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MANEJO DE DOR CRÔNICA 

 

INTRODUÇÃO

A dor crônica é definida como a dor que persiste por um período igual ou superior a três meses. É uma das condições de saúde mais prevalentes em todo o mundo, podendo ser considerada um importante problema de saúde pública.  Essa variação pode ser influenciada por fatores como idade e gênero, mas pessoas em idades avançadas e mulheres são mais propensas a desenvolvê-la. A dor crônica possui grande impacto na qualidade de vida e pode apresentar consequências físicas, psicológicas e sociais, sendo a principal causa de anos vividos com incapacidade, no mundo. 

A dor crônica tem diferentes origens e pode ser dividida em quatro grandes grupos: oncológica, musculoesquelética, neuropática e não específica.

A dor crônica musculoesquelética pode ter várias causas e está relacionada a problemas nos ossos, articulações, músculos, tendões e ligamentos. É de forma geral mais predominante em mulheres. Estima-se que 26,9% da população brasileira que vive em capitais apresente sintomas musculoesqueléticos não associados a trauma, percentual que aumenta com a idade.

A dor neuropática é causada por alguma lesão ou disfunção no sistema nervoso. Pode ser classificada como periférica ou central, e geralmente tem característica crônica. Pode estar relacionada a diferentes patologias, como infecção por herpes-zoster, diabetes, hanseníase, câncer, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), síndrome do túnel do carpo e neuralgia do trigêmeo (nervo na face). O manejo da dor neuropática é focado nos sintomas, uma vez que a causa da dor nem sempre pode ser tratada. Ainda que seja tratada, nem sempre é suficiente para aliviar a dor. Este tipo de dor crônica é mais prevalente em mulheres, com idades mais avançadas e baixa escolaridade. Dentre os casos de dor crônica, estima-se que 10% sejam de características neuropáticas.

O quarto subtipo, a dor crônica não específica, é aquele cuja causa não consegue ser determinada e, por vezes, é classificada de forma genérica como não oncológica ou não maligna.

 

Sobre o tratamento geral  

Em se tratando da dor crônica, existe, um leque de opções terapêuticas, por exemplo, no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica, que direciona o tratamento farmacológico para os diferentes tipos de dores, classificadas de acordo com uma escala em degraus numéricos, que correspondem a uma determinada combinação de medicamentos.

No caso de dor associada à inflamação ativa (nociceptiva) ou mista (que combina origens nociceptivas e neuropáticas), no degrau 1 podem ser utilizados analgésicos, anti-inflamatórios e fármacos para o tratamento de condições que podem estar associadas (antidepressivos e relaxantes musculares). Caso os sintomas não se atenuem após uma semana, com a utilização da dose máxima recomendada desses medicamentos, ocorre a passagem para o degrau seguinte, quando podem ser utilizados opioides fracos (no degrau 2) e fortes (no degrau 3).

A recomendação é que somente um medicamento de cada categoria seja usado por vez. Assim, não há indicação de uso de um opioide fraco associado a um opioide forte, mas sim, ajustada a dose do opioide forte, até o controle adequado da dor.

OBSERVAÇÃO - Medicamentos adjuvantes, tais como antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos e corticosteroides podem sem indicados em quaisquer das etapas. 

 

O tratamento da dor neuropática, por sua vez, envolve o uso de antidepressivos tricíclicos, de forma isolada ou em combinação com antiepilépticos, ficando os opioides reservados apenas para pacientes que não respondem aos medicamentos mencionados. O opioide fraco atualmente dos mais usados para o tratamento da dor crônica é a codeína.

Além dela, a morfina também é utilizada em baixas doses, tendo equivalência analgésica a de um opioide fraco.  Caso haja necessidade de aumento da potência, pode ser utilizada a Oxicodona 10 a 40mg duas vezes ao dia, ou outras opções como metadona ou morfina em doses mais elevadas.

O PCDT também menciona que pacientes com qualquer tipo de dor podem e devem lançar mão de tratamentos não medicamentosos como, por exemplo, a prática de atividade física regular, terapia cognitiva-comportamental, terapia com calor local e fisioterapia, conforme a capacidade de cada um e sob orientação de profissional habilitado.

 

Arsenal com opióides

Codeína. A codeína, opiáceo “fraco” não usado via parenteral, tem em torno de 1/10 da potência da morfina e 10% da população não aceita a conversão da codeína para a morfina. No entanto, aqueles que obtêm mesmo um pequeno benefício analgésico da codeína, experimentam a mesma incidência de efeitos adversos. Dose oral: de 30 a 120 mg, VO de 4/4 horas.

 

Tramadol. O cloridrato de tramadol é um analgésico opioide indicado para o alívio da dor de intensidade moderada a grave. É comercializado de forma isolada ou em associação com paracetamol, fármaco com propriedades analgésica e antipirética. Os opioides são substâncias que no sistema nervoso central possuem potentes propriedades analgésicas. O Tramadol tem diversas apresentações: 

Tramadol Retard 100 mg em embalagem contendo 10, 20 ou 30 comprimidos revestidos de liberação prolongada. 

Tramadol 50 mg em embalagens contendo 10 ou 20 cápsulas. 

Tramadol solução oral (100 mg/mL) em embalagens contendo 1 frasco gotejador com 10 mL. 

Tramadol 50 mg solução injetável (50 mg/mL) em embalagens contendo 5 ampolas com 1 mL. 

Tramadol 100 solução injetável (50 mg/mL) em embalagens contendo 5 ampolas com 2 mL. 

Cloridrato de tramadol, paracetamol comprimido revestido (37,5 + 325,0) mg 

 

Morfina: É um derivado natural da papoula de rápida absorção após ingesta oral, e a administração de 4/4 h, por qualquer via, é necessária para alcançar concentração terapêutica adequada. Pacientes que não estão com controle adequado da dor, no segundo degrau da escada analgésica, devem iniciar o tratamento com morfina, nas doses ideais-5 a 10 mg, de 4/4 h, aumentando de acordo com a necessidade. Dois terços dos pacientes com câncer necessitam de dosagem acima de 180mg/ dia.

A morfina é um opioide forte, muito utilizado no tratamento da dor de origem oncológica e o mais utilizado para tratamento da dor em pacientes em cuidados paliativos.  É indicada no tratamento da dor moderada (4-6/10) a forte (7-10/10) e é o principal fármaco no 3º degrau da escada analgésica da OMS.

Estudos recentes mostram que a morfina também pode ser usada em baixas doses no 2º degrau (doses ≤ 30 mg/dia), no lugar de opioides fracos como codeína e tramadol. O importante é buscar o alívio adequado da dor com o mínimo de efeitos adversos.

Pode causar depressão respiratória: depressão respiratória clinicamente significante não ocorre em pacientes com câncer, mesmo naqueles com DPOC. Estes desenvolvem rapidamente tolerância aos efeitos respiratórios da morfina. 

 

Via de administração: sempre que possível, deve-se privilegiar a administração por via oral dos analgésicos. As vias alternativas mais utilizadas nos cuidados paliativos são: subcutânea, transdérmica, retal e endovenosa. A via intramuscular não deve ser utilizada em geral.

 

Formulações orais disponíveis no Brasil:

  • Morfina solução oral 10 mg/mL (ou 1%) – frasco com 60 mL; (1 mL = 32 gotas)
  • Morfina comprimidos de 10 e 30 mg;

 

Posologia: para garantir um alívio adequado da dor, a morfina deve ser oferecida em intervalos regulares, de acordo com a duração do efeito analgésico. Não se deve utilizar somente “conforme necessário”. A morfina tem meia-vida curta, com início do efeito em 30 minutos, pico de ação em aproximadamente 1h e duração média de efeito analgésico de 4 horas (3 a 5 horas). Há formulações de liberação prolongada com ação de 12 horas, mas nem sempre disponíveis. Se acessível ao paciente, pela comodidade da prescrição e maior adesão terapêutica, após o controle da dor com morfina de ação rápida, deve-se substituir por morfina de liberação prolongada, mantendo a mesma dose diária total dividida em duas tomadas.

Dose regular: a dose inicial é de 5 mg via oral ou 2,5 mg em pacientes caquéticos, idosos frágeis ou com insuficiência renal. Na maioria dos casos a dor é controlada com uma dose entre 10 e 30 mg, a cada 4 horas. Não existe “dose teto” ou limite diário para o uso de morfina (a dose máxima é limitada pela ocorrência de efeitos adversos de difícil controle).

 

Dose regular:

Morfina solução oral 10 mg/ml:

Tomar 5 mg (16 gotas), via oral, a cada 4 horas (8h, 12h, 16h, 20h) e 10 mg (32 gotas) às 24h

OU

Morfina 10 mg:

Tomar MEIO comprimido, via oral, a cada 4 horas (8h, 12h,16h, 20h) e 1 comprimido às 24h

Dose de resgate:

Morfina 5 mg (16 gotas), via oral, até de 1 em 1 hora

OU

Morfina 10 mg:

Tomar MEIO comprimido, via oral, até de 1 em 1 hora.

Dose noturna: a última dose do dia (ao dormir) deve ser 50 a 100% maior que as doses regulares diurnas, evitando assim que o paciente acorde pela dor ou tenha que tomar analgésicos durante a madrugada. Porém, se o paciente ainda assim acordar com dor, deve tomar dose extra igual à regular na madrugada.

Dose de resgate: além da dose regular fixa, é importante prescrever dose de resgate, dose extra em caso de dor agudizada, administrada quantas vezes forem necessárias para o alívio da dor. A dose de resgate da morfina é igual à dose regular. É importante salientar que a dose regular deve ser administrada conforme o horário programado, independentemente do número de doses de resgate. Não se deve utilizar opioide fraco como resgate de opioide forte.

Reavaliação: é fundamental reavaliar frequentemente o paciente, atentando para controle da dor e efeitos colaterais da morfina. Quando a dor não estiver controlada adequadamente e houver necessidade de uso frequente de doses de resgate, devemos ajustar a prescrição da morfina. O ajuste pode ser feito somando a dose total diária (dose regular + doses de resgate) utilizada no dia anterior. Esta é a quantidade de opioide que o paciente precisará tomar no dia seguinte para obter uma analgesia adequada.

 

Precauções: uso deve ser cauteloso na presença de insuficiência renal e hepática, em pacientes com insuficiência respiratória aguda, asma, aumento da pressão intracraniana. Usar doses menores e intervalos maiores para pacientes muito idosos, neuropatas, pneumopatas, nefropatas e hepatopatas.

Insuficiência renal: Evitar o uso de morfina, se houver alternativa disponível, devido ao acúmulo de metabólitos tóxicos. Preferir metadona (se experiência de uso ou supervisão de especialista) ou fentanil. Se for necessário o uso de morfina, diminuir e/ou espaçar as doses.

Insuficiência hepática: É bem tolerada em pacientes hepatopatas, porém a sua meia-vida pode aumentar. A dose deve ser espaçada para três a quatro vezes ao dia. Na insuficiência hepática grave, a dose também deve ser reduzida.

Efeitos colaterais: sonolência, tontura, náusea e vômitos são muito comuns, principalmente nos primeiros dias de uso, porém o paciente tende a adquirir maior tolerância após 5 a 10 dias de tratamento. Constipação é frequente e não há desenvolvimento de tolerância, devendo ser utilizados laxativos diários profilaticamente, com aumento gradual se necessário. Caso o paciente não evacue por mais de 3 dias, acrescentar medidas baixas como supositórios ou enemas. Outros efeitos menos comuns são prurido, hipotensão, sudorese, retenção urinária, depressão respiratória e dependência física e psicológica.

Prevenção de constipação:  Bisacodil 5 a 10 mg, de 12 em 12 horas.

Fentanil. A fentanila é um agonista opioide forte, e interage principalmente com receptores MOP. É cerca de 80 vezes mais potente do que a morfina, muito lipofílica e se liga fortemente a proteínas plasmáticas.  A preparação de fentanila transdérmica age entre seis e 12 horas após a administração. Uma vez que o adesivo é retirado, um reservatório subcutâneo do medicamento permanece, e o clearance ocorre em até 24 horas

Os adesivos são projetados para liberar aproximadamente 12, 25, 50 e 100 mcg/h de fentanila base na circulação sistêmica, o que representa aproximadamente 0,3; 0,6; 1,2 e 2,4 mg por dia, respectivamente. A dose inicial apropriada de fentanila (adesivo transdérmico) deve ser baseada no histórico de administração de opioides dos pacientes. Existe medicamento suficiente em cada adesivo para durar 3 dias (72 horas). O adesivo deve ser trocado a cada três dias, na mesma hora do dia.

 

Oxicodona. A oxicodona pertence à classe do fenantreno e tem atividade em múltiplos receptores opioides incluindo o kappa. Sua biodisponibilidade oral é alta, com tempo de meia-vida de 2,5 a três horas. Ademais, acredita-se que, em comparação com a codeína e a morfina, a oxicodona apresenta melhor perfil de segurança quando os pacientes já têm doenças cardiovasculares e diminuição da função renal . Assim, recomenda-se cautela e monitoramento de possível toxicidade, principalmente em caso de insuficiência renal. Algumas precauções deem feitas em relação ao Oxicodona:

•não partir, mastigar ou moer os comprimidos.

•a formulação de liberação prolongada permite que seja administrada efetivamente a cada 12 horas. A dosagem simétrica (dose matinal igual à dose vespertina) a cada 12 horas é adequada para a maioria dos pacientes, mas alguns pacientes podem adaptar-se à dosagem assimétrica (dose da manhã diferente da dose administrada à tarde). Pacientes que não estejam utilizando opioides: 10mg, a cada 12h; a dose pode ser ajustada em 10-20mg a cada 12 horas até a obtenção de uma analgesia adequada. Adultos: 80mg/dia.

Apresentações : Comprimido de liberação prolongada 10 mg. 20 mg. 40 mg.

 

 

Buprenorfina. A buprenorfina tem baixa biodisponibilidade oral, por ser retida em grande parte na primeira passagem pelo fígado. Em compensação, têm grande solubilidade lipídica, e também está disponível em preparações sublinguais e transdérmicas. É um medicamento derivado da tebaína e cerca de 25 a 40 vezes mais potente do que a morfina. É considerada segura em pacientes com insuficiência renal. Quando administrada por via transdérmica, há menor potencial para interações medicamentosas e efeitos adversos como depressão respiratória e imunossupressão 

Adesivo transdérmico 5 mg, 10 mg e 20 mg 

Restiva® que é o nome comercial, deve ser aplicado na pele não irritada e intacta, na parte externa superior do braço, na região superior do tórax, superior das costas ou no lado do tórax, em um local da pele sem pelos ou quase sem pelos.  O local de aplicação pode ser repetido após intervalo de pelo menos 3 semanas.

A dose inicial usual de Restiva® é de 5 mg, aplicada uma vez a cada 7 dias O primeiro adesivo pode levar até três dias para alcançar o efeito máximo.

 

Fontes

1. .CONITEC. Relatório de recomendação no. 846– Tramadol  para o tratamento da dor crõnica. Disponivel em http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2021/20210909_Relatorio_Tramadol_Dor_Cronica_645.pdf 

2. Francisco-Hernandez F, Santos-Soler G. Evidence of the safety of major and minor opioids in musculoskeletal diseases. REUMATOLOGIA CLINICA. 2006;2(1):10. 

3.  Furlan AD, Sandoval JA, Mailis-Gagnon A, et al. Opioids for chronic noncancer pain: a meta-analysis of effectiveness and side effects. Cmaj. 2006;174(11):1589-1594. 

4. CONITEC. Relatório de recomendação em maio de 2021– Opioides fortes (fentanila, oxicodona e buprenorfina) para o tratamento de dor crônica. Disponivel em c http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2021/20210526_Relatorio_OpioidesFortes_DorCronica_CP_44.pdf

5. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/manual_dor.pdf