CRISE TIREOTÓXICA - MANEJO TERAPÊUTICO
Considerações iniciais
A crise tireotóxica consiste em uma condição clínica grave, que é causada pela exacerbação abrupta do estado hipertireóideo. Nesse estado, ocorre a descompensação de um ou mais órgãos do paciente. Apesar de acometer mais pacientes com doença de graves, também pode ocorrer em pacientes com adenoma tóxico ou bócio multinodular tóxico.
Há um desafio no manejo dessa doença no quesito definição de diagnóstico. Isso ocorre porque a maioria dos dos sintomas da crise tireotóxica podem estar presentes na tireotoxicose não complicada. A principal diferença entre essas duas condições está na intensidade dos sintomas.
Qual a fisiologia da crise tireotóxica?
A crise tireotóxica também pode ser precipitada por cirurgias tireoidianas e extratireoidianas, anestesia, estresse e depleção de volume, visto que esses fatores causam aumento das concentrações de hormônios tireoideos livres. Lembra-se de que a grande maioria do hormônio liberado é sob a forma de T4, que posteriormente será convertido em T3 (o hormônio ativo) através das desiodases dos tecidos periféricos.
A DG é a causa mais comum de tireotoxicose e sua patogênese envolve a formação do TRAb. Esses anticorpos se ligam aos receptores de TSH, presentes na membrana da célula folicular tireoidiana, causando, assim, a hiperfunção glandular. O excesso de hormônios tireoidianos secundário ao hipertireoidismo de Graves pode ser controlado por meio da inibição da síntese hormonal, utilizando-se drogas antitireoidianas (DAT), destruição de tecido tireoidiano com iodo radioativo (131I) ou tireoidectomia total (TT). Os três tratamentos apresentam vantagens e desvantagens, sendo que os dois últimos são considerados tratamentos definitivos. A escolha de uma modalidade em detrimento de outras deve ser feita com base em características clínicas, socioeconômicas e preferências do médico-assistente e do paciente.
Manifestações clínicas
Os sintomas estão relacionados a exacerbação da tireotoxicose, hipermetabolismo e manifestações adrenérgicas.
Dentre os principais sintomas gerais, é comum que ocorra:
Sudorese profusa;
Tremores;
Síndrome consumptiva; e
Febre.
Alterações em sistema nervoso central
Taquicardia
Insuficiência cardíaca
Alterações em sistema gastrintestinal
Outros sintomas da crise tireotóxica
Além desses sintomas gerais, a CT pode acometer diferentes sistemas. Os sintomas neuropsiquiátricos, por exemplo, incluem agitação, delirium e alterações do nível de consciência.
No sistema cardiovascular, os pacientes podem apresentar taquicardia e fibrilação atrial. Essas alterações podem ser observadas em pacientes sem doenças cardíacas prévias. Nos casos mais graves, esses indivíduos podem evoluir para: insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão e choque.
No sistema gastrointestinal, há uma apresentação de diarreia, vômitos e dor abdominal difusa.
Além disso, as manifestações hematológicas são um importante fator de mortalidade, visto que a CT propicia um estado de hipercoagulabilidade
Como fazer o diagnóstico da síndrome tireotóxica?
O diagnóstico de crise tireotóxica é baseado na apresentação clínica. Por isso, é essencial realizar uma anamnese e um exame físico de qualidade, além de ter o relato de familiares sobre história de hipertireoidismo do paciente. Na avaliação laboratorial da função tireoidiana podemos observar o mesmo padrão encontrado no hipertireoidismo:
Elevação dos níveis séricos dos hormônios da tireoide
Supressão do TSH
Como o diagnóstico depende de julgamento clínico, é recomendado que pacientes com suspeita de crise tireotóxica sejam tratados como tendo a condição.
Fonte: Burch HB, Wartofsky L. Endocrinol Metab Clin North Am. 1993;22:263
Avaliações complementares
- Exames hormonais
Realização de exames sanguíneos para medir os níveis de hormônios tireoidianos (T3 e T4) e TSH.
Resultados revelam elevação de T3 e T4, com redução significativa de TSH, sugerindo hiperatividade tireoidiana.
- Avaliação da função cardíaca: eletrocardiogramas (ECG) são realizados para detectar arritmias associadas à tireotoxicose.
Exclusão de outras causas: investigação para descartar feocromocitoma e intoxicação medicamentosa como possíveis causas dos sintomas.
- Exame de imagem e avaliação da gravidade: realização de ultrassonografia da tireoide para avaliar morfologia e função da glândula. Com base nos resultados dos exames e na avaliação clínica, determina-se a gravidade
Identificação da causa subjacente e fatores precipitantes
Fator precipitante:
Manejo do paciente
O tratamento da CT deve ser iniciado quando há suspeita diagnóstica. Isso deve ser realizado devido ao elevado índice de mortalidade. De preferência, o paciente deve ser levado para UTI, com monitoramento e acompanhamento de equipe multidisciplinar.
As opções terapêuticas podem incluir:
Bloqueio da síntese hormonal - doses elevadas de drogas antitireoidianas como Propiltiuracil e Metimazol.;
Bloqueio da liberação de hormônios tireoideos pré-formados com sais de iodeto e de lítio;
Bloquear a conversão periférica de T4 em T3 com doses elevadas de glicocorticoides e de beta bloqueadores;
Depuração aumentada de hormônios tireóideos com colestiramina; e
Bloqueio das manifestações periféricas do excesso de hormônios tireóideos com elevadas doses de beta bloqueadores.
E o que fazer em casos onde as medidas farmacológicas não são suficientes?
Nessas circunstâncias, torna-se necessário recorrer a medidas mais drásticas, como a plasmaferese. Esse procedimento é uma alternativa rápida e eficaz, embora também mais invasiva. Em situações graves ou resistência ao tratamento convencional, considera-se a plasmaferese para remoção rápida de hormônios tireoidianos circulantes.
Tratamento medicamentoso
- Controle dos fatores precipitantes
O controle dos fatores precipitantes da CT, com terapia direcionada a sua causa base, é outra importante abordagem terapêutica nessa patologia. Nos pacientes que apresentem hipertermia sugere-se o resfriamento externo e uso de antitérmicos, sendo que a melhor opção farmacológica é o acetaminofeno em comparação aos salicilatos, pois estes aumentam a biodisponibilidade de T3 e T4 livres, o que pode piorar a CT.
Outro cuidado especial é a hipovolemia ocasionado pela hipertermia, sudorese e pelos vômitos, devendo-se realizar reposição volêmica adequada. Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, deve-se utilizar furosemida e digoxina, especialmente em pacientes com fibrilação atrial, sendo as doses do digitálico maiores que as usuais devido à depuração aumentada nessa situação. Os betabloqueadores, por diminuírem o cronotropismo, permitem melhora da função diastólica, apesar do efeito inotrópico negativo
- Beta-bloqueadores
Uma excelente opção de droga são os betabloqueadores: eles irão agir impedindo a conversão periférica de T4 em T3, mas também irão atuar nos efeitos simpaticomiméticos causados pelo excesso de hormônio. O tratamento com betabloqueadores deve ser considerado em pacientes sintomáticos, com suspeita ou diagnóstico de tireotoxicose. Esses medicamentos diminuem a frequência cardíaca, a pressão arterial, os tremores, a labilidade emocional e a intolerância aos exercícios. O betabloqueador não seletivo propranolol é o mais utilizado, com melhora dos movimentos hipercinéticos, tremores finos de extremidades e mãos úmidas , mas também podem ser prescritos betabloqueadores cardiosseletivos (atenolol, metoprolol) ou com meia-vida mais curta (esmolol).
A dose oral habitual de propranolol ou atenolol varia de 20 a 80 mg a cada 6 a 12 horas e 50 a 100 mg uma vez ao dia, respectivamente, e deve ser ajustada conforme a resposta clínica.
Os bloqueadores de canais de cálcio, verapamil e diltiazem, administrados oralmente, podem ser utilizados nos casos de contraindicação ao uso de betabloqueadores.
- Drogas antitireoidianas (DAT)
A utilização de DAT é a única modalidade de tratamento que possibilita a cura sem necessidade de intervenção cirúrgica ou exposição radioativa. As DAT são as tionamidas: propiltiouracil (PTU), metimazol (MMI) e carbimazol, este último não disponível no Brasil. Essas drogas inibem a síntese dos hormônios tireoidianos por interferência na utilização do iodeto intratireoidiano e na reação de acoplamento, ambas as reações catalisadas pela peroxidase tireoidiana. As tionamidas também têm efeito imunomodulador, embora o mecanismo ainda não tenha sido esclarecido. Doses elevadas de PTU inibem a conversão periférica de T4 em T3. Uma ressalva prática a essas medicações: não há formulação parenteral. Logo, se o paciente apresenta rebaixamento do nível de consciência haverá a necessidade de passagem de sonda nasoenteral para administração do medicamento ou uso via retal.
Propiltiouracil (PTU)
Devido aos efeitos hepatotóxicos do PTU e à redução da eficácia do 131I em possível terapia no futuro, a utilização dessa droga como primeira opção terapêutica deve ser restrita aos casos de hipertireoidismo grave, crise tireotóxica e no primeiro trimestre da gestação. A maioria dos pacientes alcança o eutireoidismo após seis a oito semanas de tratamento. Nessa fase, a dose pode ser reduzida gradativamente, sendo PTU entre 50 e 100 mg por dia.
Apresentação do PTU em comprimido de 100mg
Metimazol
A dose inicial do MMI em paciente com tireotoxicose leve a moderada é de 10 a 30 mg, em dose única diária. Em casos de hipertireoidismo grave, a dose diária pode variar de 40 a 60 mg. A maioria dos pacientes alcança o eutireoidismo após seis a oito semanas de tratamento. Nessa fase, a dose pode ser reduzida gradativamente, sendo o MMI mantido entre 5 e 10 mg por dia..
Apresentação do Metimazol/Tiamazol (Tapazol®) em comprimido de 5 ou 10mg
Efeitos colaterais das tionamidas
Os efeitos colaterais leves ocorrem em 1% a 5% dos pacientes em uso de tionamidas. São considerados como efeitos leves: rash cutâneo, prurido, urticária ou artralgia. Caso não ocorra desaparecimento espontâneo dos sintomas, pode ser feita a substituição de uma DAT pela outra, embora haja reação cruzada em até 50% dos casos. Anti-histamínicos podem ser utilizados para controle das manifestações cutâneas.
Efeitos colaterais graves são descritos em aproximadamente 1% dos pacientes e incluem poliartrite grave, agranulocitose e, mais raramente, anemia aplástica, trombocitopenia, hepatite tóxica (PTU), vasculites, síndrome lúpus-like, hipoprotrombinemia (PTU) e hipoglicemia (MMI). O uso do MMI está associado à aplasia cútis congênita, sendo contraindicado no primeiro trimestre gestacional
A agranulocitose é o mais frequente dos efeitos colaterais graves, ocorrendo em 0,5% dos pacientes em uso de DAT. Desse modo, ao iniciar o tratamento, o paciente deve ser orientado a procurar o médico e suspender a DAT se apresentar febre, odinofagia ou lesões na mucosa oral. Se confirmado o diagnóstico, o paciente deve ser hospitalizado para uso de antibioticoterapia de amplo espectro e fator estimulador de colônia de granulócito (1 a 5 µg/kg/dia, por via subcutânea). Quando ocorre um efeito colateral grave, o medicamento deve ser suspenso imediatamente e não deve ser reintroduzido.
Monitoramento da função tireoidiana com o tratamento
O monitoramento da função tireoidiana deve ser feito com medida de T4L e T3 total após aproximadamente quatro a seis semanas do início do tratamento e depois em intervalos de quatro a oito semanas até que o eutireoidismo seja alcançado com a menor dose do medicamento. Nesse momento, a avaliação clínica e laboratorial pode ser realizada a cada dois a três meses. O TSH pode permanecer suprimido por meses após o início do tratamento e não deve ser utilizado para monitorização na fase inicial. Após 12 a 24 meses de tratamento, a DAT deve ser descontinuada.
A taxa de remissão da DG varia de 30% a 50%. Pacientes com doença de longa duração, bócio volumoso e níveis elevados de T3 (> 500 ng/dL) têm maior probabilidade de recidiva. Como a maioria das recidivas ocorre nos primeiros meses após a suspensão da DAT, é recomendado que a função tireoidiana seja monitorada mensalmente nos primeiros seis meses, depois a cada três meses e, após o primeiro ano de remissão, o paciente deve ser monitorado anualmente por tempo indeterminado.
I - Tionamidas
Impedir a síntese de novos hormônios tireoidianos
Propiltiouracil
Dose : 600-1.000mg ataque + 200-300mg 4/4 ou 6/6 horas (dose total deve ser > 1.000mg dia) – preferencial POIS tem Ação adicional de impedir a conversão periférica de T4 em T3
Metimazol:
Dose : 20mg a cada 4-8 horas
II - Betabloqueador
Reduzir conversão periférica de T4 em T3 Controle de sintomas
- Propanolol 40-80mg VO 6/6 horas
Propanolol 0,5mg EV a cada 15min
- Metoprolol 50-100mg VO 12/12 horas
Metoprolol 5mg EV a cada 10-15min
- Atenolol 50-100mg VO 12/12 horas
III - Corticosteróides
Impedir conversão periférica de T4 em T3
Hidrocortisona 100mg EV 8/8 horas
Dexametasona 2-5mg EV 6/6 horas
IV - Colestiramina
Impedir a reabsorção êntero-hepática
Dose : 4g VO 6/6 horas
V - Soluções iodadas
Principalmente impedir a liberação de novos hormônios tireoidianos na circulação
- Ácido iopanoico (Telepaque): de escolha. 1g a cada 8 horas no primeiro dia, seguido de 500mg de 12/12 horas nos dias subsequentes
- Lugol ou iodeto de potássio: 4-8 gotas a cada 6-8 horas
- Carbonato de lítio O mesmo objetivo, reservado para pacientes alérgicos a iodo, com dose de 300mg 6/6 horas, devendo ser medida a litemia sérica objetivando níveis de 1mg/dL
- Corticóides
Reduz essa conversão periférica são os corticoides (que também são benéficos pelo fato destes pacientes apresentarem o risco de insuficiência adrenal subjacente). Eles diminuem tanto a síntese hormonal tireoidiana quanto a conversão periférica de T4 em T3. A sugestão é que seja administrada por via endovenosa 100 mg de hidrocortisona a cada 8 horas ou a dexametasona na dose de 2 mg a cada 6 horas. Desse modo, também se consegue o efeito profilático quanto à insuficiência adrenal que pode decorrer do estado hipermetabólico imposto pela tempestade tireóidea. Após a resolução da CT, os corticosteroides devem ser descontinuados e o acompanhamento da função adrenocortical pelos níveis de cortisol, feito.
Depuração aumentada de hormônios tireóideos com colestiramina
Os hormônios tireoidianos livres participam da circulação entero-hepática, sendo reabsorvidos no intestino! Logo, iremos atuar nesta via também, impedindo a absorção intestinal e facilitando a excreção fecal do mesmo, através da colestiramina.
Iodetos inorgânicos
Complementando a supressão da função glandular, faz-se uso de iodetos inorgânicos. Essas soluções diminuem a organificação do iodeto no colóide, a secreção dos hormônios tireoidianos pelas células foliculares e o fluxo sanguíneo para a tireoide, dessa forma reduzindo rapidamente os níveis plasmáticos de T3 e T4. Os representantes dessa classe são o Lugol e a solução saturada de iodeto de potássio (SSKI), que podem ser administrados por via oral, sublingual, retal ou por tubo nasogástrico, numa dose recomendada equivalente a 200 mg/dia de iodeto de potássio (KI). Novamente surgem divergências entre o que orientam organizações de referência de alguns países acerca do momento que o KI deve ser administrado: a Associação Americana de Tireoide (AAT) indica o uso após, no mínimo, 1 hora da aplicação da DAT, enquanto a AJT e a SEJ, em seu guideline, aprovam o uso concomitante das duas classes.
Lugol
As únicas situações clínicas onde seu uso é recomendado refere-se ao preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por doença de Graves e à crise tireotóxica. No caso do preparo pré-operatório é prescrito por 10-15 dias anteriores à cirurgia com objetivo de gerar uma redução importante da vascularização glandular e minimizar complicações hemorrágicas peri-operatória. Na crise tireotóxica o objetivo é bloquear a produção hormonal em situação de urgência médica, sendo porém recomendável que anteriormente à administração do Lugol o paciente tenha recebido uma droga antitireoidiana (de preferência o Propiltiuracil) para não haver nenhum risco do efeito inverso, ou seja, piora do hipertireoidismo por sobrecarga de iodo (efeito Jod-Basedow)
Contrastes radiológicos ou soluções iodadas: ácido iopanóico ou outro contraste radiológico. São potentes inibidores da conversão periférica de T4 em T3 (19). Devem ser administrados pelo menos 1 h após a administração das tionamidas.
Dose: 0,5 a 1,0 gramas, por via oral, diariamente.
Solução de Lugol - 10 gotas, 3 vezes ao dia ou SSKI - 5 gotas a cada 6 h
Carbonato de lítio
Ainda, caso o paciente seja impossibilitado de fazer uso de iodeto, como alérgicos, o carbonato de lítio deve ser usado (300 mg a cada 8 horas, via oral) pois também diminui a secreção dos hormônios tireoidianos, contudo isso exige um monitoramento cauteloso para evitar toxicidade.
Fontes
https://www.medway.com.br/conteudos/crise-tireotoxica-tudo-que-voce-precisa-saber/https://www.scielo.br/j/abem/a/k5s3N3nf4gs8DxDsnPWBQ3r/
https://sanarmed.com/crise-tireotoxica-o-que-e-manifestacoes-clinicas-manejo-e-mais-posendo/
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882605/crise-tireotoxica.pdf
https://www.medway.com.br/conteudos/crise-tireotoxica-tudo-que-voce-precisa-saber/]
https://www.tireoide.org.br/posicionamento-sobre-lugol/#:~:text=Na%20crise%20tireot%C3%B3xica%20o%20objetivo,inverso%2C%20ou%20seja%2C%20piora%20do