TRATAMENTO DA DENGUE COMPLICADA
Considerações inicias
A dengue é uma doença viral transmitida por mosquitos que nos últimos anos se espalhou rapidamente por todas as regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS). O vírus da dengue é transmitido por mosquitos fêmea, principalmente da espécie Aedes aegypti e, em menor proporção, da espécie Aedes albopictus. Esses mosquitos também transmitem chikungunya e zika. A dengue é generalizada ao longo dos trópicos, com variações locais de risco influenciadas pela precipitação, temperatura e rápida urbanização não planejada. Nas Américas, o principal vetor da dengue é o mosquito Aedes aegypti.
A infecção com um sorotipo seguida por outra infecção com um sorotipo diferente aumenta o risco de dengue grave e até morte. Trata-se portanto de uma doença febril que afeta bebês, crianças e adultos. A infecção pode ser assintomática ou pode apresentar sintomas que variam de febre baixa a febre alta incapacitante, com forte dor de cabeça, dor atrás dos olhos, dores musculares e nas articulações e erupções cutâneas. A doença pode progredir para dengue grave, caracterizada por choque, falta de ar, sangramento intenso e/ou complicações graves nos órgãos.
A classificação de gravidade varia sendo estabelecida do menor para o maior como A,B,C ou D.
Tratamento da classificação B
Critérios da Classificação B :
a) Febre por até sete dias, acompanhada de pelo menos dois sinais e sintomas inespecíficos (cefaléia, prostração, dor retroorbitária, exantema, mialgias, artralgias) e história epidemiológica compatível.
b) Prova do laço positiva ou manifestações hemorrágicas espontâneas, sem repercussão hemodinâmica.
c) Ausência de sinais de alarme.
Conduta
Esses pacientes devem ser atendidos inicialmente nas unidades de atenção básica, podendo necessitar de leito de observação, dependendo da evolução.
Conduta diagnóstica
a) Hemograma completo: obrigatório. A colta deve ser imediata, com resultado no mesmo período.
b) Exames específicos (sorologia/isolamento viral): obrigatório
Conduta terapêutica
a) Hidratação oral conforme recomendado para o grupo A, até o resultado do exame, com o seguinte volume oral total em adultos
• 60 mL/kg/dia, sendo 1/3 com sais de reidratação oral (SRO) e com volume maior no início. Para os 2/3 restantes, orientar a ingestão de líquidos caseiros (água, suco de frutas, soro caseiro, chás, água de coco, entre outros), utilizando os meios mais adequados à idade e aos hábitos do paciente.
Por exemplo, para um adulto de 70 kg, orientar a ingestão de 60 mL/kg/dia, totalizando 4,2 litros/dia. Assim, serão ingeridos, nas primeiras 4 a 6 horas, 1,4 litros, e os demais 2,8 litros distribuídos nos outros períodos. Manter a hidratação durante todo o período febril e por até 24 a 48 horas, após a defervescência da febre.
b) Sintomáticos (conforme recomendado para o grupo A)
• analgésicos e antitérmicos • antieméticos • antipruriginosos
Tratamento da Classificação C
Critérios da classificação C
Presença de algum sinal de alarme: dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural e/ou lipotímia; hepatomegalia >2 cm abaixo do rebordo costal; sangramento de mucosa; letargia e/ou irritabilidade; aumento progressivo do hematócrito.
Paciente com hematócrito aumentado em mais de 10% acima do valor basal ou, na ausência deste, com os seguintes valores:
» crianças: > 42%
» mulheres: > 44%
» homens: > 50% e/ou plaquetopenia < 50.000 cels/mm3
Conduta
Conduta diagnóstica
Realizar exames complementares obrigatórios:
ࡿ hemograma completo;
ࡿ dosagem de albumina sérica e transaminases.
Os exames de imagem recomendados são radiografia de tórax (PA, perfil e incidência de Hjelm-Laurell) e ultrassonografia de abdômen. O exame ultrassonográfico é mais sensível para diagnosticar derrames cavitários.
Outros exames poderão ser realizados conforme necessidade, como glicemia, ureia, creatinina, eletrólitos, gasometria, tempo de atividade de protrombina (Tpae) e ecocardiograma.
e. Proceder à reavaliação clínica após a primeira hora, considerando os sinais vitais, PA, e avaliar diurese (desejável 1 mL/kg/h).
Conduta terapêutica
• leito de observação em unidade de emergência ou unidade hospitalar ou, ainda, em unidade ambulatorial, com capacidade para realizar hidratação venosa sob supervisão médica. Os pacientes devem permanecer em acompanhamento em leito de internação até estabilização (mínimo 48 horas).
Reposição volêmica
a. Iniciar a reposição volêmica imediata, em qualquer ponto de atenção, independentemente do nível de complexidade, inclusive durante eventual transferência para uma unidade de referência (mesmo na ausência de exames complementares):
O total máximo de cada fase de expansão é de 20 mL/kg em duas horas, para garantir administração gradativa e monitorada, sendo dividida em 10 mL/kg de soro fisiológico a 0,9% na primeira hora. Manter a hidratação de 10 mL/kg/hora na segunda hora até a avaliação do hematócrito, que deverá ocorrer em duas horas após a etapa de reposição volêmica.
b. Se não houver melhora do hematócrito ou dos sinais hemodinâmicos, repetir a fase de expansão até três vezes. Seguir a orientação de reavaliação clínica (sinais vitais, PA e avaliar diurese) após uma hora, e de hematócrito a cada duas horas, após a conclusão de cada etapa.
c. Se houver melhora clínica e laboratorial após a(s) fase(s) de expansão, iniciar a fase de manutenção:
ࡿ primeira fase: 25 mL/kg em 6 horas – se houver melhora, iniciar segunda fase;
ࡿ segunda fase: 25 mL/kg em 8 horas com soro fisiológico.
d. ALERTA SOBRE HIDRATAÇÃO EM IDOSOS Apesar do risco maior de complicações e choque, pacientes desse grupo correm um risco maior de sobrecarga de fluidos, em parte pela presença de comorbidades, pelo maior risco de lesão renal e redução da função miocárdica. A hidratação deve ser minuciosmanete acompanhada, na busca de sinais de edema pulmonar (crepitação à ausculta).
ATENÇÃO
Se não houver melhora clínica e laboratorial, conduzir como Grupo D.
Tratamento da classificação D
Presença de sinais de choque, sangramento grave ou disfunção grave de órgãos.
SINAIS DE CHOQUE
• Taquicardia.
• Extremidades distais frias.
• Pulso fraco filiforme.
• Enchimento capilar lento (>2 segundos).
• Pressão arterial convergente (<20 mmHg).
• Taquipneia.
• Oligúria (<1,5 mL/kg/h).
• Hipotensão arterial (fase tardia do choque).
• Cianose (fase tardia do choque).
Conduta diagnóstica
Realizar exames complementares obrigatórios:
ࡿ hemograma completo;
ࡿ dosagem de albumina sérica e transaminases.
Os exames de imagem recomendados são radiografia de tórax (PA, perfil e incidência de Hjelm-Laurell) e ultrassonografia de abdômen. O exame ultrassonográfico é mais sensível para diagnosticar derrames cavitários.
Outros exames poderão ser realizados conforme necessidade: glicemia, ureia, creatinina, eletrólitos, gasometria, tempo de protrombina e atividade enzimática (Tpae) e ecocardiograma.
Exames para confirmação de dengue são obrigatórios, mas não são essenciais para conduta terapêutica.
Conduta terapêutica
a. Reposição volêmica: iniciar imediatamente a fase de expansão rápida parenteral com soro fisiológico a 0,9% (20 mL/kg em até 20 minutos) em qualquer nível de complexidade, inclusive durante eventual transferência para uma unidade de referência, mesmo na ausência de exames complementares. Caso necessário, repetir a reposição por até três vezes, conforme avaliação clínica.
ALERTA SOBRE HIDRATAÇÃO EM IDOSOS
Apesar do risco maior de complicações e choque, pacientes desse grupo correm maior risco de sobrecarga de fluidos, em parte pela presença de comorbidades, pelo maior risco de lesão renal e redução da função miocárdica. A hidratação deve ser minuciosamente acompanhada, na busca de sinais de edema pulmonar (crepitação à ausculta).
b. Reavaliação clínica a cada 15 a 30 minutos e de hematócrito a cada 2 horas. Esses pacientes necessitam de monitoramento contínuo.
c. Repetir fase de expansão até três vezes. Se houver melhora clínica e laboratorial após a fase de expansão, retornar para a fase de expansão do Grupo C e seguir a conduta recomendada. Esses pacientes devem permanecer em acompanhamento em leito de UTI até estabilização (mínimo de 48 horas) e, após estabilização, devem permanecer em leito de internação.
d. No caso de resposta inadequada, caracterizada pela persistência do choque, deve-se avaliar:
ࡿ se o hematócrito estiver em ascensão, após a reposição volêmica adequada, utilizar expansores plasmáticos (albumina 0,5 g/kg a 1 g/kg);
preparar solução de albumina a 5% (para cada 100 mL dessa solução, usar 25 mL de albumina a 20% e 75 mL de soro fisiológico a 0,9%). Na falta dela, utilizar coloides sintéticos (10 mL/kg/hora);
Podem apresentar edema subcutâneo generalizado e derrames cavitários pela perda capilar, que não significam em princípio ser hiper-hidratação, mas que podem aumentar após hidratação satisfatória. O acompanhamento da reposição volêmica é feito pelo hematócrito, por diurese e sinais vitais
Se hematócrito estiver em queda
ࡿ se o hematócrito estiver em queda e houver persistência do choque, investigar hemorragias e avaliar a coagulação;
ࡿ na presença de hemorragia: transfundir concentrado de hemácias (10 a 15 mL/kg/dia);
ࡿ na presença de coagulopatia: avaliar a necessidade de uso de plasma fresco (10 mL/kg), vitamina K endovenosa e crioprecipitado (1 U para cada 5 kg a 10 kg);
ࡿ considerar a transfusão de plaquetas nas seguintes condições:
• sangramento persistente não controlado, após correção dos fatores de coagulação e do choque;
• trombocitopenia e INR >1,5 vez o valor normal.
e. Se o hematócrito estiver em queda com resolução do choque, ausência de sangramentos, mas com o surgimento de outros sinais de gravidade, observar:
ࡿ sinais de desconforto respiratório, sinais de insuficiência cardíaca congestiva e investigar hiper-hidratação;
ࡿ deve-se tratar com redução da infusão de líquido, uso de diuréticos e drogas inotrópicas, quando necessário.
f. A infusão de líquidos deve ser interrompida ou reduzida à velocidade mínima necessária, se:
ࡿ houver término do extravasamento plasmático;
ࡿ normalização da pressão arterial, do pulso e da perfusão periférica;
ࡿ diminuição do hematócrito na ausência de sangramento;
ࡿ diurese normalizada;
ࡿ resolução dos sintomas abdominais.
g. Oxigenioterapia : Oferecer O2 em todas as situações de choque (cateter, da máscara, CPAP nasal, ventilação não invasiva, ventilação mecânica), definindo a escolha em função da tolerância e da gravidade. No contexto de parada cardíaca ou respiratória, quando não se estabelece a via aérea por intubação orotraqueal, por excessivo sangramento de vias aéreas, o uso de máscara laríngea pode ser uma alternativa.
h. Evitar procedimentos invasivos desnecessários, como toracocentese, paracentese, pericardiocentese. No tratamento do choque compensado, é aceitável cateter periférico de grande calibre. Nas formas iniciais de reanimação, o acesso venoso deve ser obtido o mais rapidamente possível.
A via intraóssea em crianças pode ser escolhida caso o acesso vascular não seja rapidamente obtido, para administração de líquidos e medicamentos durante ressucitação cardiorrespiratória (RCP) ou tratamento do choque descompensado.
i. Monitorização hemodinâmica não invasiva como a oximetria de pulso é desejável. No entanto, em pacientes graves, descompensados e de difícil manuseio, os benefícios de monitorização invasiva como pressão arterial média (PAM), pressão venosa central (PVC), saturação venosa central de oxigêncio (Svc02) podem superar os riscos.
j. O choque com disfunção miocárdica pode necessitar da administração de medicamentos inotrópicos; tanto na fase de extravasamento como na fase de reabsorção plasmática, lembrar que na primeira fase existe necessidade de reposição hídrica, enquanto na segunda fase há restrição hídrica. As seguintes drogas inotrópicas podem ser administradas: dopamina (5 a 10 microgramas/kg/min), dobutamina (5 a 20 microgramas/kg/min) e milrinona (0,5 a 0,8 microgramas/kg/min).
Critérios de alta
Após preencher os critérios de alta, o retorno para reavaliação clínica e laboratorial segue orientação conforme grupo B. Preencher cartão de acompanhamento de dengue. Orientar o retorno após a alta.
Fontes
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/dengue_diagnostico_manejo_adulto_crianca_3ed.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/dengue/dengue-diagnostico-e-manejo-clinico-adulto-e-crianca