes estão presentes em > 10% das EI confirmadas. Além disso, outro fato interessante foi a constatação de que os implantes de valva transcateter (a famosa TAVI) possuem risco de infecção semelhante aos implantes valvares cirúrgicos tradicionais, aumentando risco de EI associada à prótese.
Também foram reconhecidos novos fenômenos vasculares, incluindo abscesso cerebral e abscesso esplênico.
Por último, os autores desenvolveram uma definição prática de glomerulonefrite mediada por imunocomplexos dentro da categoria de fenômenos imunológicos.
Evidência microbiológica positiva: Os novos critérios exigem evidência microbiológica positiva para o diagnóstico definitivo de endocardite infecciosa, enquanto os critérios anteriores permitiam o diagnóstico baseado em achados clínicos e laboratoriais específicos. Isso ajuda a garantir que o diagnóstico seja preciso e evita o tratamento desnecessário de pacientes com sintomas semelhantes, mas sem endocardite infecciosa. Além dessas diferenças, os novos critérios também incluem outras mudanças menores, como a inclusão de novos patógenos e a exclusão de outros.
Novas opções de diagnóstico: Foram propostas novas opções de diagnóstico, como enzima imunoensaio para espécies de Bartonella, PCR, sequenciamento amplicon/metagenômico e hibridização in situ. Além disso, eles incluem novas opções de imagem, como PET/CT com [18F]FDG e tomografia computadorizada cardíaca.
DETALHES DA ATUALIZAÇÃO DE CRITÉRIOS
CRITÉRIOS MAIORES
I. Microbiológicos:
Hemoculturas positivas para microrganismos típicos de EI (por exemplo, estreptococos viridans, Staphylococcus aureus) isolados de duas ou mais hemoculturas.
Hemoculturas positivas para germes que raramente causam EI, isolados em três ou mais hemoculturas (exemplos - streptococo bovis, HACEK grupo, ou enterococos em ausência de foco primário.).
Testes laboratoriais positivos:
PCR para Coxiella burnetii (Febre Q), Bartonella sp. (febre da arranhadura de gato) ou Tropheryma whipplei (doença de Whipple); ou anticorpos/IF para Bartonella.
II. Imagem positiva para EI:
Evidência de envolvimento valvar em exames de imagem (ecocardiograma transtorácico ou transesofágico, tomografia computadorizada cardíaca ou FDG PET/CT) FDG-18 fluorodesoxiglicose. Inclui nova regurgitação ao ecocardiograma (mudança de sopro pré-existente não é suficiente)
III. Critério cirúrgico:
Evidência de EI documentada à inspeção direta intraoperatória dispensam critérios de imagem ou microbiológicos
CRITÉRIOS MENORES
1. Predisposição:
- história prévia de endocardite, intervenção valvar prévia, doença congênita, cardiopatia hipertrófica.
2. Febre ≥38°C.
3. Fenômenos vasculares:
embolia arterial, aneurisma micótico, hemorragia conjuntival, lesões de Janeway, abcesso esplênico e cerebral.
4. Fenômenos imunológicos:
glomerulonefrite, nódulos de Osler, fator reumatoide positivo.
5. Fenômenos microbiológicos:
evidência microbiológica não satisfazendo critério maior ou sorologia positiva para organismos conhecidos por causar EI (inclui PCR ou amplicon/sequenciamento metagenômico de patógeno atípico)
6. Imagem
Atividade metabólica anormal detectada por [18F]FDG PET/CT dentro de 3 meses após o implante da prótese valvar, enxerto aórtico ascendente, eletrodos de dispositivo intracardíaco ou outro material protético
Definições de EI pelos Critérios de Duke 2023
Agora que já sabemos os novos critérios de Duke, precisamos definir se a EI é definitiva, provável ou descartada.
EI Definida é estabelecida na presença de qualquer um dos seguintes:
LESÕES PATOLÓGICAS – Vegetação ou abscesso intracardíaco demonstrando endocardite ativa na histologia, OU
MICROORGANISMO – Demonstrado em cultura ou histologia de vegetação ou abscesso intracardíaco
Microorganismos identificados no contexto de sinais clínicos de endocardite ativa em uma vegetação; de tecido cardíaco; de uma prótese valvar explantada ou anel de sutura; de um enxerto de aorta ascendente (com envolvimento da valva aórtica); de um dispositivo eletrônico implantável intracardíaco endovascular; ou de uma embolia arterial.
Classicamente, utilizamos os critérios de Duke modificado, em que conforme os critérios clínicos, laboratoriais e de imagem podemos classificar o diagnóstico de endocardite de 3 formas:
2 critérios maiores, OU
1 maior + 3 critérios clínicos menores, OU
5 critérios clínicos menores
EI Provável
1 critério maior + 1 menor, OU
3 critérios menores
EI Descartada ou Rejeitada
Diagnóstico diferencial alternativo consistente que explique os sinais/sintomas, OU
Resolução das manifestações clínicas ocorridas apesar de terapia com antibiótico por ≤ 4 dias, OU
Ausência de evidência patológica ou macroscópica de endocardite infecciosa em cirurgia, ou autópsia, com terapia antibiótica por menos de 4 dias.
ECOCARDIOGRAMA
O ecocardiograma transtorácico (ETT) é rápido e não-invasivo, tendo uma especificidade excelente para o diagnóstico de endocardite (98%), porém com uma sensibilidade geral de apenas 40-60%.
A ecocardiografia transesofágica (ETE) pode revelar vegetações muito pequenas para serem vistas na ETT. Tem sensibilidade de 90 a 100%.
Deve-se fazer ecocardiograma transesofágico quando
Pacientes com valva protética (em que a sensibilidade à ETT é limitada)
Ecocardiograma transtorácico não é suficiente para o diagnóstico
Estabeleceu-se o diagnóstico da endocardite infecciosa clinicamente (feito para detectar perfurações, abscessos e fístulas)
A ETE seriada possibilita o diagnóstico de complicações que evoluem durante o tratamento, como aumento do tamanho da vegetação ou formação de abscessos.
TOMOGRAFIA
Utiliza-se TC conforme necessário para definir completamente abscessos paravalvares e para detectar aneurismas micóticos. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) melhora a sensibilidade dos critérios de Duke modificados sem comprometer a especificidade. É especialmente útil para a infecção associada a dispositivos implantados, nos quais os exames de imagem são dificultados por sombreamento metálico e alterações pós-operatórias
. PET scan também detecta infecção extracardíaca, como êmbolos sépticos, e é uma ferramenta emergente para o diagnóstico de endocardite originada de dispositivos protéticos e intracardíacos. Anomalias na TC e PET são agora incluídas como os critérios principais nas diretrizes europeias .
Foi proposta a realização de exames de imagem cerebral de rotina porque até 60% dos pacientes têm lesões clinicamente silenciosas. Sua utilidade para o prognóstico e o
Fontes
Fowler VG, Durack DT, Selton-Suty C, et al. The 2023 Duke-ISCVID Criteria for Infective Endocarditis: Updating the Modified Duke Criteria. Clin Infect Dis. 2023 May 4:ciad271. doi: 10.1093/cid/ciad271. Epub ahead of print.
https://cardiopapers.com.br/novos-criterios-duke-para-diagnostico-endocardite/
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/doen%C3%A7as-cardiovasculares/endocardite/endocardite-infecciosa
https://www.medway.com.br/conteudos/o-tratamento-da-endocardite-infecciosa-saiba-mais/
https://educa.cetrus.com.br/endocardite/
https://sanarmed.com/endocardite-infecciosa-aspecto-geral-diagnostico-tratamento-e-profilaxia-colunistas/